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História

Estudo do pioneirismo

Jornalista e crítico musical Rodrigo Faour apresenta palestra, neste sábado, sobre a vida e obra de Leci Brandão - que encerra passagem no Recife

Publicado: 16/12/2023 às 06:00

Em entrevista concedida ao Viver, Rodrigo Faour passa a limpo essas e outras curiosidades sobre a carreira da sambista/Carlos Torres / Divulgação

Em entrevista concedida ao Viver, Rodrigo Faour passa a limpo essas e outras curiosidades sobre a carreira da sambista/Carlos Torres / Divulgação

Aos 79 anos, Leci Brandão cultiva o seu próprio legado. Seu protagonismo e pioneirismo abriu uma nova era em diversas frentes, do samba à política. Não é à toa que ela é um dos principais objetos de estudos para pesquisadores e analistas. É o caso do produtor, jornalista e crítico musical Rodrigo Faour. Neste sábado, no mesmo dia em que Leci conclui a temporada de quatro shows na Caixa Cultural Recife, Faour ministra a palestra “As pioneiras compositoras e o legado de Leci Brandão”, às 15h, com distribuição gratuita de ingressos uma hora antes.

 

Também historiador em música popular brasileira, o jornalista possui arquivo pessoal com mais de 80 mil músicas catalogadas e um vasto clipping de matérias coletadas desde a adolescência. Enquanto compilava registros de Leci, Faour descobriu informações desconhecidas sobre o paradeiro da artista carioca no período da ditadura militar. Entre 1976 e 1980, ela se posicionou abertamente a favor da população LGBTQIA%2b: “As pessoas e eles”, “Chantagem”, “Ferro frio” e “Ombro amigo” são canções que passaram milagrosamente pela censura. Porém, ela pagou o preço pela ousadia pouco depois e ficou cinco anos sem gravar LP’s. Leci ainda foi a primeira cantora brasileira a se pronunciar como lésbica.

 

Em entrevista concedida ao Viver, Rodrigo Faour passa a limpo essas e outras curiosidades sobre a carreira de Leci Brandão, a exemplo de músicas inéditas e o tempo que levou para ser reconhecida nacionalmente, que só ocorreu na fase “pagodeira” da cantora, com “Isso é fundo de quintal” e “Papai vadiou”.

 

Espetáculo “Leci Brandão - Eu Sou o Samba”

 

Uma das maiores personalidades da música brasileira, Leci Brandão leva ao palco faixas de sua autoria e de renomados mestres, como Arlindo Cruz, Xande de Pilares, Paula Lima, Leandro Lehart e Martinho da Vila. Na lista de hits atemporais, o público vai relembrar os sucessos “Zé do Caroço”, “Só Quero Te Namorar”, “As Coisas Que Mamãe Me Ensinou” e diversos outros. Os ingressos estão disponíveis no site da Caixa Cultural.

 

Entrevista - Rodrigo Faour (jornalista, produtor e crítico musical)

 

Uma das maiores personalidades da música brasileira, Leci Brandão leva ao palco faixas de sua autoria e de renomados mestres, como Arlindo Cruz, Xande de Pilares, Paula Lima, Leandro Lehart e Martinho da Vila. Na lista de hits atemporais, o público vai relembrar os sucessos “Zé do Caroço”, “Só Quero Te Namorar”, “As Coisas Que Mamãe Me Ensinou” e diversos outros. Os ingressos estão disponíveis no site da Caixa Cultural.

 

- Você possui um acervo imenso de pesquisa sobre artistas brasileiros. Quando você iniciou as pesquisas sobre a vida e obra de Leci? A sua percepção em relação ao trabalho dela mudou?

 

Sim, com certeza. Conhecia só o que tocava em rádio. Quando me aprofundei, descobri que ela tinha um trabalho autoral expressivo, pioneiro principalmente em relação à temática LGBTI . Ela foi a primeira artista do Brasil a fazer músicas mais panfletárias, dentro do possível, a favor dessa população, ainda na época da ditadura, usando um discurso até bastante direto, mas elegante, e milagrosamente conseguiu passar pela censura, entre 1976 e 80. Eram temas como “As pessoas e eles”, “Chantagem”, “Ferro frio”, o sucesso “Ombro amigo”, e posteriormente “Assumindo”, composta por volta de 1980, mas lançada já em 1985.

