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Cidade Sustentável

Futura Lei de Uso e Ocupação do Solo propõe uma interface urbana mais verde

Publicado em: 28/01/2020 14:03 | Atualizado em: 28/01/2020 16:48

Edifício Villa Mariana foi projetado em 1976 pelo arquiteto Wandenkolk Tinoco (Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP.)
Edifício Villa Mariana foi projetado em 1976 pelo arquiteto Wandenkolk Tinoco (Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP.)
Quando o arquiteto Wandenkolk Tinoco projetou varandas com jardins nos andares da fachada do Edifício Villa Mariana, no bairro do Parnamirim, Zona Norte do Recife, em 1976, não imaginava que estaria se antecipando a uma legislação que pretende apostar em soluções verdes nas edificações para uma cidade mais sustentável.  O novo texto da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que será encaminhado à Câmara de Vereadores neste semestre, após votação do Plano Diretor de 2020, irá substituir a atual Lei 16.176 de 1996. A futura lei trará como um dos principais elementos a qualificação ambiental por meio da Taxa de Contribuição Ambiental (TAC), que consiste em um conjunto de parâmetros de ocupação dos lotes que permitirá, na prática, ganhos ambientais em relação  à melhoria da drenagem urbana, redução das ilhas de calor, ampliação da biodiversidade e qualificação da paisagem urbana.

O texto que foi trabalhado pela equipe técnica do Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira (ICPS) propõe uma tabela de equivalência para compensação ambiental, que inclui além do solo natural, que já existia, piso permeável, telhado verde, jardineira e fachada verde. Cada item com um peso de equivalência para atender às exigências da legislação no quesito ambiental. Na lei atual essa exigência se restringe ao percentual de solo natural. A  proposta também leva em conta a preservação de árvores existentes no terreno ou o plantio de árvores de grande ou médio porte. 

“Alguns desses instrumentos já existiam, a exemplo do telhado verde, mas não havia uma conexão nas leis. A proposta é unificar e oferecer mais flexibilidade para o empreendedor e trazer uma perspectiva de uma nova interface urbana com melhores condições ambientais”, ressaltou o presidente do ICPS, João Domingos.

A mudança poderá ser feita na ponta do lápis na hora da elaboração do projeto. O solo natural continua a ter uma importância grande e é o único das futuras ferramentas que terá equivalência de um para um. Ou seja, um metro quadrado de solo natural corresponde a um metro quadrado de Taxa de Contribuição Ambiental (TCA). 

Já o piso permeável, a proporção é de dois metros quadrados para um metro quadrado de TCA. A mesma proporção é para o telhado verde. “Um mesmo projeto poderá oferecer várias opções de equivalência de Taxa de Contribuição Ambiental e não apenas a de solo natural, como é hoje e isso representa ganho de espaço para o empreendedor”, detalhou João Domingos. 

ENTREVISTA

De mãos dadas com a natureza
O arquiteto Wandenkolk Tinoco foi pioneiro na valorização do verde nas moradias.  (Foto: Léo Malafaia/Esp. DP.Arquivo)
O arquiteto Wandenkolk Tinoco foi pioneiro na valorização do verde nas moradias. (Foto: Léo Malafaia/Esp. DP.Arquivo)
O arquiteto pernambucano Wandenkolk Tinoco, 84 anos, sempre escolheu viver em contato com a natureza. Ele mora no bairro da Várzea, um dos mais arborizados do Recife. A casa dele é um retrato da convivência com a natureza. Mas além de sua própria residência ele também traduziu para os seus projetos arquitetônicos há mais de 40 anos, a importância do verde na qualidade de vida das moradias. 

O Senhor é um dos nomes mais importantes da arquitetura pernambucana e há mais de quatro décadas o senhor já fazia o que poderá vir a ser lei. O senhor se considera uma pessoa a frente do seu tempo? 

Não. Eu apenas acho que, que o homem e a natureza sempre estiveram juntos em uma parceria saudável e cabe a nós, arquitetos, parte da responsabilidade de mantê-los unidos e procurei fazer a minha parte.
 
Pois é, mas naquela época não havia uma preocupação com a questão ambiental como há hoje? Porque o senhor já se preocupava com a questão do verde? 

A preocupação sempre houve e o advento da moradia/apartamento estava afastando as pessoas dessa parceria. É verdade que aquela inovação traria algumas vantagens urbanísticas, concentrando em circuitos mais curtos, as redes de infraestrutura nas cidades, seus parques e jardins. Acontecia, contudo, que a morada alta, nos afastava dos hábitos nordestinos de conviver com o rés do chão ao nível de suas casas, com jardins e quintais. E isto me preocupava.

Essa preocupação não parece existir hoje a ponto de se propor uma lei que obrigue mais verde nas edificações. Que conselho que o senhor daria aos novos arquitetos?
 
Para respeitar e incentivar a natureza, lhe cedendo sempre, maior espaço
Em um ambiente tão verticalizado, ainda é possível ter uma cidade mais sustentável?
Claro que sim. Precisamos somente de uma conscientização conjunta dos usuários, empresários e governo, corrigindo as imperfeições do plano diretor vigente. 
 
