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Fluxo de empréstimos no Legislativo antecipa clima eleitoral

Segundo cientista político, tramitação dos empréstimos no Poder Legislativo estadual e municipal é "disfarçada de argumentos técnicos", mas carrega "peso do jogo sucessório"

Por Guilherme Anjos

Plenário da Alepe

Há quase 90 dias travado na Assembleia Legislativa (Alepe) apesar de tramitar em regime de urgência, o pedido de empréstimo de R$ 1,5 bilhão enviado pelo Governo do Estado mais uma vez não foi avaliado pelos deputados estaduais e tem sido a principal pedra no sapato da governadora Raquel Lyra (PSD) na relação com os parlamentares. Enquanto isso, o prefeito do Recife, João Campos (PSB) precisou de somente 15 dias e conseguiu aprovar na última segunda-feira um crédito de R$ 900 milhões. Esse contraste expõe a dinâmica de eleição antecipada da política pernambucana que domina até a pauta do Legislativo.

O empréstimo da governadora é o terceiro solicitado pela sua gestão desde 2023. Contando com as contratações autorizadas no Governo Paulo Câmara, Raquel Lyra possui cerca de R$ 9 bilhões para captar.

Na análise do cientista político Sandro Prado, o Poder Legislativo já reflete o clima eleitoral antecipado, e a tramitação dos empréstimos se tornou “uma disputa que, embora disfarçada de argumentos técnicos, carrega o peso do jogo sucessório e da rivalidade entre grupos que hoje disputam não só cargos, mas hegemonia política”.

“Esse contraste não pode ser compreendido pela lente administrativa ou técnica, o que já exigiria cautela e responsabilidade fiscal, mas sim por meio das relações de poder, alianças institucionais e da disputa pelo protagonismo”, complementou.

A bancada de oposição na Alepe, que une deputados do PSB e PSOL com bolsonaristas, aproveitou o fato para acusar a governadora de ineficiência e falta de transparência, sob o argumento de que o Palácio sequer contratou todos os valores já autorizados pela Casa para os mesmos fins, e ainda há bilhões que não chegaram aos cofres públicos.

Esse mesmo PSB é maioria na Câmara do Recife, e não viu os mesmos problemas com o novo empréstimo de João Campos, que já soma R$ 3.7 bilhões em empréstimos autorizados pela Casa José Mariano desde 2021 – sendo R$ 2 bilhões apenas em 2023, como apontado pela oposição, composta por vereadores do PL, Novo e PSD.

Prado avalia que os principais blocos parlamentares da Alepe permanecem sob a influência do grupo político João Campos. Em ano pré-eleitoral, quando Lyra deve começar a preparar uma maratona de entregas, o Legislativo funciona como um obstáculo para evitar que a governabilidade se destaque com o uso dos recursos.

“Para a base aliada de Campos, impedir que Raquel capitalize obras e investimentos agora é preservar o campo de disputa futura. Enquanto um avança, o outro não pode avançar tanto. É um tipo de ‘governabilidade assimétrica’. O Legislativo coopera seletivamente conforme seus interesses de longo prazo. Quando o sucesso do outro ameaça o projeto, a engrenagem emperra”, afirmou.

“O que move esses pedidos de empréstimo não é só a necessidade, mas a oportunidade. E o que os impede, na maioria das vezes, não é a razão, mas o receio de que o outro governe bem demais”, acrescentou.