 

Isto foi de uma ousadia sem par. E ela pagou um preço por sua ousadia. Ficou bastante estigmatizada e por esse e outros motivos ficou cinco anos sem gravar Lps. Descobri isso quando produzi para a Universal Music em 2011 a coletânea “O canto livre de Leci Brandão” resgatando justamente essa fase dela menos conhecida dos anos 1970, quando essas músicas foram para o meio digital pela primeira vez. Neste CD, que já está nas plataformas, descobri três gravações originais inéditas que ficaram no arquivo da gravadora e que ela lançaria só mais tarde, a referida “Assumindo”, “Deixa, deixa” e, acredite, “Zé do Caroço”.

 

- Leci conquistou reconhecimento nacional já em 1968 na premiação de calouros da TV Tupi. Sendo uma mulher negra e homossexual, qual foi o impacto dela no cenário do samba daquela época?

 

Na verdade, esse reconhecimento não foi tão imediato. Foi construído aos poucos. Embora tenha sido a primeira mulher a entrar na ala de compositores da Mangueira, em 1971, e tenha participado de um programa “Ensaio”, do Fernando Faro, com Cartola em 1973, ela ainda não tinha estourado para o grande público e também não era apenas sambista. O início de seu trabalho gravado em disco era bem variado. Seus LPs, registrados a partir de 1975, primeiro na independente Marcus Pereira, depois na Polydor, se equilibravam entre a estética da “MPB” e a do samba, com arranjos não só de Ivan Paulo, tradicional em álbuns de sambistas, mas de Roberto Menescal, Antonio Adolfo, Rosinha de Valença, Paulo Moura e outros.

 

Nessa fase, seu maior sucesso foi “Ombro amigo”, em 1977, e “Essa tal criatura” chegou a ter certo destaque no festival MPB 80, da TV Globo. Até então, Leci ainda não era uma artista eminentemente popular. O rumo à popularização viria mesmo em seu LP de 1985, agora como “pagodeira”, com “Isto é fundo de quintal” e “Papai vadiou”, quando foi contratada pela Copacabana Discos, na mesma época do estouro de Zeca Pagodinho, Jovelina e Fundo de Quintal, renovando o samba, que adotou o nome de pagode – inicialmente, ainda “de raiz”.

 

- Para além da representatividade, qual é a importância dela na maneira que o samba ressoa nos dias atuais?

 

O samba contemporâneo que ressoa nas FMs do país perdeu muito seu caráter político e de cronista social de costumes com enfoque crítico, uma marca do gênero desde o seu nascimento. Leci fez muitos sambas românticos, mas também homenageou diversas categorias sociais em suas canções – sambas ou não – como os professores, os atores, os professores, os LGBTs, as mulheres, os negros, os líderes comunitários (como no hit extemporâneo “Zé do Caroço”, que não aconteceu quando foi lançado, e após a gravação do grupo Revelação, em 2000, a música nunca mais foi esquecida).

 

- Além da palestra, em quais trabalhos seus o público pode encontrar mais histórias de Leci?

 

Nos meus livros “História sexual da MPB” e principalmente nos dois volumes de “História da música popular sem preconceitos”, todos da Editora Record, os dois últimos lançados em 2021 e 2022, respectivamente. Aproveito a oportunidade para dizer que estou lançando agora pelas Edições Sesc o livro “A incrível história de Leny Eversong ou A cantora que o Brasil esqueceu”, resgatando a grande cantora paulista que fez incrível sucesso no exterior entre a fase pós-morte de Carmen Miranda e antes da explosão da bossa nova no mundo, ou seja, entre 1957 a 1962, principalmente, e seu legado foi apagado, entre outras razões, por ser um corpo gordo e uma voz poderosíssima totalmente fora dos padrões e que ainda por cima cantava em vários idiomas, um pecado mortal aos nacionalistas de plantão da intelectualidade e da imprensa daquele tempo.

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