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Plantar mudanças e colher uma nova vida

A história da Sempre Viva é feita de recomeços. Da dor do preconceito, nasceu a acolhida. Da escassez, floresceu a partilha

Larissa Aguiar

Publicado: 11/06/2025 às 10:24

Projeto Sempre Viva/Divulgação

Projeto Sempre Viva (Divulgação)

Na periferia da zona norte do Recife, uma semente plantada em 2010 segue germinando esperança. A Sempre Viva, Organização da Sociedade Civil (OSC) sem fins lucrativos, nasceu com a missão de oferecer moradia digna a mulheres vivendo com HIV/AIDS e seus filhos — vítimas não apenas do vírus, mas também da exclusão social. Quinze anos depois, a instituição se reinventa, abrindo caminhos para o empreendedorismo, a sustentabilidade e o empoderamento feminino, com impacto direto na vida de mais de 500 pessoas por mês.

O início da trajetória foi marcado por acolhimento e cuidado. As mulheres, então rejeitadas por suas famílias e pela sociedade, encontraram na casa mantida pela Sempre Viva um porto seguro. Ali, além de tratamento de saúde e apoio psicológico, recebiam atenção à educação dos filhos e incentivo à autonomia. “A gente acolhia com dignidade. Acompanhava a saúde, as crianças, a alimentação, e preparava para que saíssem dali prontas para recomeçar”, conta Alexandre Ruiz, diretor da instituição.

Mas, com o passar dos anos, a maior circulação de informação sobre o HIV/AIDS diminuiu a demanda por abrigos segregados. Em 2019, havia apenas uma mulher acolhida. A chegada da pandemia da Covid-19 foi o ponto de virada. O ciclo do abrigo foi encerrado e, com olhar atento às necessidades emergentes das comunidades vizinhas, nasceu uma nova missão: investir nas mulheres das periferias como eixo de transformação social.

“Sabemos que, quando se investe em mulheres, o retorno vem em dobro para as famílias, para as comunidades e para toda a sociedade. Por isso, começamos a promover a profissionalização, o empreendedorismo e o cuidado com o meio ambiente como um caminho de autonomia”, explica Alexandre.

Hoje, a Sempre Viva atua a partir de três pilares: social, econômico e ambiental. Através de ações assistenciais e projetos socioeducativos, busca não só diminuir a fome, mas também romper com o ciclo da pobreza. São mais de 100 mulheres e jovens atendidos regularmente com cursos, oficinas e formações voltadas à geração de renda e à inserção no mercado de trabalho. Cerca de 90% dos alunos formados no curso de Cuidador de Idosos, por exemplo, estão empregados. “É gratificante ver uma mãe de família que nunca tinha tido oportunidade agora trabalhando, sustentando a casa, motivando os filhos a estudar”, diz Alexandre, com emoção.

Entre as crianças, o acolhimento se dá por meio de atividades lúdicas, culturais e ambientais. Mais de 90 meninos e meninas participam de ações que vão do teatro à separação do lixo reciclável, passando por oficinas de compostagem, cultivo de hortas, produção de mudas e até geração de gás natural com biodigestor. “A educação ambiental é uma frente poderosa. Plantar alface junto de uma criança é ensinar sobre paciência, cuidado e futuro. E ainda leva comida para casa”, reflete o diretor.

A atuação da Sempre Viva também se traduz em números: mais de 5 mil cestas básicas distribuídas apenas em 2024, o equivalente a 57 toneladas de alimentos doados. Todos os meses, mais de 100 famílias recebem apoio direto da instituição. São ações que aliviam a fome, sim, mas, sobretudo, restauram a esperança. “A gente chega com um pacote de feijão, mas deixa também dignidade e escuta. Às vezes, é o que mais falta”, destaca Alexandre.

A sustentação desse trabalho vem de doações, de sócios colaboradores, de um bazar solidário e da participação em feiras vendendo artesanatos produzidos nas oficinas. Rifas e parcerias pontuais ajudam a manter o funcionamento. “Somos um centro espírita, mas o nosso trabalho social vai além da religião. Aqui ninguém é excluído”, frisa o diretor.

Com um olhar para o futuro, a instituição quer ir além: “Nosso próximo passo é expandir os cursos para jovens, principalmente nas áreas de tecnologia, que é o presente e o futuro do mercado de trabalho”, revela Alexandre. Para isso, a Sempre Viva busca apoio para equipar melhor suas salas de aula, finalizando a instalação de forros, carteiras e quadros.

A história da Sempre Viva é feita de recomeços. Da dor do preconceito, nasceu a acolhida. Da escassez, floresceu a partilha. E agora, da vulnerabilidade social, brota o protagonismo. Em cada oficina, em cada cesta entregue, em cada horta cultivada com as próprias mãos, a mensagem é a mesma: é possível transformar realidades quando há afeto, escuta e compromisso com o coletivo.

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