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Campanhas que associam cores, meses e combate a doenças se disseminam

Publicado em: 20/07/2019 10:00 | Atualizado em: 19/07/2019 20:31

A funcionária pública Naildete Ximenes, por meio da conscientização do Abril Amarelo, procurou ajuda de especialistas. Foto: Tarciso Augusto/Esp. DP Foto

A assistente administrativa Naildete Ximenes, 56 anos, passou quatro meses sentindo dores no quadril e nas pernas. No começo, chegou a fazer alguns exames, mas acabou deixando para lá. A despreocupação dela não se estendia à família, que cobrava uma nova ida ao médico. No mês de abril do ano passado, quando se deparou com uma propaganda, Naildete ligou o alerta de vez e resolveu ceder à pressão de buscar ajuda profissional. Por meio das ações da campanha do Abril Amarelo, ela soube que dois dos sintomas que sentia eram característicos de um quadro de câncer ósseo e foi investigar o que estava acontecendo no próprio organismo.

As campanhas que correlacionam cores ao combate e prevenção de doenças têm como ponto de partida o “pink october”, em português “Outubro Rosa”, uma campanha que nasceu nos Estados Unidos, na década de 1990, para disseminar informações sobre o câncer de mama. A data, celebrada anualmente, espalhou-se pelo mundo e serviu de inspiração para que várias entidades escolhessem uma cor para falar sobre um aspecto de saúde. Desde o início desta década, várias outras campanhas surgiram, caso do “Janeiro Branco” - dedicado aos cuidados com a saúde mental – e o “Setembro Vermelho” - um alerta sobre o crescimento de casos de doenças cardiovasculares.

Há mais de 30 campanhas que dedicam um mês a realizar ações de conscientização sobre uma doença e utilizam como símbolo uma cor. Seis delas, pelo menos, tiveram sua primeira edição em 2014. Mais de 10 são dedicadas a algum tipo de câncer. Neste mês, por exemplo, estamos no Julho Verde, que chama atenção para o câncer de Cabeça e Pescoço. “O grande objetivo é fazer a conscientização da população leiga para um tema específico, que precisa de prevenção e de um maior engajamento, como foi com o câncer de mama”, explica a presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz.

Uma das campanhas mais lembradas pela população, além do “Outubro Rosa”, é o “Novembro Azul”, criado em 2003 com a função de incentivar o homem a prevenir o câncer de próstata. A escolha do mês tem correlação com o Dia Mundial de Combate a esse tipo de neoplasia, lembrado em 17 de novembro. “Nos últimos dois anos, o Brasil diagnosticou mais câncer de próstata do que de mama. A campanha é importante para incentivar o homem a realizar o diagnóstico precoce, num momento oportuno para o tratamento”, afirma o coordenador da campanha Novembro Azul da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Geraldo Faria.

No caso da campanha “Novembro Azul”, houve uma ampliação ao longo dos anos na abordagem, que passou a ser direcionada ao cuidado com a saúde do homem. “Conseguimos medir a efetividade da campanha na ampliação da divulgação das doenças da próstata e também pelo aumento de homens que chegam ao consultório mencionando as ações. A gente percebe que há um incentivo direto nos homens e indireto também, pois as famílias e amigos veem a campanha e passam a cobrá-los”, diz Geraldo Faria.

Uma das métricas da efetividade dessas campanhas é o aumento da procura por informação, a maior realização de exames e adesão de instituições e gestões públicas às atividades nos meses explorados, por meio da legislação ou da iluminação de monumentos públicos. No Hospital de Câncer de Pernambuco (HCP), por exemplo, os atendimentos chegam a aumentar 30% a 40% durante as campanhas. “A população passa a identificar como fazer a prevenção, como ter acesso aos exames, onde procurar. Em função da demanda, costumamos preparar a equipe para garantir o atendimento no período das ações”, conta o superintendente técnico do HCP, Fábio Malta.

Naildete, por exemplo, só decidiu procurar um médico depois que viu as ações do Abril Amarelo. “Eu estava sentindo dores desde o fim do ano passado. No começo, pensei que era por causa de exercício físico. Quando vi a campanha, pensei que não custava nada investigar. Ver os riscos serviu para me motivar. De fato, pensei que iria tranquilizar a família. Levei vários exames para o médico e descobri que não era o câncer, mas sim tendinite e bursite no quadril”, conta.
 
Mais causas que cores e meses
 
As campanhas coloridas de saúde visam, em sua maioria, aumentar a disseminação de informações sobre determinada doença. Para isso, usam as cores como forma de mobilizar gestões públicas, empresas e para facilitar a identificação pela população. O crescimento do número de mobilizações do gênero tem como consequência secundária a conscientização das pessoas para temas de saúde pouco abordados ou obscurecidos diante de outros mais “famosos”. Por outro lado, diante da “concorrência”, algumas campanhas perduram em alcançar público e visibilidade.

