"Gavetas mortuárias e campo de refugiados": relatório denuncia presídios de PE
Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura é resultado de dados extraídos em inspeções realizadas em abril de 2024 e denunciam uma série de violações de direitos humanos
Publicado: 20/05/2025 às 15:05

Presídios em PE (Divulgação/MNPCT)
O resultado do relatório elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, revelou uma série de problemas estruturais, além de violações de direitos humanos nas unidades prisionais de Pernambuco.
Os dados do relatório foram obtidos após visitas, em abril de 2024, à Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, à Colônia Penal Feminina de Buíque e o Presídio de Igarassu. Os resultados foram apresentados nesta segunda-feira (19), em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
De acordo com o relatório, foram identificados problemas estruturais como a construção de “gavetas mortuárias”, pavilhões estreitos, no formato de “estantes” que se assemelham a gavetas, além de falta de água, celas mofadas, sem ventilação adequadas, entre outros.
Também foi denunciado pelo (MNPCT) a presença da figura dos “chaveiros”, presidiários que assumiam a segurança nos corredores da unidade, com o consentimento de agentes do estado. Eles tinham o poder de realizar punições em outros presos.
A comercialização de celas e mercados paralelo também foram realidades vistas pelas inspeções realizadas nas unidades prisionais.
A violência dos agentes penais, com o uso de balas borrachas e spray de pimenta, também constam no relatório. Casos de violências sexuais, feitas pelos próprios presos, também são realidades nas unidades.
Presídio de Igarassu
De acordo com o relatório, foram constatadas no presídio, que é destinada à custódia de homens, diversas violações a direitos humanos, como falta de água potável, alimentação adequada e distribuição de kits de higiene, além de riscos à saúde de pessoas privadas de liberdade, que dormiam em lugares descobertos e inapropriados.
A unidade na época da inspeção tinha um índice de ocupação de 442% (5.424 pessoas para 1226 vagas). Segundo o MNPCT, na área externa do Pavilhão denominado “individual”, destinada ao banho de sol dos pavilhões, assemelhava-se a um “campo de refugiados".
Ainda de acordo com o relatório, no dia da inspeção, 41 pessoas privadas de liberdade foram removidas às pressas do Pavilhão I, conhecido como pavilhão “RDD e castigo”. Esse processo seria uma possível tentativa de dificultar a identificação e a denúncia das condições, como as ilegais imposições disciplinares a que as pessoas privadas eram submetidas.
Segundo algumas pessoas ouvidas pelo MNPCT, as punições que aconteciam dentro do presídio eram decretadas por representantes de pavilhão e pelos “chaveiros”.
Em fevereiro, a Polícia Federal realizou uma operação para desarticular um esquema de corrupção dentro do Presídio de Igarassu. O ex-secretário executivo de administração penal de Pernambuco, André de Araújo Albuquerque, chegou a ser filmado recebendo um maço de dinheiro do diretor da unidade.
Ainda segundo o relatório, as celas são reformadas e comercializadas em valores que variam de 5 mil a 100 mil reais. Dentro das celas, são alugados os “barracos”, cujo preço geralmente gira em torno de 500 reais por mês ou 150 reais por semana. Também foram encontrados mercados paralelos, dentro do presídio, que vendiam produtos com preços acima da média.
Foi constatado no Presídio de Igarassu uma grande vulnerabilidade das pessoas LGBTQI+. Elas seriam separadas em uma ala de condição precária, insalubre e sem autorização de convívio com os demais.
Segundo os relatos, são frequentes as práticas de tortura e atos de violência física, psicológica e sexual, além da falta de assistência à saúde, jurídica e material.
Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru
Inspecionada em 16 de abril de 2024, a Penitenciária Juiz Plácido de Souza, localizada dentro da cidade de Caruaru, Agreste do Estado, estava excedendo em 145% o índice de vagas disponibilizadas no presídio.
Diante dessa superlotação, foram feitas reformas e criados pavilhões estreitos, no formato de “estantes”, chamadas de "gavetas mortuárias”. Estruturas semelhantes às encontradas no Presídio de Igarassu.
Segundo o relatório, as divisões e os espaços da unidade são pequenos, mal iluminados, sem ventilação e com diversas estruturas desgastadas e mofadas. Também foram constatados, além dos “mercados internos” bem equipados, um forte odor de esgoto nas dependências da unidade.
Pessoas entrevistadas pelo MNPCT relataram estarem machucadas, sem vestuário e materiais de higiene, além de estarem passando fome e sede. As pessoas também denunciaram agressões sofridas por bala de borracha e gás de pimenta por parte dos policiais penais.
A realidade das punições dos chaveiros também acontece nesta unidade prisional.
Colônia Penal Feminina de Buíque
Na unidade prisional de Buíque, projetada, segundo o relatório, inicialmente para homens, mas adaptada precariamente para mulheres, apresentava uma lotação de 216% em relação à sua capacidade original.
Segundo relatos e dados apresentados no relatório, a unidade é empregada pela administração como castigo ilegal, por meio de transferências administrativas, sem ordem judicial prévia, devido à sua localização e às dificuldades de visitação para os familiares.
Durante a inspeção, segundo o relatório, foram identificadas sérias violações dos direitos das mulheres, desrespeito à proteção de gênero e às pessoas LGBTQI+.
As estruturas da colônia feminina de Buíque se assemelham com as outras unidades citadas na reportagem, com paredes externas e internas rachadas, mofadas e descascadas, além de diversos fios expostos. A iluminação e a ventilação também são insuficientes.
Durante a inspeção, foi identificado um grave problema no abastecimento interno de água da unidade, causado por rachaduras na caixa d'água, insuficiência na distribuição e falta de pressão na rede.
As entrevistadas do MNPCT relataram que a unidade fornece absorventes femininos em quantidade insuficiente e de baixa qualidade, que causa irritação e desconforto.
A equipe de inspeção também registrou diversos relatos de violência física e psicológica por parte dos policiais penais, especialmente dos homens que ocupam as coordenações de segurança.
Esses relatos incluem o uso indiscriminado de armas não letais, como spray de pimenta e balas de borracha, operações violentas com desnudamento, castigos individuais e coletivos, além de revistas vexatórias em mulheres e visitantes.
Castigos coletivos e regime disciplinar abusivo em celas de isolamento também foram incluídos no relatório.
A reportagem do Diario solicitou nota à Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP/PE) sobre o relatório apresentado.
Confira a nota na íntegra:
"A Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP/PE) informa que as recomendações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura são compatíveis com as medidas de melhoria que o Estado vem adotando em todo o sistema prisional.
Como parte do processo de reestruturação previsto no Plano Juntos pela Segurança, está a ampliação e requalificação do sistema penitenciário com o aumento em 7.787 novas vagas até 2026, dessas 1.854 já foram entregues pela gestão atual e 5.933 vagas estão em andamento. Destaca-se que muitas das obras retomadas pela atual gestão foram iniciadas há mais de dez anos.
Na política assistencial adotada em todo o sistema prisional, a SEAP destaca o aumento de 11 para 18 unidades fabris em funcionamento. A previsão é alcançar 22 unidades até 2025. Já na empregabilidade, a pasta aumentou de 31 para 60 o número de convênios firmados com empresas privadas e órgãos públicos.
A SEAP ressalta que toda a reestruturação da política prisional está alinhada ao Plano Pena Justa, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, que tem como objetivo o enfrentamento à violação de direitos das pessoas custodiadas em estabelecimentos penais."

