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Pernambucana Chandelly Braz lança experimento cênico e reflete sobre a pandemia

Publicado: 05/05/2021 às 08:50

/Foto: Divulgação

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Em meio às incertezas de um mundo pandêmico, artistas foram levados a experimentar novos formatos e práticas híbridas para promover entretenimento e driblar a crise que assolou a categoria. Os encontros literários da pernambucana Chandelly Braz, realizados de forma virtual com os amigos Bernardo Marinho e Pedro Henrique Müller, foram um desses escapes que acabaram desaguando no projeto artístico Como devo chorá-los?. O trabalho retoma o clássico mito de Antígona para desenvolver uma dramaturgia inédita refletindo sobre a sombria realidade enfrentada por todo o mundo. O projeto pode ser conferido no site até o dia 30 de maio, sempre às 20h.

“As coisas eram muito incertas, não tinha possibilidade de trabalho, todo mundo esperando o que ia acontecer. Eu, Henrique e Bernardo começamos a fazer encontros no Zoom de forma descompromissada, para ler comédias gregas, e fomos devorando tudo... até chegar na Antígona. Identificamos muitos ecos com o período que estávamos vivendo: a luta pelo direito de conseguir velar o corpo do irmão morto”, conta Chandelly.

Na tragédia grega de Sófocles, escrita no século 4 a.C., a jovem Antígona desafia os mandamentos arbitrários de um governante truculento e coloca a vida em xeque para velar o corpo do irmão morto. A narrativa de Como devo chorá-los? se propõe a identificar ressonâncias e ecos da mitologia no contexto atual, tensionando a ideia de que a sociedade vive um luto coletivo e sofre pela impossibilidade de enterrar os mortos. O novo projeto é marcado pela fragmentação e experimenta as fronteiras entre diferentes práticas artísticas, apostando num formato híbrido que transita por teatro, performance, cinema e artes visuais. No palco virtual, a imagem de Antígona é desdobrada entre Chandelly, Juliana França e Zahy Guajajara, sem a definição de personagens fixos para cada artista.

No projeto, a imagem de Antígona é desdobrada entre Chandelly, Juliana França e Zahy Guajajara Idealizado e desenvolvido na pandemia, o processo criativo se deu quase inteiramente de forma online. “O trabalho foi 70% feito de maneira virtual. Algumas cenas decidimos que precisariam ser feitas de maneira presencial. Seguimos todos os protocolos de segurança, com pouquíssimas atividades externas. Filmamos no meu apartamento, fizemos umas intervenções urbanas, projeções do que filmamos dentro de casa, estátuas e monumentos. Fizemos toda a interlocução com a cidade criando novos textos a partir dos originais.” Para realizar o projeto, foi preciso abrir mão do formato anterior, pensado para ser um produto unicamente cênico. “A verdade é que quando o teatro é online, ele tem que ser híbrido, tem que misturar outras coisas. Então pensamos em fazer a mistura, pensar a experiência como se fosse uma exposição virtual, como se tivesse muito mais imagem do que o texto propriamente dito.”, adianta.

O trabalho mistura intervenção urbana, teatro, performance, artes visuais, cinema, videoarte e videoinstalação. O projeto pode ser conferido a partir de corredores virtuais, onde as pessoas podem caminhar por entre imagens, composições musicais, áudios documentais, na ordem que quiserem. “É um grande Frankenstein. Indicamos uma ordem, mas não é preciso segui-la. É como uma exposição, que é uma experiência visual e pessoal, tem o seu percurso regular, mas cada visitante pode escolher o rumo que quiser.”

Além dos vídeos que cada artista produziu, foram realizadas captações em Japeri, no Rio de Janeiro, e imagens de projeções feitas em diferentes lugares da cidade, reforçando a linguagem de sobreposição adotada pelo projeto. As áreas de direção de arte, iluminação e fotografia contam com a supervisão de profissionais com experiências diversas que acompanharam os trabalhos desenvolvidos por estudantes, selecionados através de uma convocatória pública. A proposta trazida pelo projeto tem o objetivo de dar oportunidade para que jovens passassem a integrar e a assinar funções criativas da realização.

2 PERGUNTAS - Chandelly Braz // atriz

Chandelly, você veio morar no Litoral Sul de Pernambuco ainda muito nova, com meses de idade, onde passou a infância e depois a adolescência na capital. Você se sente pernambucana? Qual é o sentimento que guarda daqui?

Eu só não nasci, mas eu sou pernambucana, toda minha família é pernambucana. Eu nasci em Minas, mas meu sangue é pernambucano. Foi só um evento nascer em outro estado, minha raiz está em Ipojuca e no Recife. Foi aí que eu senti desejo de fazer teatro e comecei a atuar. Foi onde eu entendi que era o que eu queria levar pra minha vida, onde conheci meus primeiros companheiros de cena e professores. Há 12 anos, eu moro no Rio, mas eu sinto que eu tenho duas casas. Morro de vontade de poder realizar algum projeto no Recife, voltar a fazer alguma coisa por aí. A vida vai levando a gente, a gente vai se encontrando, mas eu sempre quero poder voltar.

Sabemos que é um desafio muito grande se firmar como artista no Brasil, ainda mais para quem vem de fora do eixo Rio-São Paulo. Como foi esse percurso para você?

Olha, foi um processo interessante. Desde o início, eu sempre ouço as pessoas ficarem admiradas quando me veem fazendo personagens sem ser pernambucanos. “Você consegue neutralizar o sotaque” é algo que eu sempre escuto, como se houvesse um sotaque único. Não chega a ser discriminação, mas não deixa de ser preconceito. Ninguém fica admirado quando é do outro lado.
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