Seja pelo medo difundido no imaginário popular ou pela mudança no perfil de adoecimento da população nas últimas décadas, que impulsionou as estatísticas do câncer, as campanhas que têm a ver com neoplasias são as mais frequentes. Uma das criadas na última década foi o Setembro Verde, de prevenção contra o câncer colorretal. Organizada pela Sociedade Brasileira de Coloproctologia, ela ocorre desde 2012. “Mundialmente, a campanha ocorre no mês de março, mas escolhemos no Brasil setembro para vincular com um mês que já realizamos um congresso. A cor vem com o simbolismo e facilita a memorização visual. Dá para iluminar espaços, decorar unidades de saúde. Ao mesmo tempo, é um mês inteiro de atividades”, explica a presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP), Sthela Regadas.

Diante da proliferação, surge um novo desafio relacionado a essas campanhas. Algumas delas acabam se sobrepondo em cores e mês, o que, na visão de alguns especialistas, pode confundir mais do que esclarecer a população. Um exemplo é a cor verde, usada para o Julho Verde, para conscientização e combate ao câncer de cabeça e pescoço. Ou ainda o Setembro Verde, que tem dupla identidade, pois também é a cor e o mês da campanha de incentivo à doação de órgãos. “Não vai haver cor nem mês suficiente pata todas as doenças, então temos que começar a pensar em outras formas lúdicas, outros artifícios, de chamar a atenção da população”, pondera Luciana Holtz, do Oncoguia.

Outra questão a ser debatida é o alerta para o cuidado permanente, para não deixar margem a que a população pense que apenas no mês referido é preciso prevenir contra a doença em questão. Pensando nisso, por exemplo, no ano passado a campanha Novembro Azul usou como slogan o alerta para que o homem cuidasse da saúde “de novembro a novembro". 
 
Engajamento para romper mitos e aumentar informação
A economista Natália Araújo, 32 anos, precisou passar por uma experiência pessoal para compreender a importância de campanhas como o Setembro Verde. Foto: Peu Ricardo/ DP Foto

O uso de cores gera um engajamento que é fundamental para discutir de forma menos densa questões como o desafio de receber um diagnóstico, o acesso aos serviços de saúde e os mitos que circundam determinadas questões da área de saúde. A recusa familiar, por exemplo, é face do tabu em torno da doação de órgãos e um desafio a ser superado no país. No Brasil, 44% dos potenciais doadores não se efetivam porque as famílias não liberam a doação, de acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO).

A economista Natália Araújo, 32 anos, precisou passar por uma experiência pessoal para compreender a importância de campanhas como o Setembro Verde. Ela passou dois anos sentindo dificuldades para enxergar. Trocava de óculos, mas o problema persistia. Até que, numa consulta médica, descobriu que tinha ceratocone, uma doença que afeta a estrutura da córnea. Natália estava com 20% da visão no olho esquerdo e só um transplante resolveria. “Eu via tudo embaçado, sem nitidez, e também sentia muita dor de cabeça. Quando me falaram que só um transplante resolveria, chorei muito. Era um tabu para mim saber que alguém precisava morrer para eu ter minha visão novamente”, conta.

Natália fez o transplante em 2015. “A sensação de tirar o curativo foi maravilhosa, de enxergar o que eu não enxergava, como os detalhes do rosto do meu filho. Queria ver todo mundo novamente, minha mãe, meu marido. Foi uma mudança significativa na minha vida”, lembra. Desde então, Natália aproveita os meses de setembro para disseminar informações sobre a doação de órgãos nas redes sociais e entre amigos e parentes. “Me senti privilegiada e em envolvi na causa. Acredito, porém, que a campanha ainda tem pouca divulgação”, opina.

Para o oftalmologista do Serviço Oftalmológico de Pernambuco (Seope) Luiz Felipe Lynck, o mérito das campanhas, no caso da doação de órgãos, pode ser medido pelo aumento de doações no período em que são realizadas. “Quando passamos muito tempo sem campanhas, as doações diminuem. É um número bem mensurável pela busca ativa”, afirma. Córnea é o transplante mais realizado no mundo, e a doação é mais frequente, pois as pessoas podem doar até 24 horas após a morte. “Mesmo assim, ainda há muita negativa. As pessoas não acreditam muito que a doação será feita de forma segura, temem que o corpo fique diferente, é um momento de muita dor para a família. Quando as pessoas não têm consciência de que estão ajudando alguém, as chances de aceitar a doação diminuem”, acrescenta.  
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