Brutal e implacável, 'Sirat' é o filme mais forte da competição até aqui
O longa do diretor francês Oliver Laxe se tornou uma das principais apostas para a Palma de Ouro
André Guerra - Enviado especial
Publicado: 17/05/2025 às 08:15
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Atualizado: 19/05/2025 às 00:00

'Sirat' é um dos concorrentes à almejada Palma de Ouro (EL DESEO/Uri Films)
Nenhum filme balançou os espectadores do Festival de Cannes 2025 da mesma forma que o franco-espanhol Sirat, exibido na competição oficial pela Palma de Ouro. O novo longa-metragem do diretor francês Oliver Laxe (de O que Arde) apareceu na discussão como o possível primeiro forte candidato ao prêmio máximo do evento que ocorre na Riviera Francesa desde o dia 13 de maio e revelará seus premiados no próximo sábado (24). O Diario esteve presente na sessão para a imprensa.
O surpreendente thriller dramático conta a história de um pai desesperado para encontrar sua filha, que desapareceu recentemente em uma rave. Juntamente com seu filho pequeno e uma cachorrinha, ele vai em direção ao deserto marroquino na esperança de alguma pista, mas os diferentes grupos que consulta não parecem saber de nada. Quando o exército chega no local, todos se dispersam e o pai resolve seguir um grupo específico em seu veículo precário para uma viagem tão perigosa.
Nada poderia preparar o público para uma das viradas mais impressionantes de qualquer filme lançado em Cannes na história recente. Passado o engajamento nesse primeiro ato, que apropriadamente oferece o mínimo de informações acerca das motivações dos protagonistas, Sirat se transforma em outra experiência — da qual entregar qualquer informação adicional pode estragar o impacto.
Olive Laxe é conhecido como um cineasta de filmes incômodos e, neste seu novo projeto, ele combina uma abordagem sonora poderosa — contando com uma atmosférica trilha sonora eletrônica quase onipresente — e uma fotografia grandiosa dessa paisagem desértica para filmar situações de crueza impiedosa. A mesma premissa em um projeto hollywoodiano tomaria rumos completamente distintos, mas aqui a lei parece ser não apenas a da subversão de expectativas como a aniquilação da esperança.
O título faz referência à palvra que, no islamismo, significa uma 'ponte' mais fina que um fio de cabelo que liga o inferno ao paraíso. Dentro da hostil jornada enfrentada pelos protagonistas, o termo está mais próximo da literalidade do que de uma aproximação metafórica. Todos os desdobramentos da segunda metade, na prática, se comportam como um purgatório que testa vários limites do absurdo.
Não é só o fatalismo que marca o trabalho de Laxe, mas a beleza da sua cadência. Ele não busca apenas o choque gráfico, que seria relativamente fácil de fazer com os elementos que tem à disposição, mas brincar com atenção do público de maneira sádica, sabendo o que ele espera que aconteça e, dentro disso, propondo resultados cada vez mais desafiadores.
Só como experiência de cinema, portanto, Sirat já provocaria inúmeras sensações e discussões, mas o filme pode ser encarado como um comentário sobre alienação europeia diante do sofrimento de mundos além das suas fronteiras. E, aplicando-se a ideia de forma mais universal, o realizador fala (ou grita) sobre como nós só passamos a se importar com a dor alheia quando a banalidade do sofrimento chega à nossa porta.
Sem medo de esticar essa linha fina e, no processo, acabar afastando boa parte dos seus espectadores, Sirat revela uma coragem rara de confrontar a plateia com suas próprias credulidades. Ocasionalmente, ele também a convida a rir das suas próprias reações. Caso o júri do Festival de Cannes, presidido por Juliette Binoche, queira valorizar originalidade e audácia, ele já tem um excelente candidato para reconhecer.

