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Mesmo após derrota no STF, Prefeitura de Olinda mantém cobrança do "foro" por terras doadas em 1537

Criado com base em documentos do século 16, o foro é cobrado por Olinda de imóveis localizados na cidade, no Recife, em Jaboatão dos Guararapes e no Cabo de Santo Agostinho.

Por Camila Estephania

Moradora do bairro da Encruzilhada, no Recife, a professora Sônia Maria Beltrão guarda os boletos de pagamento do "foro" desde 1996, quando começou a ser cobrado.

No último mês, moradores do Recife foram surpreendidos por mais uma cobrança do chamado “Foro de Olinda” – uma taxa criada com base em documentos de 1537, início do período colonial, que há anos é alvo de contestações na Justiça.

Com vencimento no final de agosto, a nova cobrança da Prefeitura de Olinda acontece mesmo após decisão desfavorável ao município, no ano passado, no Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, a 1ª Turma da Suprema Corte rejeitou pedido da cidade para aplicar a taxa em algumas áreas da região metropolitana.

Contestado na Justiça desde a década de 1990, o Foro de Olinda é cobrado de imóveis situados na própria cidade, no Recife, em Jaboatão dos Guararapes e no Cabo de Santo Agostinho. Para isso, o município alega que seria o verdadeiro proprietário dos terrenos ocupados.

Essas terras teriam sido doadas ao município, quando ainda se chamava Villa de Olinda, por Duarte Coelho, donatário da Capitania de Pernambuco, há quase 500 anos. As decisões judiciais mais recentes sobre a taxa, no entanto, afastam a tese de Olinda, apontando que a cobrança do “foro” seria incompatível com o regime republicano e sem respaldo na Constituição de 1988.

Moradores confusos

Confusos sobre a legalidade da taxa, moradores dos endereços que recebem a cobrança ficam sem saber como proceder. É o caso da professora Sônia Maria Beltrão, que mora em um edifício do bairro da Encruzilhada, na Zona Norte do Recife.

Atualmente síndica do condomínio, onde vive desde 1980, ela lembra que começou a pagar o Foro a partir de 1996. Foi nessa época que o então prefeito de Olinda, Germano Coelho, ganhou o direito de cobrar a taxa anual na Justiça. Desde então, Sônia busca meios legais de descartar a cobrança.

Sua última tentativa foi em novembro de 2024, quando resolveu pagar a parcela única proposta pela Prefeitura de Olinda – de 4,5% do valor do imóvel – para quitar o laudêmio e não receber mais a cobrança. A conta custou mais de R$2 mil. Para surpresa dela, entretanto, a cobrança do Foro de Olinda de 2025 chegou novamente, no valor de R$192.

“Fui à Prefeitura de Olinda e dei entrada na liquidação, depois voltei lá e peguei um carnê para fazer o pagamento no banco, pensando que receberia a certidão de quitação. No entanto, disseram que só poderiam me dar o comprovante quando eu liquidasse também o ITBI da compra do apartamento”, diz Sônia.

Inconformada com a resposta, a professora voltou à Prefeitura novamente nesta semana e, desta vez, ouviu que não é mais necessário pagar o ITBI do imóvel para receber o certificado e que a cobrança deste ano não tem mais validade. Agora, ela espera o aguardado comprovante. “Até brinquei e disse que iria fazer um quadro com o documento", comentou, entre queixas sobre a desorganização da gestão municipal de Olinda.

Cobrança abusiva

Responsável por uma casa no bairro de Ponto de Parada desde 2013, também no Recife, o jornalista Márcio Bastos compartilha da mesma insatisfação. Só para transferir a titularidade do imóvel para sua família, foram pagos R$9 mil à Prefeitura de Olinda e, hoje, a cobrança anual do Foro ainda chega a mais de R$600. Caso o valor não seja pago, o foreiro pode ficar com o nome sujo no SPC.

“Considero uma cobrança abusiva. Não faz sentido pagar o IPTU ao Recife e, também, uma taxa para Olinda, em um valor alto, diga-se de passagem. Também paguei a taxa quando morei na Encruzilhada. Não me foi avisado sobre a cobrança, mas o boleto chegou. Como estava no contrato da imobiliária que eu deveria assumir eventuais cobranças, paguei o valor durante todo o período em que morei lá", comenta o jornalista.

“Em que esse valor é utilizado? Quanto a Prefeitura de Olinda arrecada dos contribuintes recifenses?", pergunta-se Márcio, que diz nunca ter visto nenhuma das gestões olindenses investindo nos endereços.

Procurada, a Prefeitura de Olinda não forneceu dados recentes sobre o total de contribuintes do “foro”. Em 2009, havia cerca de 7 mil imóveis localizados em áreas de cobrança. À época, o valor arrecadado pelo município era de R$ 20 milhões por ano – o equivalente a mais de R$ 58 milhões, em valores corrigidos.

Briga judicial

Em 2012, a Prefeitura de Olinda ajuizou uma ação na Justiça Federal para fazer a cobrança do “foro” em parte dos terrenos doados por Duarte Coelho, onde atualmente a taxa é recolhida pela União e pela Santa Casa de Misericórdia do Recife.

O pedido foi negado na primeira instância, em 2015, e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em 2019. “A pretensão de considerar válido o Foral de Olinda parece atentar contra a própria forma como as coisas se dão em uma República”, registrou o voto do relator do caso, à época.

No julgamento, a Justiça Federal também entendeu que, desde a Constituição de 1891, os atos de doação de terra por donatários já não seriam mais válidos.

O município, então, entrou com recurso extraordinário no STF, que foi negado pela ministra Cármen Lúcia, em decisão monocrática, posteriormente confirmada pela 1ª Turma da Suprema Corte. A decisão foi proferida em julho de 2024.

Em nota, a gestão Mirella Almeida (PSD) alegou que o município de Olinda permaneceria “autorizado a realizar a cobrança do foro enfiteutico nas áreas em que não há sobreposição de domínio com a União ou com a Santa Casa de Misericórdia do Recife”.

“Em recente decisão judicial, ficou delimitado que o Município deve se abster de efetuar a cobrança do foro apenas nos territórios em que esses entes já exercem o mesmo tipo de cobrança”, diz o comunicado oficial.

“Tal vedação é específica e não compromete o exercício legítimo da cobrança municipal em outras regiões de área foreira, onde não há litígio ou duplicidade de incidência”. Questionada, a Prefeitura não informou em quais áreas supostamente estaria autorizada a fazer a cobrança.