"Acorda, Jesus", grita criança quando chove em palco de tragédia com 48 mortos
Moradores de Jardim Monteverde, em Jaboatão, no Grande Recife, fizeram ato para relembrar os três anos da tragédia que matou 48 pessoas soterradas e deixou a "comunidade doente", segundo a presidente do conselho de moradores
Publicado: 28/05/2025 às 16:36

Moradores de Jardim Monteverde fizeram ato para lembrar as 48 mortes (Nivaldo Fran/DP)
“Acorda, Jesus. Acorda”, grita, agarrado na grade de sua casa e soprando forte um apito, o sobrinho de sete anos de Dalva Damares, toda vez que a chuva castiga a comunidade de Jardim Monte Verde, no limite do Recife com Jaboatão dos Guararapes.
Aos 4 anos, a criança foi testemunha da tragédia que soterrou e matou 48 pessoas da comunidade, em 2022. “Ele perguntou porque Deus deixou morrer tanta gente”, conta Dalva, presidente do conselho de moradores.
Chocada pelo questionamento do sobrinho sobre o motivo de tantas mortes na chuva, ela disse que Jesus havia cochilado. “Depois disso, sempre que chove, ele vai para grade, fica gritando e apitando para ‘acordar’ Jesus”, relatou.
A líder comunitária esteve presente no ato realizado nesta quarta-feira (28), data que marca três anos da tragédia de Jardim Monte Verde, onde pessoas perderam suas vidas, soterradas pelos deslizamentos de barreiras.
“É um ato silencioso”, avisa Jaqueline Alves. “Porque 48 pessoas foram silenciadas para sempre pelos deslizamentos”, emenda a moradora da comunidade há 43 anos e que perdeu cinco pessoas da família na tragédia.
“No dia dos desabamentos, foi a gente que teve que desenterrar as pessoas. Imagina você ter que desenterrar um parente seu, puxar ele do…”, tentou descrever a cena, sem conseguir concluir a frase, em meio ao engasgo do choro. “Ficou faltando metade do meu coração”.
Jaqueline perdeu mais que cinco parentes, vários amigos e metade do coração na tragédia: perdeu a vontade de viver. “Não faz um mês que essa aí”, disse Dalva, apontando para Jaqueline. “Me ligou, dizendo que estava querendo se despedir de mim porque iria tirar a vida”, completou.
Dalva relata que o drama do dia 28 de maio de 2022 segue vivo em cada morador da comunidade, mexendo com a sanidade das pessoas que sobreviveram. “As pessoas aqui ficaram perturbadas. Elas se acabaram mentalmente. Nossa comunidade está doente”.
Lucicleide Maria da Silva, de 42 anos, sofre menos deste mal porque deixou o Jardim Monte Verde após os deslizamentos. Mas, nem por isso, as cenas deixam de se repetir em sua cabeça.
“Parece um filme de terror, de guerra. Só que era a realidade que a gente estava vendo”, destaca. Assim como as outras pessoas ouvidas pela reportagem do Diario, Lucicleide reclama do sentimento de desamparo por parte das autoridades.
Ela recebeu a parcela única de R$ 1.800,00 e o benefício de R$ 300,00 pelo auxílio-moradia que seria mensal, mas que perdeu quando conseguiu emprego com carteira assinada.
“A gente só quer um pouquinho de dignidade”, suplica Jaqueline, emendada por Dalva. “Que os nossos governantes olhem para nós com um pouco mais de carinho”.
Paralelamente ao ato em memória das 48 vidas perdidas na tragédia ocorrida três anos atrás, o governo do estado realizava uma vistoria no entorno da comunidade e a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes anunciava a liberação de verba para a construção de conjunto habitacional.
“Estou há 25 anos esperando pelo habitacional”, comentou Dalva. “Tem uma liderança aqui, Maria José, que estava esperando há 20 anos, quando houve o desabamento. Ela morreu e a filha ficou sem a casa”.
Vistoria do governo do estado
Uma vistoria na obra de contenção de barreiras na comunidade de Jardim Monte Verde foi realizada nesta quarta (28), pelo Governo de Pernambuco. O secretário-executivo de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), Francisco Sena, esteve presente na avaliação. Segundo ele, a motivação de vistoriar o andamento das obras contou com dois objetivos.
“Hoje faz três anos daquele evento, quando houve uma quantidade enorme de deslizamento de terra em Jardim Monte Verde, e o governo do Estado vem hoje com dois objetivos. Primeiro, vistoriar como é que está a obra e segundo, prestar conta à população, à imprensa do que é que a gente vem fazendo desde o ocorrido”, disse.
Mais de mil dias após o episódio, o Estado de Pernambuco estima finalizar as obras de contenção de barreiras em setembro deste ano. A obra, de acordo com Sena, está andando à frente do planejado.
“A gente finaliza em setembro toda parte de contenção de encostas. Estão todas as encostas protegidas até setembro. De setembro a dezembro a gente faz a urbanização, que é a pavimentação das ruas, a drenagem, a construção das praças, a gente vai ter um memorial em respeito às vítimas daquele desastre. A prioridade nossa é finalizar as encostas até setembro deste ano numa força tarefa. (A obra) Deveria estar, segundo o cronograma 45% de obra, já estamos mais de 60%”, declarou.
O secretário da Defesa Civil do Estado de Pernambuco, Coronel Ramalho, também esteve presente na vistoria desta quarta (28). Ele explicou como foi o trabalho entre o órgão e a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado (SEDUH).
As prioridades são as áreas de risco, principalmente as de risco quatro, e Jardim Monte Verde é uma área dessa. “Desde o início de 23 que a SEDUH, junto com a Defesa Civil, trabalham junto porque a SEDUH executa as ações de prevenção nas obras estruturadoras, e a Defesa Civil, além do mapeamento de área de risco utilizando a tecnologia adequada, que facilitou a elaboração de projetos” destacou.
Verba federal para habitacionais
O prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Mano Medeiros, anunciou a liberação de R$ 59 milhões para construção de 393 unidades habitacionais, para substituir as moradias destruídas ou as que estão permanentes interditadas. A prefeitura tem 190 dias para identificação do terreno, elaboração do projeto de execução e licitação.
Em Brasília, Mano Medeiros se reuniu com os ministros da Integração e Desenvolvimento Regional, Waldemar Goes; da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos; e da Pesca e Aquicultura, André de Paula.
Além da construção dos habitacionais, os recursos também serão destinados para obras de infraestrutura, como pavimentação, drenagem e tratamento de efluentes. A equipe da prefeitura já teria sido acionada para estudos de áreas na cidade para o projeto ser executado.
Em breve, o município fará um chamamento público para selecionar empresas da área de construção civil para a elaboração dos projetos. “Somos gratos ao Governo Federal por esta liberação da verba. Será muito importante para a reconstrução da cidade. Isso também é um reconhecimento do nosso trabalho. E vamos seguir nesse ritmo para garantir o melhor para o povo do Jaboatão dos Guararapes”, destacou Mano Medeiros.