Árvores de grande porte ganham protagonismo
 
Árvores de grande porte ajudam no sombreamento e na drenagem com a retenção da água da chuva (Foto:Tarciso Augusto/Esp.DP.)
Árvores de grande porte ajudam no sombreamento e na drenagem com a retenção da água da chuva (Foto:Tarciso Augusto/Esp.DP.)
O formato da futura Lei de Uso e Ocupação do Solo, que está sendo revista após 24 anos oferece um papel de destaque para as árvores de grande porte dentro dos lotes e mais ainda se ela estiver localizada na parte frontal, uma vez que também poderá oferecer sombra nas calçadas. Na atual lei, a preservação das árvores no terreno não representa ganho de equivalência para o empreendedor e é preservada a depender do projeto. O olhar para a árvore ganhou uma nova dimensão e os estudos apontam, que mais do que sombra elas têm importância na drenagem e eliminação do CO2. Para se ter uma ideia, sete árvores de grande porte equivalem a uma tonelada de CO2 equivalente e a copa da árvore colabora com a retenção de água da chuva em 38 metros quadrados.

“A copa de uma árvore de grande porte funciona como o telhado verde e retarda a quantidade de chuva no solo. Isso é importante para a drenagem. Por isso, ela terá um peso de equivalência maior do que a Palmeira, que não consegue reter água e o uso da Palmeira é mais comum por ser uma planta decorativa”, explicou Leta Vieira de Sousa, gerente-geral de sustentabilidade e resiliência urbana do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS).
 
No caso das árvores de grande porte na área frontal do lote esse ganho de Taxa de Contribuição Ambiental chega a 50 metros quadrados. “Por entender a importância da árvore existente de grande porte para a drenagem, a tradição de emissões de gases de efeito estufa e a melhoria da resiliência da cidade às mudanças climáticas”, ressaltou Leta Vieira de Sousa. 

A revisão da LUOS também divide a cidade em zonas e a mesma área pode apresentar características distintas. No caso de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, o bairro foi dividido em três Zonas de Ambiente Construído (ZAC): orla e as planícies 1 e 2. “No caso de Boa Viagem, a Taxa de Solo Natural varia de 15 a 25%, dependendo do tamanho do terreno. Já a Taxa de Contribuição Ambiental é de 40%. Essa taxa só não é isenta para habitação unifamiliar em terreno de até 500 metros quadrados”, explicou João Domingos, presidente do ICPS.

Os estudos que antecederam a elaboração da proposta da LUOS também analisaram  a capacidade de absorção do solo natural. “O tipo de solo interfere na absorção da água da chuva. Não basta ter grandes taxas de solo natural se não houver uma condição favorável de absorção e, nesses casos, dispor de outros elementos como telhado verde, mais árvores, jardineiras e fachadas verdes são mais importantes para a drenagem e a própria paisagem da cidade”, afirmou João Domingos. 

Para Sandro Guedes, assessor urbanístico da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), a proposta da nova lei traz mais opções do ponto de vista ambiental, mas pode também aumentar os custos. “É preciso trabalhar as questões cultural e financeira. Será que as pessoas estão dispostas a pagar mais caro por itens de sustentabilidade? ou elas querem apenas o direito de ter umamoradia digna? Tem que haver o equilílibrio entre o desejo e a viabilidade de soluções, apontou Sandro.
 
Poço da Panela aposta em iniciativas verdes
 
Edifício CO-Haut, em construção no Poço da Panela, Zona Norte do Recife, com proposta de verde no prédio e jardins (Crédito: Haut/Divulgação)
Edifício CO-Haut, em construção no Poço da Panela, Zona Norte do Recife, com proposta de verde no prédio e jardins (Crédito: Haut/Divulgação)
Dois grandes empreendimentos que estão sendo executados pela construtora Haut, no Poço da Panela, Zona Norte do Recife, têm uma proposta voltada para o verde. Um dos arquitetos Alex Hanazaki, que está a frente de um dos projetos, explica que o desenho já foi pensando a partir da lógica da ocupação do solo.

Há uma tendência, sem dúvida de apostar mais no verde. A gente desenvolveu a questão do paisagismo pensando na revitalização da vegetação local. A Haut tem um pensamento muito atual no sentido de inovar na questão urbana e houve uma preocupação também do entorno, explicou o arquiteto. Segundo ele, a vegetação foi pensada com as características da região. “Isso significa menos custo também. As plantas vão crescer e se adaptar de forma mais rápida”, revelou.
Empreendimento Arbo da empresa Haut, em construção no Poço da Panela, Zona Norte do Recife, com proposta de verde nas quadras do entorno (Crédito: Haut/Divulgação)
Empreendimento Arbo da empresa Haut, em construção no Poço da Panela, Zona Norte do Recife, com proposta de verde nas quadras do entorno (Crédito: Haut/Divulgação)

Um dos empreendimentos está sendo construído na Rua Chacon, o CO-Haut e terá 121 unidades em uma área de 5 mil metros quadrados. O segundo fica nas margens do Rio Capibaribe e é denominado Arbo, este tem uma área de 6, 7 mil metros quadrados e a proposta é de um condomínio com casas, um total de 31 unidades. “É um projeto onde tudo está conectado. É um sistema de condomínio onde a pessoa terá a sensação de morar em uma casa com seus jardins privativos. E os caminhos que ligam de uma casa para outra também são rodeados de verde”, explicou Alex. 

O empresário Bruno Suassuna, 43 anos, é um dos futuros moradores do CO-Haut, ele disse que a forma do projeto trabalhar a questão do verde foi o que mais lhe chamou atenção. “Eu sou nascido e criado na Zona Norte e gosto de ouvir o barulho dos pássaros  e ter um contato maior com a natureza e esse projeto me chamou atenção. Além disso, eles tem uma proposta de gentileza urbana então os jardins são abertos para o público e todas as árvores do terreno foram preservadas. Do meu apartamento eu terei a visão da copa das árvores”, revelou Bruno. A estimativa é que o empreendimento seja entregue até 2023. 
 
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