Entre lutos e lutas, mães enfrentam sistemas pelo futuro dos filhos
O Diario de Pernambuco entrevistou mães que lutam pelas causas de seus filhos e que vivem em prol dos direitos deles
Publicado: 10/05/2025 às 16:25

Regina Guimaraes é presidente do Instituto Transviver/Crysli Viana/DP
No segundo domingo de maio, o país celebra o Dia das Mães com flores, almoços em família e homenagens. Mas, longe dos comerciais de TV e propagandas, há mães que transformaram a maternidade em trincheira. Mulheres que enfrentam o sistema em prol de uma causa, o preconceito e o silêncio em nome dos filhos. Mães que choraram, mas decidiram agir e não aceitam a dor como destino.
Há aquelas que perderam seus filhos para a violência e agora lideram movimentos por justiça. São mães que não se calam diante da impunidade, que desafiam instituições inteiras para responsabilizar o Estado por mortes evitáveis.
Entre elas está Mirtes Renata Santana de Souza, mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, que morreu ao cair do 9º andar de um prédio no Recife em 2020, enquanto estava sob a responsabilidade da patroa, Sarí Corte Real.
Após a perda do filho, a vida de Mirtes Renata mudou completamente, e ela conta que decidiu cursar Direito após ficar insatisfeita com o andamento do processo na Justiça. A ex-patroa foi condenada a oito anos e seis meses de prisão por deixar o menino Miguel sozinho no elevador e apertar o botão da cobertura.
Luta
Posteriormente, em novembro de 2023, a pena foi reduzida para sete anos, e o processo segue parado, aguardando um recurso pelo desembargador Cláudio Jean Nogueira Virgínio, presidente da 3ª Câmara Criminal da instituição.
“Eu entrei na militância justamente por conta do meu filho e eu comecei a militar por justiça, não só pelo meu filho, mas também por outras crianças também. A partir do momento que eu peço justiça por Miguel, eu peço justiça pelas nossas crianças negras que, infelizmente, partiram e não obtiveram justiça pela morte delas. Há um tratamento bem diferente dentro do judiciário com relação ao caso dessas crianças”, destaca Mirtes.
Ela ainda ressalta que precisa lidar com a perda e com todas as questões que envolvem a busca por justiça, como a “morosidade” do judiciário. “Toda vez que há uma movimentação, há aquela ansiedade, uma esperança de que o caso está resolvido. Mas sempre tem alguma coisa que vai atrapalhando o andamento e isso dá uma angústia, dá uma ansiedade e remete às lembranças do que aconteceu. Isso machuca, sabe? E machuca muito”, relata.
Hoje, Mirtes tenta fazer com que o Dia das Mães seja apenas uma data como outra qualquer, a fim de não inflamar a ferida que carrega. “Ver as mães com seus filhos passeando, indo almoçar, ganhando presente e eu não tendo meu filho junto comigo me machuca. Então eu tento tirar um pouco isso da minha cabeça focando em outras coisas. Porque a data para mim é muito pesada”, pontua.
Assim como Mirtes, outras mulheres precisaram se tornar pesquisadoras de processos, especialistas em direitos humanos, mediadoras de conflitos e porta-vozes de centenas de outras mães invisibilizadas.
"Filhos de coração"
Em outra frente estão as mães de filhos LGBTQIAP+, que enfrentam não só a sociedade, mas muitas vezes a própria família. Em muitos casos, precisaram escolher entre manter vínculos familiares ou proteger os filhos de discursos violentos. Descobriram que o amor precisa ser afirmativo e, sim, político.
A presidente do Instituto Transviver, no bairro da Boa Vista, no Recife, Regina Guimarães, é uma aliada da causa e hoje conta com cerca de 500 “filhos de coração”. Ela relata que, depois que o filho, o ator e bailarino pernambucano Juan Guimarães, decidiu assumir a sexualidade, passou a conhecer melhor a comunidade LGBTQIAP e descobriu uma realidade distante da dela, em que muitos jovens eram expulsos de casa por não seguirem padrões de gênero e obrigados a trabalhar com cerca de 15 anos.
