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MULTIARTISTA
Okado do Canal busca abrir caminhos para si e para os seus no audiovisual pernambucano
Publicado: 03/11/2021 às 14:46

Okado do Canal trilha seus caminhos também no audiovisual/Ponte Produtoras/Divulgação
Quando o longa pernambucano Rio Doce, de Fellipe Fernandes, foi anunciado como vencedor do prêmio de melhor filme do Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba, o júri declarou que o filme trazia para tela “corpos e vida, através da empatia e da singularidade de um personagem que é inteiro protagonizado de forma hipnotizante por Okado do Canal”. Trata-se do rapper, bboy, arte-educador e, claramente, ator da Favela do Canal, Zona Norte do Recife, já notório na cena hip-hop recifense, agora também buscando abrir portas para si e para os seus dentro do cinema pernambucano.
Okado, alcunha do multiartista de Ellan Barreto, sempre se movimentou pela vida por meio da arte, em especial a dos projetos sociais que o acolheu e permitiu que desenvolvesse seus múltiplos talentos. Nesse caminhar, uma linguagem artística foi puxando a outra. Dançava break e queria produzir vídeos bem editados de suas coreografias, como via alguns gringos fazendo, logo se aproximando do audiovisual. Participou de oficinas de vídeos em sua comunidade, uma delas oferecida pela ONG Pé no Chão, ministrada pelos cineastas Kurt Shaw e Rita de Cácia Oenning da Silva, que acabou resultando no longa A Princesa do Beco e o Lampião Cromado, o primeiro no qual Okado trabalhou (e protagonizou) como ator.
“Eu não tinha nenhuma experiência com cinema em si e decidiram fazer esse longa baseado em nossas vivências. Foi feito de maneira profissional, mas também muito própria, sem recursos de edital, passamos dois anos tentando exibir ele por aqui. Ele ganho um prêmio nos Estados Unidos e conseguimos exibi-lo no São Luiz. Foi muito massa, alugamos um ônibus e levamos a favela. A galera se vendo no cinema despertou ainda mais em mim o desejo de atuar”, relata Okado.
No dia dessa exibição, veio o convite para trabalhar em Rosário, curta de Juliana Soares e Igor Travassos, em seguida, passando no teste para trabalhar em Carro-Rei, de Renata Pinheiro, vencedor do último Festival de Gramado. No processo de finalização do primeiro curta, Fellipe Fernandes viu um corte do filme e decidiu chamar Okado para fazer um rápido teste para Rio Doce, longa que acabou protagonizando. Um trabalho puxando o outro, sempre acumulando aprendizado para dar o passo seguinte. (CONTINUA APÓS IMAGEM)

“Em Carro-Rei, fizemos a preparação de elenco junto com Matheus Nachtergaele, que é um mestre da atuação, que eu cresci assistindo. Então durante esse processo, eu ficava observando bastante ele e aprendendo. Quando fui fazer o teste para Rio Doce, coloquei em prática o que aprendi nessa preparação anterior e a galera gostou. O resultado tá aí, no filme”, afirma Okado. Até o momento, seus personagens acabam bebendo muito da própria vivência do ator, com diretores sempre abertos a deixá-lo incorporar sugestões na construção dessas personas.
“Eu gosto botar sempre um pouco de mim, porque quando eu precisar de um sentimento específico, eu vou saber onde encontrar”, explica. Gosta de dar vida à essas pessoas com histórias parecidas com as suas, pois acredita se tratar de uma grande oportunidade de fazer a periferia se conectar com o cinema, ainda que desejem criar personagens mais diferentes de si no futuro. Okado levou adiante esse desejo de colocar a periferia para se conectar com o audiovisual. (CONTINUA APÓS IMAGEM)

Com o cachê de Rio Doce, comprou um terreno onde quer dar início à uma escolinha de cinema, em continuidade ao projeto que já mantém, o Espaço Cultural Lá do Beco. A pandemia atrapalhou os planos, mas ainda assim, seu projeto já conseguiu promover oficinas com nomes como o diretor de fotografia Pedro Sotero (Bacurau), o técnico de som Lucas Caminha (Bacurau) e o próprio Fellipe Fernandes. Para Okado, o audiovisual poderá abraçar várias pessoas de sua comunidade, do entorno dela e de fora, seja para trabalhar diretamente com cinema ou para aplicar esses conhecimentos em outras áreas.
“Tem vários como eu espalhados por aí e tentando chegar onde cheguei, mas isso é difícil. Eu quero tornar fácil. Quando outras crianças entendem que o mundo vai além do Canal, como foi meu caso, é uma oportunidade muito grande. O cinema pernambucano ainda é uma ciranda muito fechada, na qual ninguém solta a mão para deixar outras pessoas dançarem. Eu quero colar com outras pessoas que também querem mudar isso”, elabora. Ele próprio confessou estar desacreditado com a possibilidade de trabalhar com atuação dentro desse circuito, crendo que não teria mais vez para um preto favelado estar inserido nesses espaços. A vitória em Curitiba deu um novo fôlego e agora Okado parte para fazer de sua obra artística, nas mais diversas linguagens, e de seus projetos sociais, motivos para que outros também comecem a acreditar.
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