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Crianças com microcefalia receberão auxílio de R$ 60 mil do INSS

Germana Soares, fundadora da União de Mães de Anjos e vice-presidente da UniZika, diz que auxílio é insuficiente: "Quando esses R$ 60 mil acabar, essas crianças vão sobreviver com o quê?"

Nicolle Gomes

Publicado: 20/05/2025 às 15:16

Técnica de enfermagem Jennifer Catarine Oliveira da Silva e seu filho Kauan/Peu Ricardo/DP

Técnica de enfermagem Jennifer Catarine Oliveira da Silva e seu filho Kauan (Peu Ricardo/DP)

Todas as crianças com microcefalia decorrente do Zika Vírus na gestação receberão R$ 60 mil em auxílio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A determinação foi publicada nesta segunda (19), pelo Governo Federal, no Diário Oficial da União.

O apoio financeiro chega quase 10 anos depois da eclosão da epidemia de Zika Vírus em função da contaminação de gestantes, por meio do mosquito Aedes Aegypti, principal vetor da doença.

Conforme consta na Portaria Conjunta MPS/MS/INSS Nº 53, de 19 de maio de 2025, terão direito a receber o aporte financeiro as pessoas nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2024, com deficiência decorrente de síndrome congênita causada pela infecção da genitora pelo vírus Zika durante a gestação, em parcela única no valor de R$ 60 mil.

Do ponto de vista das famílias

Uma década depois do auge da epidemia, as mães e famílias de crianças com microcefalia continuam na luta por apoio para manter a dignidade da vida se seus filhos.

O Diario procurou Germana Soares, mãe de Guilherme, de 9 anos, que tem microcefalia. Germana é fundadora da União de Mães de Anjos, e vice-presidente da UniZika, organizações que se dedicam à luta por políticas públicas para as famílias e crianças afetadas pela Síndrome Congênita do Zika Vírus no Recife e no Brasil, respectivamente.

Germana contou como foi a luta durante esse período para conseguir dignamente apoio do Estado brasileiro. Ela explica que a Portaria Conjunta MPS/MS/INSS Nº 53, de 19 de maio de 2025, vem após a luta pela tramitação de uma lei de auxílio desde 2015, vetada pelo Presidente Lula em janeiro deste ano.

“Nós provamos por A mais B, os custos que essas crianças demandam. Tudo para pessoa com deficiência é muito caro e para criança é mais ainda”, adiantou. “Medicamento, terapia, transporte, fralda. São inúmeras coisas, fora cama hospitalar, aparelho para bombear a alimentação via GTT, que é aquela que come pelo aparelhinho no estômago, tráqueo, órtese, cadeira de rodas”.

Segundo Germanda, alguns destes itens são cedidos pelo SUS, mas com baixa qualidade. “São coisas que demoram muito. Quando chegam, nem servem para criança”, explicou.

Germana culpou o estado brasileiro por toda a situação, desde o início dos contágios e diagnósticos, até os dias atuais. “Por não ter controlado o vetor, que é o Aedes aegypti, por não ter abastecimento de água adequada e a gente precisar acumular em toneis, que ajuda a proliferar o mosquito, no recolhimento de lixo nas comunidades que a gente mora”, enumera.

“Isso era evitável. O estado brasileiro não preveniu que isso acontecesse e nem cuidou depois que aconteceu. Dez anos depois, a gente ainda vive no descaso, na invisibilidade, na indignidade”, desabafou a representante.

Para Germana, o valor ainda é insuficiente para arcar com os custos de cuidados dignos para uma criança com microcefalia.
“Isso não é uma reparação justa. Com R$ 60 mil, você não compra um barraco na pior favela daqui, que muitas vezes é num beco que não passa nem a cadeira de rodas, sabe? Então R$ 60 mil, você não compra nada”, expressou.

“Se você pegar esse dinheiro para reverter nos cuidados da criança, daqui a 3, 4, 5 meses acaba. E o resto? A gente continua na mísera realidade. Então, o que a gente quer na realidade é justiça, porque todo mundo sabe que isso foi culpa do estado brasileiro, e é injusto que nós, mães, cuidemos e arquemos sozinhas por esse erro. O mínimo que eles tinham que prover era qualidade de vida para os nossos filhos”, complementou.

“É o básico. A gente pede o básico, o mínimo. É uma terapia, uma cadeira de rodas, é uma alimentação adequada. A lata do suplemento que nossos filhos tomam é aproximadamente R$ 300,00”, explica.

Germana também explicou como o auxílio foi recebido pelas mães, já que o projeto aprovado não foi elaborado em conjunto com as famílias.

“A gente recebe isso com um pouco de indignidade. Como é que eles fazem um projeto de lei, um investimento para um público sem escutar o público? Em momento nenhum a gente foi convidado pelo executivo a ouvir as nossas necessidades, a entrar num acordo”, reclama.

“Quando esses R$ 60.000 acabar, essas crianças vão sobreviver com o quê? Vão continuar do jeito que estão, morrendo por falta de assistência, de qualidade de vida, por falta de estrutura básica”, argumentou.

“A gente conta com o apoio e o posicionamento da sociedade, pressionando o governo, porque isso é uma situação que pode acontecer com qualquer um. Ninguém tá livre de ser picado por um mosquito, ninguém tá livre de uma nova epidemia. Todo mundo está vulnerável a isso. Então, quando a gente cuida do outro, a gente tá cuidando da gente mesmo”, apelou.

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