“Quando eu vim ver essa parte da comunidade eu percebi que ela forma praticamente 80% da população LGBT. Então eu vi a necessidade de fazer alguma coisa para essas pessoas e dar dignidade, conhecimento e empregabilidade. Falando com meu filho eu decidi fazer o instituto e comecei acolhendo pessoas trans, formando um time de futsal. Nós fomos o primeiro time de futsal do Norte e Nordeste de homens trans”, conta.
Regina relata que, ao aderir ao movimento, enfrentou julgamentos preconceituosos. “Quando eu tinha um escritório aqui no Recife e estava participando da minha primeira parada LGBT, uma sócia me disse que estava ‘chocada’ porque eu estava me ‘metendo com aquele povo’. E eu disse que ela estava falando do meu filho e ela ainda me disse que o Juan era lindo e instruindo, querendo dizer que as outras pessoas da comunidade nem eram assim”, relembra.
Atualmente, Regina comanda o Instituto Transviver com cerca de 500 membros LGBTQIAP , mantendo um time de futsal de homens trans no Recife, Caruaru e Salvador; curso preparatório para supletivo; aulas de inglês; além de atender demandas espontâneas como encaminhamento para serviços de saúde, em parceria com coordenadorias de Saúde LGBT municipais e estaduais, retificação de Registro de Nascimento com a Defensoria Pública, e outros apoios psicossociais.
Há também as mães de filhos neurodivergentes. Mulheres que enfrentam diagnósticos tardios, burocracias médicas, exclusão escolar e julgamentos constantes. Tornam-se especialistas por necessidade e precisam ser mediadoras entre os filhos e um mundo que não foi pensado para eles. Vivem uma rotina intensa, muitas vezes solitária, e ainda assim conseguem pressionar por políticas públicas mais humanas.
Carinho
A atriz Bruna Rios, de 37 anos, é mãe solo de um jovem adulto neurodivergente, Igor Rios, de 18 anos. Ela conta que o filho apresentou um desenvolvimento típico até completar 1 ano e 6 meses, mas que o laudo confirmou o autismo apenas aos 4 anos. A partir do diagnóstico, as dificuldades ficaram mais evidentes.
“A gente tem negativa em escolas, dificuldade para conseguir médicos para atender, porque precisa que seja um profissional muito humanizado. A família precisa fazer toda adaptação para que aquela criança consiga fazer um exame. Passamos por situações constrangedoras com pessoas nas ruas, ônibus e supermercados. Em um dos casos, um motorista de ônibus xingou meu filho”, relembra Bruna.
Recentemente, Igor passou por uma crise e precisou ser internado. Com isso, Bruna passará o Dia das Mães no hospital com ele. “Eu tenho um filho e não posso deixá-lo desassistido porque eu tenho outras lutas a travar pelos direitos dele. Meu filho é super amoroso, super carinhoso e, apesar da crise, ele está aqui comigo”, ressalta.
Assim como Bruna, a administradora Cynthia Sisnando precisou deixar o trabalho convencional e começou a vender biscoitos para ajudar na renda de casa. Ela é mãe de dois meninos gêmeos: Gabriel Sisnando, diagnosticado com TDAH desatento e ansiedade, e Mateus Sisnando, que tem autismo e TDAH.
“Teve um momento que eu pensei: ‘Eu preciso fazer alguma coisa para poder ajudar em casa, mesmo com a demanda muito grande dos meus filhos’. Em um dia que eu estava no Instagram apareceu uma professora danando curso e eu achei interessante. Minha rotina é intensa, pois os meninos vão cedo para a escola e de manhã eu tenho uma horinha para estudar. À tarde eu faço as atividades e atendo às demandas dos meus filhos e à noite começo a fazer biscoitos. Vou dormir às 1h30 e acordo às 5h”, conta Cynthia.
A rotina cansativa, no fim, vem com uma recompensa: o abraço carinhoso dos filhos e a sensação de dever cumprido, destaca a administradora.
Assim como as mulheres citadas nesta matéria, muitas foram empurradas para o combate ao preconceito estrutural e à luta por uma vida mais digna para os filhos. São mães que, em vez de esperar que algo mude, decidiram ser a mudança.