São João

Entre balões e fogueiras, quadrilhas juninas mudam vidas de pernambucanos

Quadrilheiros com diferentes histórias, mas com os mesmos propósitos, têm a realidade moldada pelas quadrilhas

Publicado em: 24/06/2024 06:10 | Atualizado em: 24/06/2024 06:09

Os ensaios destas quadrilhas juninas são, na maioria das vezes, para participar do Concurso de Quadrilhas Juninas Adultas, promovido no Recife (Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR)
Os ensaios destas quadrilhas juninas são, na maioria das vezes, para participar do Concurso de Quadrilhas Juninas Adultas, promovido no Recife (Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR)
Quando a noite cai, os vestidos rodados, chapéus de palha, coreografias, músicas e cores começam a tomar conta das ruas de diversas cidades pernambucanas durante o São João. É sinal de que as quadrilhas juninas já estão preparadas para mostrar o trabalho de meses ao público e encantar as noites de junho com seus passos bem marcados e roupas caprichadas.

Para o público, estas apresentações podem durar apenas algumas noites, mas para os quadrilheiros, elas duram meses e permanecem na mente por muitos dias. O empenho em cada detalhe exige muito esforço, poucas horas de sono, viagens e renúncias. Mas os envolvidos nestes projetos têm um bom motivo para se comprometerem tanto: a quadrilha tem o poder de mudar vidas.

Quando o período junino se aproxima, é sinal de que haverá muitos vestidos, calças e camisas para a costureira e modelista Francisca Soares, de 59 anos, moradora da Cidade Tabajara, em Olinda. Segundo a profissional, os lucros aumentam em até 70% por conta das quadrilhas e a geração de empregos também cresce no ramo da costura.
 (Foto: Cortesia)
Foto: Cortesia

“Este ano trabalhei com duas quadrilhas juninas grandes, a Raio de Sol e a Luar do São João. Eu monto várias equipes de costureiras, sendo uma no meu ateliê e outras nas casas das costureiras, porque a demanda é muito grande. Trabalhamos de domingo a domingo e, este ano, fizemos 230 roupas para estas quadrilhas. Com isso, o lucro aumenta entre 50% e 70%. As quadrilhas aumentam a demanda e, com isso, eu consigo dar emprego às diaristas e costureiras, principalmente aquelas que são mais velhas. Neste ano, a Raio de Sol ganhou, e é uma satisfação muito grande para mim, uma vitória”, conta a costureira e modelista.

As quadrilhas juninas também têm o poder de mudar a vida pessoal de seus integrantes. Uma vaga nesses grupos exige muita dedicação, compromisso, seriedade e brilho no olhar. E era esse brilho que faltava em Lidiane Magalhães, de 30 anos, antes de fazer parte da Origem Nordestina, do Morro da Conceição, Zona Norte da capital. Hoje, há 20 anos na quadrilha, ela relata que enfrentou a depressão com a ajuda do grupo e mostra ser eternamente grata por isso.

“Eu sou mãe solo e estava passando por um momento muito difícil, pois perdi meu emprego no período da pandemia, mas encontrei forças na quadrilha, onde eu ia para aliviar toda dor que estava sentindo. Se não fosse ela, eu não estaria aqui hoje. Com os participantes da quadrilha, eu tive uma rede de apoio que eu não tinha em casa. Quando eu estava passando por este processo, recebi muito acolhimento, e eles sempre fizeram questão que eu participasse, mandando alguém me buscar quando eu não tinha condições financeiras de ir e sempre querendo saber se eu estava bem”, conta a quadrilheira.

Para Lidiane, a quadrilha significa muito mais que um hobby. “Eu costumo dizer que não somos uma quadrilha, somos a família Origem Nordestina. Somos uma família de cerca de 90 pessoas. Ano passado, tive a oportunidade de ser destaque na quadrilha e isso revigora e dá mais força. A quadrilha nos dá oportunidade de crescer e ver que somos úteis em algo. Ela tem um poder muito grande na comunidade, pois tira jovens do uso de drogas e também exige que os participantes menores estejam matriculados em alguma escola para incentivar o estudo”, completa.

