Mostra começou em 2019 como movimento pontual contra censura nas artes cênicas e vem se expandindo nos últimos anos/DIVULGAÇÃO
Em 2019, quando o espetáculo O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, protagonizado pela atriz trans Renata Carvalho sofreu um de diversos episódios de censura e repressão na capital pernambucana, um grupo de artistas se mobilizou em uma movimentação combativa nomeada de Janeiro Sem Censura. O que era uma ação pontual acabou se tornando uma semente para um projeto que se instaurou no Recife em prol da ocupação de corpos constantemente silenciados nos circuitos de arte da cidade.
A partir desta quinta-feira, é realizada a quarta edição da iniciativa, que traz teatro, dança, cinema, música e oficinas para o Espaço Cênicas e o Teatro do Parque, em uma programação de dez dias. O Janeiro Sem Censura vem sendo idealizado e organizado sob muita luta do Coletivo de Dança-Teatro Agridoce, que o realizou de forma remota no ano passado e agora vem com um modelo híbrido, com as atividades presenciais sendo retransmitidas pelo YouTube.
“É uma grande realização conquistada em quatro anos de muita luta. A gente sempre fez de tudo para viabilizá-lo, sempre tentamos financimanto, mas nunca conseguimos, algo que passa um pouco pela própria censura institucional. Agora podemos oferecer nossa oficina voltadas para pessoas trans, travestis e não-binarie, convidar vários artistas que sempre estiveram conosco na luta para se apresentarem e ver algo que começou como um festival de fim de semana agora ter três deles”, afirma Sophia Williams, uma das organizadoras.
A partir da quinta-feira, no Espaço Cênicas, será realizada uma maratona, que conta com shows, performances de dança, espetáculos teatrais, debates e oficinas, abarcados pelas vivências LGBTQIA%2b, negras e periféricas. Já no próximo dia 09, o festival realiza a mostra audiovisual Cine Pitangas, com a exibição de seis curtas metragens e um longa, atravessados pelas questões estéticas e temáticas que atravessam as diretrizes e a luta do Janeiro Sem Censura.
“Sempre pensamos em abraçar essas diferentes linguagens que tratem sobre negritude, violência conta a mulher, transsexualidade, vivência LGBTIQA e todos os corpos que são constantemente silenciados. É um momento das pessoas ouvirem o que temos a dizer, são espetáculos protagonizados pela dita minoria para que a maioria escute essas vozes e saiam pensando se não já foram racistas ou transfóbicas em suas vidas. Nossa essência é deixar essa semente na cabeça das pessoas que passarem pelos nossos espetáculos e nossos diálogos, que as bolhas possam ser estouradas e que consigamos adentrar outras bolhas”, elabora Williams.
A própria existência do festival é marcada por uma série de batalhas para se tornar viável. No último, por exemplo, a iniciativa foi aprovada pela Lei Aldir Blanc, mas no momento do empenho do valor, eles não tiveram acesso aos recursos, sob uma alegação de erros na documentação que, de acordo com os organizadores, nunca houve uma procura prévia para se realizar as correções necessárias. Após a publicação de um texto de esclarecimento da situação, o Janeiro Sem Censura foi abraçado por diversos artistas, que permitiram sua realização em formato online, com apresentações seguidas de debates. Neste ano, contudo, deu tudo certo nos trâmites do edital e o festival conta com recursos para sua realização.
E sua realização é pautada não só por fazer esses artistas ocuparem a cidade, mas também de resgatar figuras da vida artística da cidade que lutaram para criar um território um pouco mais aberto para os que vêm agora. É o caso da homenageada desta edição, Sharlene Esse, considerada um das primeiras pessoas trans na cena cultural do estado, em especial ao interpretar grandes divas da MPB. Na abertura do festival, ela se apresentará com a performance Atenção, se beber, não dirija.
“Sharlene é uma pessoa que abriu portas para que pessoas como eu pudessem subir no palco de um Teatro do Parque, de um Hermilo, de um Santa Isabel. Ela passou por diversos momentos de impedimento no fazer arte, atravessou a ditadura, então é algo muito representativo homenageá-la. Hoje, muitos grupos de teatro não acolhem pessoas trans e travestis, afirmando não ter papéis para nós, como se não pudéssemos interpretar pessoas cis. Mas Sharlene sempre fez isso, por exemplo. A compreendemos como esse grande símbolo de resistência”, comenta Sophia.
As atividades realizadas no Espaço Cênicas, localizado no Bairro do Recife, começam sempre às 19h e os ingressos são vendidos no modelo pague quanto puder, a partir de R$ 10. Já a mostra Cine Pitangas começa às 18h e a entrada é gratuita. “A gente espera que daqui pra frente, seja um pouco mais fácil para nós, que as pessoas nos compreendam e nos abracem como fazem com tantos festivais na cidade. A gente vai continuar, com financiamento, sem financiamento, como for, porque queremos dar voz e não mais apontamos a censura de um ou outro festival, mas a censura que sempre nos atingiu e nos atinge”, conclui Williams.
SERVIÇO
4º Festival Janeiro Sem Censura
Apresentações culturais e rodas de diálogo presenciais entre 27 de janeiro e 12 de fevereiro
Retransmissão das apresentações via YouTube, entre 14 e 20 de fevereiro
Mais informações e acesso à lista trans: Instagram @teatroagridoce / [email protected]
Atividades no Espaço Cênicas:
Endereço: Rua Vigário Tenório, 199 - Bairro do Recife
Horário: 19h
Ingressos: a partir de R$ 10 (Pague quanto puder)
Quinta, 27/01 - Abertura do Janeiro Sem Censura
“Eternamente Bibi”, com o Coletivo Cara Dupla
“Atenção, se beber não dirija”, com Sharlene Esse
Sexta, 28/01 - Mesa de debates: “Visibilidade Trans”
Com Danny Barbosa, Fernando Lins, Samantha Vallentine, Sra Santos. Mediação:Jorja Moura.
Sábado, 29/01 - Performances Musicais
“Boka - O Centro do Mundo”, com Benedita Arcoverde
“Ser Tão Cygana”, com RENNA
Domingo, 30/01 - Performance de Dança
“Mi Madre”, com Jhanaina Gomes
Quinta, 03/02 - Mesa de debates: “Preterida: como sobreviver a uma sociedade branco centrada?” - com Jarda Araújo, Lili Guedes e Tatiana Menezes.
Sexta, 04/02 - Espetáculo Teatral
“Rainhas”, com Coletivo Abaya
Sábado, 05/02 - Performance de Dança
“Arreia”, com Iara Campos e Iris Campos
Domingo, 06/02 - Performances musicais:
Barbarize
Flor de Romã (com Coletivo Dança-Teatro Agridoce, Daruê Malungo e D'Improvizzo Gang - DIG)
Sábado, 12/02 - Teatro “Oficina: Trans(passar) em Foco”
Experimento cênico resultado da oficina com o Coletivo Agridoce e participantes
Atividade no Teatro do Parque:
Endereço: Rua do Hospício, 81 - Boa Vista
Horário: 18h
Entrada gratuita
Quinta, 09/01, 18h - Mostra audiovisual “Cine Pitangas”:
“Sethico”
“Dance”
“Café com Rebu”
“Homens Invisíveis”
“Céu de agosto”
“Incendiárias - Filhas do Fogo”
“Brenda Lee e os palácios das princesas”