Destaque da primeira semana do Festival de Cannes é dos filmes densos
Presente no Festival de Cannes desde a abertura, em 13 de maio, o Diario já conferiu a vários dos longas da competição; confira o balanço da disputa pela Palma de Ouro

A mostra competitiva do Festival de Cannes 2025 começou oficialmente no dia 14 de maio e já trouxe filmes que intrigaram a crítica e mobilizaram as discussões. O evento colocou as garras para fora logo no primeiro longa da disputa pela Palma de Ouro, o longo e carregado drama alemão Sound of Falling, da diretora Mascha Schilinski, que colecionou elogios da imprensa internacional. Na trama, acompanhamos diferentes gerações de mulheres em uma mesma casa na zona rural da Alemanha, começando na década de 1930 e seguindo até o contemporâneo, através de transições abstratas e narrações que versam sobre o sofrimento existencial feminino e sobre a fantasmagoria da assimilação da finitude.
Igualmente difícil, mas com uma abordagem bem mais seca e discreta, o filme histórico Two Prosecutors, do ucraniano Sergei Loznitsa, mostra os período de torturas aos prisioneiros durante a época mais brutal da Era Staling da antiga União Soviética, em 1937, através do ponto de vista de um idoso que exige a visita de um jovem promotor de justiça à sua cela.
O que falta de urgência temática no drama ucraniano, porém, sobra em Dossier 137, de Dominik Moll. O filme recria os protestos franceses de 2018, que reivindicavam o fim da progressão de impostos sobre produtos energéticos de origem fóssil, e foca em um caso de violência policial investigado pela inspetora Stéphanie (vivida por Léa Drucker, que chega forte na disputa pelo prêmio de Interpretação Feminina). Desiludido, o longa mostra uma realidade cada vez mais global e critica duramente a dificuldade das instituições em solucionar o problema da impunidade.
Enquanto o esperado western americano Eddington, do diretor Ari Aster (de Hereditário), provocou reações mistas com sua sátira surtada dos diferentes grupos sociais dos Estados Unidos durante a pandemia de Covid-19, o tenso e impactante Sirat, do francês Oliver Laxe, gerou a maior perplexidade do festival até o momento. No filme, uma jovem desaparece em uma rave e seu pai (Sergí Lopez), acompanhado pelo seu irmão caçula (Bruno Núñez Arjona) adentram no deserto profundo do Marrocos com um grupo punk em sua procura – uma história que rapidamente se transforma em algo completamente diferente do que se imagina a partir de um dos acontecimentos mais chocantes entre os trabalhos exibidos em Cannes nos últimos tempos.
Falando em intensidade, a interpretação devastadoramente física de Jennifer Lawrence em Die, My Love, de Lynne Ramsey, vendo sendo um dos assuntos mais comentados pela imprensa internacional. A atriz, oscarizada por O Lado Bom da Vida, há anos não faz um papel de peso nas grandes premiações e este seu novo trabalho no papel de uma mãe entrando em colapso pós-parto vem provocando reações bastante positivas.
Já La Petite Dernière, da diretora Hafsia Herzi, equilibra um tema potencialmente delicado e pesado com otimismo e representatividade. Na trama, uma jovem imigrante argelina de 16 anos, vivida por Nadia Melliti, que vai estudar em Paris e começa a redescobrir a sua orientação sexual, se envolvendo cada vez mais com outras meninas da comunidade LGBTQIA+. Menos centrado na opressão familiar e/ou religiosa e mais interessado nas relações humanas da protagonista, o filme pode ser forte concorrente ao prêmio de Interpretação Feminina.
A leveza mesmo ficou por conta da comédia histórica Nouvelle Vague, dirigido por Richard Linklater (Trilogia do Antes e Boyhood: Da Infância à Juventude), que conta a história das gravações de um dos maiores clássicos do cinema, Acossado, e da relação de Jean-Luc Godard com a sua equipe. Apesar de ser uma grande brincadeira interna de cinefilia, a obra de Linklater, toda filmada num preto e branco que emula a estética do movimento do filme que retrata, se resolve com uma curta duração e um ritmo ágil, sem maiores pretensões.
Representante brasileiro na competição, O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho, exibido no último domingo, se tornou assunto badalado na imprensa tanto pela entrada da equipe no tapete vermelho, ao som de frevo e em clima de carnaval, como principalmente pelo resultado do filme, ambientado no Recife da década de 1970 e elogiado pela robustez visual, pela força das interpretações e pela inteligência da articulação temática, que lida com as memórias do período da ditadura militar de modo sutil e faz uma bela radiografia cultural do Recife.
Ainda está cedo para fazer apostas e, na verdade, festivais como Cannes costumam ser cheios de surpresa, já que os resultados são decididos por júri, que, nesta edição, é presidido pela atriz Juliette Binoche. De qualquer modo, com mais da metade da seleção já exibida, não faltará assunto na cinefilia nos próximos meses.