A inclusão também é uma das marcas das quadrilhas juninas de Pernambuco, que possuem entre seus quadrilheiros pessoas com deficiência (PCD), enriquecendo as apresentações e trazendo novas perspectivas e formas de expressão. Matheus Pimentel, de 28 anos, é cadeirante e faz parte da Raio de Sol, a grande campeã do 38° Concurso de Quadrilhas Juninas Adultas 2024.
 (Foto: Francisco Silva/DP)
Foto: Francisco Silva/DP

Com o tema "A Engrenagem que nos move", a quadrilha que ficou em 1° lugar se inspirou nas mesas de bonecos de Mestre Saúba de Carpina e encantou o público que lotou as arquibancadas do Pavilhão do Sítio Trindade na terça-feira (18).
 
“Ver essa vitória trouxe uma grande felicidade porque a gente batalha o ano inteiro para as apresentações. Ganhar esse concurso é uma validação de um projeto pensado para as pessoas com deficiência. Somente a partir da última década que essas pessoas passaram a ter mais contato com as quadrilhas juninas. Eu sou o primeiro usuário de cadeira de rodas do Brasil a compor o quadrado da quadrilha. A inclusão e adaptação dos passos são feitas desde os ensaios, porque a coreógrafa Leila Nascimento sempre pede meu feedback sobre a coreografia e sua dificuldade”, conta Matheus.

Para ele, as quadrilhas juninas são grupos inclusivos naturalmente e funcionam com a participação de diversos grupos da sociedade. “A quadrilha junina viu dentro da periferia uma contribuição de vários corpos e a pessoa com deficiência é só mais um corpo incluído neste movimento que abraça diferentes tipos de corpos. Eu já conversava que este era um lugar que respeitava a diversidade e que precisava de mais inclusão de PCDs porque ela proporciona a visibilidade social de forma nacional. Estou na Raio de Sol desde 2022 e pretendo continuar até quando meu corpo aguentar”, destaca.

As quadrilhas também são o significado da vida de muitas pessoas, que dedicam boa parte do seu tempo para decorar cada passo, produzir as roupas e ajudar a comunidade. Estes grupos de dança têm o poder de reunir pessoas de diferentes lugares, mas com o mesmo propósito.
 (Foto: Cortesia)
Foto: Cortesia

A quadrilheira Aline Xavier, de 29 anos, está há dez anos na quadrilha Junina Zé Matuto, de São Lourenço da Mata. Ela mora no município de Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste, e viaja para realizar os ensaios.

“Eu danço a quadrilha há 15 anos. A dança é fundamental na minha vida, faz parte do meu corpo, e me faltam palavras para explicar essa relação que tenho. Tenho um problema de saúde na coluna e achei que isso poderia me atrapalhar nos ensaios, mas minha fisioterapeuta confirmou que a dança ajuda a minha saúde a estar em dia. Graças aos movimentos que faço na quadrilha, eu sou saudável”, relata.

Foi no dia de São João, 24 de junho, que o filho de Aline nasceu, trazendo um significado ainda maior a esta data para a quadrilheira, que decidiu homenagear o pequeno com o nome de Luiz, em alusão ao Rei do Baião, Luiz Gonzaga.

“Meu filho ter nascido no dia de São João foi um presente muito grande, um presente de Deus. Vejo como uma resposta para que eu continue nessa vida de quadrilheira. Eu não poderia ter recebido um presente melhor e ele é meu bem mais precioso. Sou fã de Luiz Gonzaga e por isso coloquei este nome”, conta Aline, enquanto brinca com o pequeno Luiz, que completa 5 anos nesta segunda-feira.
 (Foto: Francisco Silva/DP)
Foto: Francisco Silva/DP

Os ensaios destas quadrilhas juninas são, na maioria das vezes, para participar do Concurso de Quadrilhas Juninas Adultas, promovido no Recife. Durante o concurso, cada quadrilha participante encantou o público com espetáculos repletos de cores, alegria e muita tradição. Neste ano, cada uma das 12 quadrilhas finalistas receberam um prêmio de R$ 4,2 mil pela classificação.
 
As cinco vencedoras receberam ainda um total de R$ 60 mil em prêmios, assim distribuídos: R$ 19,5 mil para a campeã; R$ 13,5 mil para a vice-campeã; R$ 10,5 mil para a terceira colocada; R$ 9 mil para a quarta; e R$ 7,5 mil para a quinta. 
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