A educação como caminho para ressocialização em Igarassu
Programa de Pré-Vestibular da Universidade de Pernambuco (Prevupe) traz esperança de um futuro melhor para reeducandos do Presídio de Igarassu
“Todo mundo tem um lado bom e um ruim e eu, infelizmente, deixei o meu lado ruim prevalecer”, reconhece Keoma Ferreira, de 31 anos, cujos erros o levaram ao Presídio de Igarassu (PIG), no Grande Recife, para cumprir pena de nove anos. Mas, da sua cela, ele pode enxerga uma oportunidade de trilhar um caminho melhor.
Por meio da educação, em especial ao Programa de Pré-Vestibular da Universidade de Pernambuco (Prevupe), ele e outros reeducandos, como Anderson Maia, de 46 anos, conseguiram a oportunidade de voltar a estudar no ensino superior, mesmo com toda desconfiança vinda de fora da penitenciária, algo comum para a população carcerária.
“Apesar de muita gente não acreditar na ressocialização e de que estou fazendo faculdade, eu nunca perdi a vontade de estudar. Eu só não tinha tido uma oportunidade antes do Prevupe”, contou Anderson Maia, que cumpre pena de 19 anos por assaltos praticados em 2018.
“Aí, veio o pré-vestibular para ajudar nessa retomada, trazendo os materiais didáticos, disponibilizando acesso à informação, sem contar os professores que se tornaram nossos amigos. Isso tudo fez com que eu me ‘instigasse’ de novo pelos estudos”, destacou.
Ambos os detentos já estudavam em faculdades particulares quando foram presos. Keoma cursava direito, enquanto Anderson estudava Gestão de Recursos Humanos. Os crimes fizeram com que ambos parassem os estudos, mas isso não impediu que eles voltassem a sonhar com o ensino superior.
“Eu ainda sonho em ser advogado e tentar trabalhar na parte de direitos humanos para ajudar pessoas presas que sofrem abusos dos direitos, que querem ter acesso a oportunidades. Eu já vi muita coisa dentro dos presídios que a gente poderia mudar,” enfatizou Keoma, preso duas vezes, em 2016 e 2020, por assalto e formação de quadrilha.
Atualmente, Keoma cursa a graduação de Criminologia dentro do Presídio de Igarassu, na modalidade Ensino à Distância (EaD). Já Anderson Maia retomou o curso de Gestão de Recursos Humanos, também no formato online. Ambos estão iniciando o segundo período.
Além de garantir uma formação para uma retomada na sociedade, as atividades educativas como leitura de livro, participação do Enem PPL e trabalhos voluntários ajudam no processo de remissão das penas.
Para eles, a falta de oportunidades de estudos e de qualificação profissional impedem a reabilitação dos detentos e inviabilizam a ressocialização quando saem da prisão, o que gera esquecimento por parte da sociedade.
Motivos por entrar na vida do crime
Segundo Keoma, a frustração por não conseguir o tão sonhado emprego de policial fez com que ele se tornasse um “vilão” para a sociedade. A falta de estímulo para retomar a busca por seu principal objetivo de vida fez com que ele se envolvesse com “algumas amizades” que o levaram para a vida do crime.
“Infelizmente, dentro da comunidade a violência e o tráfico são constantes e como não consegui realizar meu sonho, eu me deixei envolver. Eu sempre gostei de andar armado, queria ser policial. Como não consegui, deixei a vida do crime me puxar e caí”, relembra o morador do Pina, em 2016, época em que foi preso pela primeira vez.
Keoma ganhou uma condicional em 2020, mas a perda do pai para a Covid-19, quando faltava um mês para a sua soltura, fez com que ele retornasse ao crime. “Eu passei quatro anos sem ver meu pai porque ele não conseguia e não queria entrar no presídio”, lembra.
“Quando faltava um mês para eu ir embora, ele morreu. A partir daí eu não tinha vontade de viver, para mim pouco importava se eu ia tá vivo ou morto. E foi aí que me entreguei novamente,” lamentou.
Em outros casos, como o de Anderson Maia, os contatos com drogas ainda na adolescência, e com “certas pessoas” fizeram com que ele “andasse fora da lei”.
“Desde os 14 anos, eu usava maconha. O pessoal diz que é uma droga inofensiva, mas não é”, avaliou.
“Conheci vários lugares e pessoas por conta dela e foi aí que comecei a praticar os assaltos”, contou, lembrando a três anos não faz uso de drogas.
Os dois reeducandos sempre tiveram acesso à educação e nunca passaram por grandes dificuldades financeiras. Mas o desejo de riqueza terminou estimulando algumas de suas atitudes.
“Antes eu tinha aquele sonho extraordinário de ser rico e isso também me influenciou a continuar na vida do crime. Com o tempo, a pessoa vai percebendo que uma vida simples e saudável é a melhor coisa que tem. Hoje em dia, eu tenho o sonho de comprar um sítio para ficar na beira do lago, com uma vida tranquila e honesta,” confessou Anderson.
Prevupe no sistema prisional (PPL)
Iniciado no ano passado como projeto-piloto no Presídio de Igarassu (PIG), O Prevupe no sistema prisional atendeu uma turma com 75 reeducandos, com aulas presenciais de segunda a sexta, nos períodos de manhã e tarde, conforme a rotina da unidade.
Este ano, o projeto, que é uma parceria entre a Universidade de Pernambuco (UPE) e a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), ampliou o curso para mais duas unidades: Centro de Observação e Triagem Criminológica Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, e a Penitenciária Doutor Ênio Pessoa Guerra (PDEPG), em Limoeiro, no Agreste.
Participarão da formação 185 reeducandos que terão direito a material didático, simulados, acompanhamento psicológico, teste vocacional, conteúdos atualizados e camisa do Prevupe.
“Muitas dessas pessoas, mesmo se sentindo no fundo do poço, encontram na educação uma esperança de dias melhores. Embora a sociedade evite esse debate, é essencial lembrar que essas pessoas retornarão ao nosso convívio”,ressaltou Fabiana Andrade, coordenadora pedagógica geral do Prevupe.
“Precisamos refletir sobre o tipo de sociedade que queremos construir. Apesar deles terem cometido delitos, eles merecem, sim, uma segunda chance”, enfatizou.
Segundo o gerente de Educação e Esportes da SEAP, Jorge Henrique, o Prevupe 2025 nas penitenciárias deve começar ainda este mês. Ele esclarece que, apesar da implementação do pré-vestibular nas unidades prisionais ser gradativa, haverá “aulões” nas demais unidades, a fim de preparar os estudantes para os vestibulares ou para o processo de reinserção social.