EXPOSIÇÃO

Marlene Almeida apresenta exposição ''Histórias da Terra'' na Galeria Marco Zero

Artista paraibana reúne obras inéditas e produzidas com terras de municípios pernambucano

Publicado em: 16/05/2024 11:28 | Atualizado em: 16/05/2024 11:56

Marlene Almeida é internacional na criação artística com tintas a partir de pigmentos retirados do solo (Crédito: Divulgação)
Marlene Almeida é internacional na criação artística com tintas a partir de pigmentos retirados do solo (Crédito: Divulgação)
A relação de Marlene Almeida com a terra é marcada por fascínio, respeito e profundidade. A artista visual paraibana desenvolve, desde a década de 1970, um projeto de pesquisa que tem como base o reconhecimento, catalogação e uso de solos (pigmentos minerais) de diferentes regiões do Brasil como pigmentos naturais para suas pinturas. Sua prática artística e de vida é permeada pelo ativismo ambiental e, aos 82 anos, ela continua suas investigações e experimentações. Parte de sua produção recente compõe a exposição individual “Histórias da Terra”, na Galeria Marco Zero, com curadoria de Tereza de Arruda. Com abertura nesta quinta-feira (16/05), às 18h, a mostra reúne cerca de 50 obras inéditas, entre pinturas e esculturas.

Nascida em Bananeiras, no Brejo da Paraíba, Marlene Almeida é uma referência nacional e internacional na criação artística com tintas a partir de pigmentos retirados dos solos, todas produzidas de forma artesanal por ela. Sua produção e forma de pensar o fazer artístico dialogam com práticas ancestrais da humanidade de se expressar esteticamente a partir dos insumos fornecidos pelo meio ambiente. 

Primeira individual de Marlene Almeida no Recife em muitos anos, “Histórias da Terra” é majoritariamente composta por obras inéditas, produzidas com a exposição em mente. Para criá-las, a paraibana revisitou vários locais de Pernambuco, coletou mais amostras de solo, podendo compará-las com as que ela já havia recolhido décadas antes, e produziu em abundância. 

A inspiração para compartilhar novos trabalhos veio, também, pela ligação que possui com Pernambuco. Há décadas, ela vem ao estado vizinho da Paraíba para coletar novas amostras de terra, desta vez com um foco na catalogação dos nomes dos locais nos quais as terras foram encontradas, a fim de fazer a organização das cores conforme sua origem e território. Ela explica que, na história da arte, essa prática é comum, e muitas cores têm seus nomes associados aos locais de origem dos solos, como “terra de Siena”, “verde veronese”, entre outras.

Dentre várias obras inéditas, está uma com DNA, ou melhor, com solos, inteiramente pernambucanos. Com quatro metros de largura, “Terras de Pernambuco” é um mapa do estado preenchido com terras colhidas em todos os 185 municípios pela artista paraibana, devidamente posicionadas no desenho cartográfico. A ligação com o estado se estabeleceu não só através da natureza, mas também pela arte. Na década de 1980, a artista deu aula na Escolinha de Arte do Recife, importante espaço de formação nas artes visuais na cidade.

Pernambuco também sempre foi casa de grandes amigos seus, entre eles Jomard Muniz de Britto, que teve forte atuação na cena cultural e intelectual da Paraíba, lecionando na UFPB, onde Marlene cursou Filosofia. Como ela, foi perseguido pela ditadura militar, a partir de 1964. Por intermédio de Jomard, ela participou de várias edições do projeto “Tempos e Espaços dos Abismos”, realizadas no Recife e em João Pessoa. Para homenagear o amigo, pintou para esta exposição um abismo, em referência às provocações criativas e agitações culturais e políticas que ele sempre fazia. 

Além das pinturas, Marlene Almeida apresenta esculturas e instalações site specific, a exemplo de “Vermelho como terra”, produzido com lona crua, pigmento vermelho, resinas e lateritas naturais.

Seus procedimentos anteciparam em 50 anos questões em destaque no contemporâneo, em campos como ecologia, artes visuais a política, diante das urgências causadas pelas mudanças ambientais. Seu trabalho já circulou por vários estados brasileiros e também por países como Cuba, Alemanha, México e Uruguai. Com a proeminência dos temas ligados à sua poética ganhando cada vez mais força na pauta da sociedade e do circuito de arte, a obra de Marlene tem sido revisitada e apreciada por um número cada vez maior de pessoas. 

Recentemente, ela foi convidada para participar do 38º Panorama da Arte Brasileira: 1000º, projeto bienal realizado no Museu de Arte Moderna (MAM), de São Paulo. A curadoria assinada por Germano Dushá, Thiago de Paula Souza e Ariana Nuala, está em consonância com o projeto artístico da paraibana, pois “orienta-se pelo interesse por formulações ligadas à experimentação, ao risco intenso, às situações radicais, às condições extremas marcadas pelo calor — metafísico, metafórico e climático —, e aos estados — da alma e da matéria — que nos põem diante da transmutação como destino inevitável e imediato.”

“Marlene, como artista e pessoa, é uma simbiose do ser humano, da artista, pesquisadora e ambientalista. São vários elementos de uma atuação só e o trabalho dela acaba sendo uma narrativa visual de tudo isso. Ela tem uma vivacidade que é incansável, pesquisa até hoje, vai para campo, e não perde a atualidade. Hoje, existe um discurso mais voltado para a questão da sustentabilidade, mas Marlene já vem fazendo isso há cinco décadas e desenvolveu técnicas próprias. Ela, inclusive, construiu esse legado que é admirado e transmitido por várias gerações”, explica a curadora, Tereza de Arruda, que acompanha o trabalho de Marlene há mais de três décadas.

Seu vasto acervo deu origem ao que ela chama de Museu das Terras Brasileiras, projeto que a artista mantém em seu ateliê. Ali, estão reunidas amostras de terras, minerais e rochas recolhidos ao longo desse meio século de pesquisa.

“Meu trabalho de pesquisa das cores da terra começou no final da década de 1970. No começo, só me interessava pelas cores, mas de um tempo para cá, a geografia das cores passou a me preocupar muito mais. Foi uma tarefa à qual eu me impus e, aos 82 anos, sinto que foi uma tarefa cumprida. Retorno com o meu trabalho, não somente às técnicas ancestrais, da pintura com a terra, mas também ao modo de tratar o material”, explica Marlene Almeida.

Sobre a influência do seu trabalho nas novas gerações e as motivações para continuar produzindo com tanta avidez, Marlene observa que as questões relativas à terra estão em pauta não só no campo filosófico, mas também político, prático e artístico. Discutir nossa relação com a natureza e a necessidade de preservação dos biomas é cada vez mais urgente.

“Antes, me sentia meio isolada, estranha, porque na época não havia o costume de usar esses materiais que uso como obra de arte. Dei cursos no Brasil quase todo, em universidades e museus, mas sentia que poucas pessoas continuavam trabalhando só com esse material. Agora, começo a ver um interesse muito grande e para mim é uma beleza. Espero que não seja um modismo”, enfatiza.

Serviço:
Exposição “Marlene Almeida - Histórias da Terra”
Galeria Marco Zero (Avenida Domingos Ferreira, 3393, Boa Viagem, Recife - PE)
Abertura: 16 de maio, às 18h
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 17h
Acesso gratuito
Informações: (81) 98262-3393 - contato@galeriamarcozero.com
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