Perfis de redes sociais mostram a cidade por novos olhares
No ecossistema das redes sociais, a prestação de serviço, a crítica social satírica e a cobertura da violência sem filtro expõem o Recife por diferentes perspectivas
Publicado: 19/05/2025 às 07:03

Jamil Gomes do Torre Notícias/Rafael Vieira/DP
Como em todo ecossistema, o das redes sociais envolve complexidade, interconexão e influência mútua entre a vasta gama de elementos contidos nele. Ou seja, os perfis. Em algumas passadas de dedo na tela de um celular é possível classificá-los em variados grupos. Em um deles, reside o de pessoas que expõe o seu olhar particular sobre a cidade ou o estado.
É como se suas postagens representassem um tipo de cobertura do cotidiano do local onde moram, embora não façam parte de nenhum veículo de comunicação tradicional. Essa forma de observação e registro do dia a dia acontece por diversas perspectivas e propósitos.
Tem os que seguem a linha do que há décadas se chamava de ‘jornalismo de bairro’, voltado para a prestação de serviço, para e da comunidade. Ou os que fazem do humor inteligente e da sátira social meios de expressar sua cultura e a indignação com as mazelas do meio. E os que não pegam vias transversas. Metem o dedo na ferida e fazem questão de expor a verdade nua e crua do mundo em que vivemos.
Existem muitas outras formas, o ecossistema é vasto. Mas o Diario de Pernambuco identificou três classes de perfis que representam bem essa forma de peculiar de olhar a cidade, de influenciar os seus seguidores e por eles serem influenciados.
Jornalismo de bairro
“Pensei, rapaz, vou fazer uma paginazinha aqui para divulgar as coisas do bairro. O que tá precisando etc”. Esse foi o start para o Torre Notícias. O ano era 2016 e o seu criador, o jornalista Jamil Gomes trabalhava como assessor de imprensa do Santa Cruz.
Como um hobby, em uma página ainda do Facebook, o Torre Notícias deu os seus primeiros passos na prestação de serviços. Era um documento achado aqui, um semáforo quebrado ali. Jamil ainda passaria pelas assessorias de comunicação da Federação Pernambucana de Futebol e da Arena de Pernambuco até a pandemia da covid-19 parar o mundo.
“Aí eu passei a me dedicar mais, mesmo trabalhando. Visava prestar um serviço de jornalismo, mas com uma contrapartida. Uma coisa que eu pudesse retribuir de alguma maneira ao bairro onde moro”, contou, revelando o propósito do perfil.
“Comecei a entender que, digitalmente, eu precisava de uma série de publicações para poder ter engajamento e a conta crescer. Essa conta realmente cresceu a partir de então. Nunca comprei seguidores, nosso engajamento é totalmente orgânico”, orgulha-se.
Nos nove anos de cobertura do bairro, Jamil já filmou, fotografou e publicou dezenas de buracos em vias públicos, árvores caídas, semáforos quebrados, documentos perdidos, campanhas de vacinação. Já cobrou providências da Prefeitura do Recife, de diversas secretarias municipais, da CTTU. Algumas, no entanto, são mais marcantes.
“Uma das importantes para mim foi o incêndio no Botânico, ali na esquina da Real da Torre, com a José Bonifácio”, recorda Jamil. “A gente fez transmissão ao vivo. Passei quase duas horas ao vivo e teve mais de 50 mil visualizações nessas postagens”.
“Sem falar no acompanhamento das eleições. Dia de eleição eu percorro o bairro, as sessões que tem para fazer divulgação. Isso é uma coisa também marcante para mim”, completa.
O jornalista destaca que não basta apenas o registro de um problema. “Acho que o diferencial do perfil é a busca pela solução daquele problema. Seja de saneamento, de asfalto, de meio ambiente.”
Sentado na cela de sua bicicleta, Jamil bate os quatro cantos da Torre. Às vezes, vai além. Estica até a Madalena, Derby, Graças... E assim ele mostra o bairro, influencia os seus seguidos, mas, como em uma via de mão dupla, é influenciado pela rotina do seu perfil.
“O Torre Notícias me deu essa possibilidade de ver na rua, na calçada, na casa da pessoa, o problema que existe”, explica. “A minha visão mudou nesse sentido. A preocupação individual tem um papel importante para coletividade. E é isso que me satisfaz. Fazer do jornalismo uma ferramenta em prol do próximo. Principalmente, daquele que mora na Torre”, concluiu.
Humor e crítica social
Tudo começou com um canal do Youtube, em 2012: o Putzvéi. “Em 2018, eu já estava com a ideia de migrar para o Instagram. Só que eu não sabia o quê. Não queria continuar no mesmo projeto”, relembra o publicitário Gabriel Oliveira, diretor e co-fundador do Recife Ordinário, um perfil que virou referência no humor e crítica social em Pernambuco.
