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Em 24 horas, Boris Johnson enfrenta a renúncia de 44 ministros e assessores

Publicado em: 07/07/2022 08:27

 (Foto: Justin Tallis/AFP)
Foto: Justin Tallis/AFP
Há 1.079 dias no poder, Boris Johnson enfrenta a pior fase de seu governo: uma revolta sem precedentes dos aliados, em meio a uma crise moral, ética e política. Até o fechamento desta edição, 15 ministros e 29 assessores tinham renunciado desde terça-feira. Uma delegação de ministros experientes, como Priti Patel (Interior) e Grant Shapps (Transporte), se reuniu com o premiê e tentou convencê-lo a abandonar o cargo. Johnson manteve-se irredutível e prometeu continuar no comando do Reino Unido. De acordo com fontes de Downing Street, sede do governo, o líder conservador afirmou que se concentrará "nos assuntos de grande importância que o país enfrenta". Em 6 de junho passado, ele havia sobrevivido a um voto de confiança do Parlamento.

No fim da noite de ontem, Johnson sofreu três novos golpes. Michael Gove, ministro da Habitação e um de seus principais conselheiros, foi destituído do posto depois de pedir a saída do premiê. A procuradora-geral, Suella Braverman, admitiu que "chegou a hora de o primeiro-ministro partir". O ministro da Saúde, Ed Argar, abandonou o cargo. Foi o 15º ministro a se demitir — o maior número em 90 anos. O líder da oposição trabalhista, Keir Starmer, acusou o premiê de apresentar um "espetáculo patético no último ato de sua carreira política". 

O novo inferno astral de Johnson começou na noite de terça-feira, quando os ministros Sajid Javid (Saúde) e Rishi Sunak (Finanças) se demitiram. A gota d'água foi a nomeação do conservador Chris Pincher para um cargo parlamentar importante. Pincher renunciou, na semana passada, depois de confessar que apalpou dois homens, entre eles um deputado, em um clube privado do centro de Londres. Downing Street informou que Johnson tomou conhecimento de acusações anteriores contra Pincher em 2019, mas que tinha se "esquecido" delas. 

Especialistas consultados pelo Correio praticamente deram por encerrado o governo de Johnson. "As possibilidades de ele permanecer no poder são perto de zero. Está claro que quase todos os integrantes de sua bancada parlamentar decidiram que é o momento de Johnson renunciar. Creio que sua partida seja mais uma questão de horas ou dias do que de semanas", afirmou Andrew Blick, diretor do Departamento de Economia Política do King's College London. "A questão é que o Partido Conservador se opõe, de forma esmagadora, à sua continuidade como primeiro-ministro; as renúncias ministeriais são uma manifestação dessa tendência."

"Boris Johnson está acabado. Talvez sua saída ocorra hoje, talvez em poucos dias ou semanas", aposta Anthony Glees, professor emérito da Universidade de Buckingham. O estudioso explicou que Johnson perdeu a confiança do seu partido e do país. "As 44 renúncias no governo indicam que ele está condenado. Quanto mais esperar, mais reforçará a visão de que suas mentiras foram um sintoma do fato de que ele perdeu contato com a realidade." 

De acordo com Glees, o primeiro-ministro carece de autoridade e não pode tomar decisões. "Sua longa litania de mentiras significa que ninguém mais crê em uma palavra do que ele diz. Não há meios de Johnson recuperar isso", admitiu. "Os próximos dias revelarão quem poderá assumir o poder."

Nick Turnbull — professor de política da Universidade de  Manchester — afirmou que a renúncia em massa das últimas horas é algo raramente visto na política britânica. "Ela indica que grande parte da bancada parlamentar não apenas perdeu a confiança no primeiro-ministro. Muitos parlamentares não querem estar associados a um governo conduzido por Johnson. A demissão de Gove é uma punição direta por deslealdade. O premiê está atacando e fazendo o que pode para manter a autoridade."

Os motivos da revolta conservadora
 
Dois anos e meio após sua esmagadora vitória eleitoral, Boris Johnson sofre uma sangria de apoios em suas próprias fileiras conservadoras. Entenda as razões
 
 (Foto: The Guadian/Reprodução)
Foto: The Guadian/Reprodução
 

"Partygate"
 
Durante o lockdown imposto pelo próprio Boris Johnson, ocorreram festas de Natal, despedidas, aniversários e celebrações no jardim de Downing Street — sede do governo e residência oficial do premiê. O escândalo foi batizado como "Partygate". A Scotland Yard (Polícia Metropolitana) investigou e emitiu 126 multas, entre elas a Johnson, o primeiro líder em exercício sancionado por infringir a lei. Johnson disse assumir "toda a responsabilidade", mas se negou a renunciar e sua legitimidade foi afetada.

