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CRÍTICA

Benedetta explora o absurdo e o teatro como armas de libertação

Publicado em: 19/01/2022 20:10

Novo longa de Paul Verhoeven está em exibição nos cinemas da Fundação Joaquim Nabuco (DIVULGAÇÃO)
Novo longa de Paul Verhoeven está em exibição nos cinemas da Fundação Joaquim Nabuco (DIVULGAÇÃO)
O novo longa do veterano e visceral Paul Verhoeven chegou aos cinemas do Recife nesta semana. Selecionada na última competição oficial do Festival de Cannes, Benedetta repercutiu em uma histeria moralista por fazer de um convento palco de um drama psicológico, litigioso e erótico. Contudo, seu novo longa parece dar continuidade a ideias que o plural cinema do cineasta holandês vem experimentando por mais de cinco décadas, lidando com diferentes dimensões dramáticas de aspectos como o espetáculo, a violência e o corpo humano. 

Mais uma vez, estamos falando de um filme seu que busca no absurdo e no choque questões profundamente cotidianas e humanas, em especial a repressão de corpos e táticas de libertação que passam pela performance e pela teatralização de comportamentos e atitudes. Mas Verhoeven o faz criando um universo tão particular para desenvolver narrativamente essas questões que essas ideias nunca chegam ao público decantadas, mas misturadas e até confusas, em um espetáculo cinematográfico ao gosto do diretor.

Benedetta é uma jovem criada em um convento desde sua infância, dada para servir a Deus pelo pai por conta de seu parto complicado, visto quase como um milagre. Devota fiel, mas rodeada por mistérios que acontecem ao seu redor, ele vê sua rotina mudar com a chegada de Bartolomea, uma jovem abusada pelo pai que se torna uma noviça em seu convento. A relação entre as duas progredi entre uma descoberta erótica de si mesma por parte de Benedetta, ao mesmo tempo em que é tomada por visões estranhas envolvendo o próprio Jesus Cristo e por eventos misteriosos que acabam por abalar a estrutura de poder da instituição. 
 
 
 
A partir daí, Verhoeven embarca em uma espiral de estranheza, violência e absurdo que conversa diretamente todo o jogo dramático de quebras de paradigma em relação a descoberta e representação do corpo feminino e todo seu arsenal de repressões. A válvula de escape para essas estruturas acaba sendo justamente a encenação, o teatro, a performance, impulsionada pelo caráter misterioso da fé que Bendetta utiliza enquanto uma ferramenta de libertação de si mesma e até de justiça social. Mas sua narrativa propõe um jogo tão dinâmico que essas ações nunca operam sob a atitude de manipulação, por mais que Verhoeven encene a partir da exposição do artifical na construção de um espetáculo.

Então as conexões entre fé, ritual, teatro e performance vão se misturando uma na outra e se confundindo entre si, dando um tom muito singular ao filme, não colocando um como mais autêntico que o outro. Os espaços comportam ao mesmo tempo um olhar mais realista, com uma decupagem de planos longos e uma câmera não muito fixa, mas também abrigam o exagero plástico, o olhar muito frontal e até espetacularizado sobre a violência e carregados por uma dimensão teatral e plástica exagerada, funcionando quase que como uma antítese de um filme como a A Paixão de Joana D’arc, obra seminal de Carl Theodor Dreyer, que de certa forma, pelo contraste e pela aproximação temática, conversa com Benedetta.

É um território fílmico no qual Verhoeven já é acostumado, ao historicamente lidar muito inventivamente com essas questões ligadas à violência, espetacularização, corpos reprimidos e absurdo, elementos presentes em filmes seus tão distintos como RoboCop e Elle. Agora, por mais uma vez, ele retorna a realizar um trabalho que por mais que seja permeado por uma recepção polemista, abriga poderosas ideias que vêm sob a forma de um poderoso e inventivo uso do cinema enquanto espetáculo. 

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