“Acabei tendo a ideia de trazer para cá uma página onde eu falasse e mostrasse um pouco do lado B da cidade, com o que a população consome mesmo no dia a dia”, contou. “Isso, obviamente, com humor, meme, que era o que estava em alta na época. Na primeira semana, a página já tinha mais de 50 mil seguidores”.
Era apenas o começo de um projeto, onde a sátira andava de mãos dadas com elementos da cultura e do orgulho do pernambucano. “A gente teve a ideia de trazer um pouco dos contos da cidade, histórias antigas, o resgate da história do Pernambuco, meu país”, relembra Gabriel.
A fórmula do Recife Ordinário deu tão certo que o perfil tem mais de 2 milhões de seguidores, mesmo com o foco das suas publicações restrito aos assuntos do estado. “Eu imaginava que ia dar certo porque foi muito rápido e isso criou um engajamento grande com o público local”, explicou.
“Só não imaginava que ia chegar numa proporção dessa, assim, com uma equipe muito grande, com vários artistas juntos dentro da página, produzindo e trabalhando”, reconheceu o publicitário, ciente de que havia um espaço local a ser ocupado nas redes sociais, um perfil que unisse humor inteligente com visão crítica da cidade.
“Procuramos colocar um pouco desse humor bem ácido, até libertário. De se desprender e valer a pena o risco da zueira. Vamos zoar, tirar onda. A gente sabe que o que mais incomoda as pessoas é quando a piada é levada a sério”, apontou.
A crítica social dos problemas cotidianos da cidade terminou gerando uma espécie de demanda dos seus seguidores que superou o espectro do projeto do Recife Ordinário. “Se criou uma certa pressão ou uma expectativa para que a gente poste e fale sobre todos os assuntos da cidade”, contou. “A gente faz um papel mais informal, não somos jornalistas”.
Gabriel releva que o Recife Ordinário não apenas mostra a cidade sob uma perspectiva diferente para as outras pessoas, mas também proporciona ao criador do perfil um novo olhar para o Recife.
“A gente vai ouvindo as histórias das pessoas, vai observando certos aspectos do lugar, vai mudando a forma como enxerga o Recife. E começa a curtir mais a nossa cidade”, concluiu.
Morte sem filtro
Sam Jack tem 35 anos e sempre foi consumidor de informações policiais. Sua preocupação com a segurança pública de Pernambuco fez com que ele criasse um perfil no Instagram sobre o tema. O nome não poderia ser mais direto: Boletim da morte.
E assim é o perfil, sem filtros, mostrando para quem quiser ver o lado mais duro e cruel da violência das cidades, em especial, na área dos subúrbios da Região Metropolitana do Recife e do interior de Pernambuco.
“Já teve dia que publicamos 15 homicídios em 24 horas”, exemplicou o influenciador digital, que prefere atender à reportagem do Diario de Pernambuco como Sam Jack. “Revelando a identidade em primeira mão para vocês”, brincou.
Mas o tom da entrevista passa longe de qualquer brincadeira. O Boletim da morte é o resultado de uma indignação. “A vida humana parece não ser prioridade. Não vemos investimento robusto por parte da gestão de Pernambuco na segurança pública, a não ser um tapa buraco, pois o efetivo policial é muito abaixo do que deveria existir”, justificou.
“Após o homicídio consumado, dificilmente publicamos a autoria presa pelo policiamento, o que mostra que não existe uma investigação policial eficiente. Isso causa uma sensação de que estamos sob o domínio dos grupos faccionados instalados em Pernambuco”.
O Boletim funciona a partir de uma rede que Sam Jack criou entre seguidores do perfil no Instagram e um grupo do Telegram. “Recebemos 100% das informações e imagens dos nossos colaboradores”, explicou.
“A página e o grupo têm uma boa relação com os seguidores e membros. O sigilo e a confiança mantêm essa relação”.
Próximo de completar dois anos no ar, o perfil tem entre 15 a 25 milhões de visualizações por mês e um alcance de quase 5 milhões de contas. As centenas de homicídios publicados pelo Boletim neste período não banalizaram a morte para o criador do perfil.
Pelo contrário. Perguntado sobre quais os que não saem da sua cabeça, responde de imediato. “O caso de Arthur, de 3 anos, no município de Tabira. O de Ingrid Vitória, de 13 anos, em Caraíbas, e de Helen Santos, de 3 anos e 11 meses, no Recife.
A vida de Sam Jack mudou após quase dois anos de publicações do Boletim da morte. “Antes eu tinha uma visão em relação à vida. Após a criação da página, mudou totalmente”, reconheceu.
“Hoje sou uma pessoa mais atenta ao sair de minha residência. Consegui perceber que vivemos em uma guerra civil”.