Conflito de interesse
 
As lucrativas atividades de lobby de alguns deputados conservadores provocaram indignação. O deputado Owen Paterson foi acusado de fazer lobby junto ao governo em nome de duas empresas que o pagaram. Johnson tentou mudar as regras para evitar que ele fosse suspenso do Parlamento e recebeu uma avalanche de críticas que o forçaram a recuar.

Luxuosas obras em seu apartamento 
 
O primeiro-ministro afirmou que pagou de seu bolso a luxuosa reforma do apartamento oficial em que mora com a família em Downing Street. No entanto, recebeu uma doação, que posteriormente teve que devolver, de um rico simpatizante do Partido Conservador, que foi multado pela comissão eleitoral por não declará-la.

Gestão da pandemia 
 
No início da pandemia, Johnson foi duramente criticado por sua gestão equivocada, acusado de não agir rápido o suficiente e não proteger os profissionais da saúde e os pacientes de lares de idosos. Grande parte de seus próprios deputados conservadores se rebelou, votando contra a introdução de um passaporte sanitário para acessar grandes eventos, que acabou sendo aprovado graças aos votos da oposição trabalhista. No entanto, Johnson conseguiu contornar as críticas sobre sua gestão da covid-19 apoiando-se em uma campanha de vacinação bem-sucedida.

Crise pelo custo de vida 
 
A inflação descontrolada, que atingiu um recorde de 40 anos no Reino Unido, chegando a 9% anual em maio, afetou a popularidade do governo, acusado de não fazer o suficiente para ajudar as famílias que lutam para sobreviver no fim do mês. Nadhim Zahawi, que herdou o ministério das Finanças após a renúncia de Rishi Sunak, terá a difícil tarefa de lidar com esta crise do custo de vida.

O escândalo Pincher 
 
 (Foto: AFP/ Isabel Infantes)
Foto: AFP/ Isabel Infantes
 
 
Johnson admitiu que cometeu um "erro" ao nomear, em fevereiro, Chris Pincher como vice-líder do grupo parlamentar conservador, encarregado da disciplina de seus deputados. Pincher renunciou, na semana passada, após ser acusado de abusar sexualmente de dois homens. Downing Street reconheceu, na terça-feira, que o primeiro-ministro havia sido informado de alegações anteriores contra Pincher em 2019, dizendo que se "esqueceu" delas.

Pontos de vista 
Por Andrew Blick
 
 

Única esperança
 
"Se o premiê Boris Johnson pedisse à rainha Elizabeth II a convocação de eleições gerais anteciadas, isso seria amplamente interpretado como abuso constitucional. Causaria danos eleitorais ao Partido Conservador e, quase certamente, colocaria fim à carreira de Johnson, além de danificar ainda mais sua reputação. Como ele não convocará eleições, parece que sua única esperança é a de que o partido, por algum motivo, não o remova antes do recesso de verão e que algo aconteça que o tire das atuais dificuldades."

Diretor do Departamento de Economia Política do King's College London.
Por Anthony Glees
 
Risco de aniquilação
 
"Se o Partido Conservador não se livrar rapidamente de Boris Johnson, enfrentará o próprio aniquilamento a partir de suas estruturas internas. Em sua maioria, os cidadãos britânicos são decentes e não se deixarão serem enganados. O primeiro-ministro poderá tentar envolver a rainha Elizabeth II e, na teoria, dissolver o Parlamento, a fim de convocar eleições gerais antecipadas. Mas, não acho que isso acontecerá, pois ele não tem mais maioria parlamentar. Não descarto um racha dentro do Partido Conservador."

Professor emérito da Universidade de Buckingham (Reino Unido)
Por Nick Turnbull
 
Sem sobrevivência  
 
"Não há chance de Johnson sobreviver como primeiro-ministro. Ele pode se agarrar ao pretexto de que o Comitê de 1922 (do Parlamento) não iniciou uma moção de confiança e que não pode fazê-lo até junho de 2023. No entanto, os parlamentares podem mudar as regras, e manobras estão a caminho para obter os votos nesse sentido. O apoio de Johnson dentro do partido acabou. Sua coalizão eleitoral ruiu nas eleições, com assentos perdidos à esquerda para os trabalhistas e à direita para os liberais democratas."

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