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CRÍTICA
Em 'O Telefone Preto', um escudo do além se sobrepõe à violência do mundo real
Publicado: 21/07/2022 às 11:53

/Filme de terror, em cartaz nos cinemas, é distribuído pela Universal e tem direção de Scott Derrickson, de 'O exorcismo de Emily Rose', 'A entidade' e 'Doutor Estranho'.
A infância e adolescência na cidade de subúrbio aparentemente pacata Galesburg, durante o início dos anos 1970, passam longe do sossego. Não basta um ambiente escolar que reforça diariamente a dominação do bullying, o sofrimento também toma conta da vida doméstica de muitas crianças que sofrem de violências ainda mais severas por parte dos pais. A onda de desaparecimentos de meninos na região chega para instalar pânico nesse cenário e a figura misteriosa de um sequestrador que surge com sua van e balões pretos vira o anúncio de um pesadelo sem fim. O garoto Finney se torna mais uma vítima do homem mascarado e é levado para um porão no qual, além de um colchão velho, há também um telefone cortado através do qual ele consegue fazer contato com outras crianças que estiveram naquele mesmo lugar.
Tanto no conto original de Joe Hill quanto na adaptação homônima para o cinema, O telefone preto, em cartaz, não demora muito para tirar da premissa realista a sua veia sobrenatural. Transpondo respeitosamente as 20 páginas originais para pouco mais de 1 hora e meia de duração, o diretor Scott Derrickson (O exorcismo de Emily Rose, A entidade e Doutor Estranho) encontra um bem-vindo - e relativamente raro - equilíbrio entre a crueza chocante do mote central e um aspecto inofensivo de uma fábula sobre amadurecimento frente aos horrores da realidade.

Os dramas domésticos e a atmosfera de desalento social são bem retratados, respectivamente, por pontuais e diretas cenas de violência no primeiro ato e por uma fotografia de tons lavados que parece não diferenciar interiores e exteriores, como se os personagens vivessem num contínuo estado de desesperança. O maior sopro de vida no filme está na interação calorosa e verdadeira entre Finney e sua irmã Gwen, de coragem descomunal para proteger o irmão mais velho e cujos sonhos premonitórios são determinantes para os rumos da história.
Mas, ainda que O telefone preto não poupe o espectador das tradicionais sequências de nervosismo, sua brutalidade é contida, e seus desdobramentos, objetivos. As inserções sobrenaturais não possuem a cerimônia ou sutileza que se tornou tônica dos filmes de horror psicológico de maior prestígio da última década, muito pelo contrário: Derrickson opta pela franqueza do fantástico e pela funcionalidade dramática das ligações do telefone que dá título ao filme - o que, para um longa de proposta econômica, certamente é uma vantagem. O amadurecimento de Finney ocorre de modo praticamente verbalizado e o componente sobrenatural, assim como na filmografia de Guillermo del Toro, por exemplo, se transforma num escudo oportuno contra a crueldade do mundo dos homens.

Ethan Hawke, no papel do vilão, faz o possível para se desvencilhar de sua persona simpática e, com a ajuda de uma caracterização perturbadora e de elegantes hiatos entre suas aparições, provoca suficiente tensão e ansiedade para que as soluções mais fáceis do terceiro ato dialoguem muito bem com a objetividade de um conto cautelar. É como se Derrickson, aqui no seu trabalho mais formalmente refinado, fizesse o menos brutal possível dentro das possibilidades gráficas de um tema pesado como esse e, ao mesmo tempo, não abrisse mão de fazer um suspense de roer as unhas. O que pode faltar em impacto final para O telefone preto do ponto de vista do puro horror, sobra em competência na orquestração dos seus tropos narrativos.
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