Balanço do 29º Cine-PE: uma tela, várias histórias
Evento lotou as noites do Teatro do Parque na última semana, sedimentando talentos e revelando novas vozes do cinema brasileiro e pernambucano
Publicado: 16/06/2025 às 07:00

Média dos longas exibidos no Cine-PE superou a do ano passado (Divulgação)
Bem perto de completar três décadas de história, o Cine-PE — Festival do Audiovisual ganhou uma de suas mais completas e sólidas programações dos últimos anos. Movimentando as sessões matinê do Cinema São Luiz e as noites do Teatro do Parque, a programação de 38 filmes, incluindo a competição de cinco longas brasileiros, de sete curtas pernambucanos e dos nove curtas nacionais, exploraram uma notável diversidade de temas, estilos e formatos.
A abertura contou com o novo longa da consagrada cineasta Anna Muylaert, o comovente A Melhor Mãe do Mundo, estrelado por Shirley Cruz, Seu Jorge e Luedji Luna. Trazendo o drama de uma mãe fugindo em uma carroça com seus dois filhos do marido abusador, o trabalho impressionou pela complexa produção, gravada nas ruas de São Paulo de forma autêntica e urgente, e pelas interpretações, sobretudo de Shirley, no papel principal, e dos pequenos Rhihanna Barbosa e Benin Ayo.
Duas cineastas pernambucanas estreantes também marcaram esta 29ª edição. Primeiro veio Mariana Soares, com o emocionante documentário O Ano em que o Frevo Não Foi pra Rua (codirigido por Bruno Mazzoco), que se debruça sobre o triste período pandêmico Recife e Olinda não viram as cores do carnaval. O público também se encantou com o talento da diretora Mykaela Plotkin e seu Senhoritas, que traz Analu Prestes e Tânia Alves como protagonistas de uma linda história sobre a redescoberta do amor e do sexo na terceira idade.
Ainda na competição de longas, o inusitado documentário Itatira, dirigido por André Luís Garcia, investiga o caso de uma histeria de alunos em uma escola do interior do Ceará, na qual começaram a surgir relatos de que o espírito de um garoto morto estava sendo visto pelas crianças. Com uma ambiência carregada, o filme explora os silêncios e o clima soturno da mata e das cavernas locais para construir sua atmosfera.
O último longa competitivo foi a comédia romântica curitibana Nem Toda História de Amor Acaba em Morte, de Bruno Costa, que traz o primeiro grande protagonismo de uma atriz surda do cinema brasileiro. Gabriela Grigolom encabeça essa representatividade inédita em uma trama sobre o fim de um casamento que revela uma nova experiência de vida para um triângulo amoroso, em um projeto divertido, visualmente cheio de vida e com um humor que pegou todo o público do Cine-PE desprevenido.
Fora de competição, Os Enforcados, exibido no sábado, já é uma das produções mais surpreendentes do ano. Irandhir Santos e Leandra Leal, homenageada do festival, estrelam o perverso suspense dirigido por Fernando Coimbra (de O Lobo Atrás da Porta), no qual um casal de bicheiros se envolve em um emaranhado de situações perigosas no momento em que tomam uma atitude drástica.
CURTAS DE DESTAQUE
A curadoria desta edição do Cine-PE, composta por Carissa Vieira e Edu Fernandes, conseguiu um equilíbrio temático e formal instigante em cada sessão, criando diálogos claros, mesmo que nada óbvios, entre os curtas-metragens e longas. Nesse processo, algumas obras realmente se destacaram.
Logo no primeiro dia, dois pernambucanos chamaram atenção. Eu Preciso Dizer que Te Amo, de Marlom Meirelles com os Estudantes da Rede Pública de Ensino do Jaboatão dos Guararapes, é um documentário exibido em sessão hors-concours, no qual moradores de Jaboatão dos Guararapes compartilham histórias de amor a partir da ideia da música e do brega, em divertida celebração do afeto sem amarras. Já a ficção Cavalo Marinho, de Léo Tabosa, tem uma das revelações mais bonitas de todo o Cine-PE deste ano, com Tuca Andrada e Divina Valéria nos papéis principais, em uma história de mãe e filho ambientada na época do São João. Nada mais apropriado para o período do festival.
Já no segundo dia, chamou atenção pela sensibilidade no trato com a cultura popular o curta O Carnaval é de Pelé, de Daniele Leite e Lucas Santos. No documentário, o personagem-título expressa em seu olhar a tristeza por um carnaval que não consegue viver mais da mesma forma por conta de sua condição física, enquanto compartilha histórias de seu passado – algumas bastante divertidas.
Única animação entre os curtas, o filme Kabuki, de Tiago Minamisawa, um sofisticado projeto feito ao longo de quase uma década e que traz de maneira simbólica e cheia de ideias visuais diferentes temas como autoaceitação e transformação, a partir da iconografia teatral japonesa.
Abordando a depressão e os ciclos de dor emocional a partir também de um viés alegórico e visualmente denso, o filme A Caverna é, sem dúvida, um dos mais fortes curtas desta edição do ponto de vista das atuações. Louise Fiedler dirige o filme, sobre uma mãe e uma filha presas em um labirinto emocional da qual a primeira não consegue sair. O trabalho das atrizes Patricia Saravy e Nathalia Garcia é emocionalmente brutal e das melhores coisas de todo o evento.
Não ficam atrás porém as interpretações belíssimas de Olívia Torres e Rafael Lozano no curta Depois do Fim, filme dirigido por Pedro Maciel em que um casal que terminou o relacionamento há alguns anos se encontra ao acaso e ela oferece a ele uma carona. Dentro do carro, todo o diálogo longo e doloroso vai se desenvolver e questões mal resolvidas do passado vêm à tona.
Entre alegrias e tristezas, realidades e fantasias, o saldo do cinema nacional e pernambucano segue em festa.

