CINEMA
Em exibição online, documentário narra história de Orson Welles com jangadeiros cearenses
Por: André Santa Rosa
Publicado em: 08/12/2020 13:18 | Atualizado em: 08/12/2020 13:39
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O diretor de Cidadão Kane (1941) veio ao Nordeste brasileiro nos anos 1940. (Foto: Divulgação) |
O épico que nunca existiu do maior diretor moderno americano. Talvez o filme mais importante a não ser feito: tudo é duro realismo e lenda em É tudo verdade (1942), obra de Orson Welles sobre o carnaval do Rio de Janeiro e a jornada de quatro jangadeiros cearenses. A 5ª edição da Mostra Ambiental de Cinema do Recife (MARÉ), que pode ser acessada no site www.mare.rec.br, tem início nesta terça-feira, às 18h, com a exibição de A jangada de Welles (2019), dirigido por Firmino Holanda e Petrus Cariry, um outro olhar para a narrativa de Manuel Jacaré, líder da jangada São Pedro, que saiu em 1941 e desapareceu misteriosamente durante as filmagens com Welles.
Sessenta e um dias e 2.400 quilômetros. Essas foram a duração e a distância que Jacaré, Mestre Jerônimo, Tatá e Manuel Preto cruzaram para chegar ao Rio de Janeiro, entre câmeras e oficiais do Governo Vargas. O motivo da viagem: pedir melhorias na qualidade de vida e direitos trabalhistas aos jangadeiros do Ceará. O trajeto hercúleo ganhou projeção nacional após o apoio dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Do outro lado do continente, Orson Welles descobriu o feito em um jornal e decidiu adicionar a história ao seu documentário, que já estava fechado como parte de "uma política de boa vizinhança" - leia-se: imperialismo e guerra cultural - entre os governos do Brasil e dos EUA. Mas para quem veio a uma missão diplomática, Welles foi mais lembrado por dar baile nos interesses do Estado Novo e passar boa parte dos dias tomando cachaça com Grande Otelo.
O documentário recém-lançado já inicia com a difícil missão de contar um épico bastante rasurado no cinema nacional. Nas mãos de Rogério Sganzerla, a vinda de Welles ao país foi abordada em Nem tudo é verdade (1986), Tudo é Brasil (1987), A linguagem de Orson Welles (1990) e O signo do caos (2003). Também através dos pernambucano Lírio Ferreira e do paraibano Amin Stepple, em That’s a lero-lero (1994), que ficcionalizou a passagem do diretor pelo Recife - algo que realmente aconteceu. Contudo, ao trazer ideias interessantes para a linguagem do filme e um olhar a partir do Ceará, A jangada de Welles consegue adicionar caldo a uma história tão gigante.
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Foto: Divulgação |
Como o próprio documentário pontua, o diretor americano foi então demitido da RKO, dando um fim fatal ao seu filme. E muito disso se deu pela sua própria motivação e autenticidade de buscar uma história verdadeira. Tudo isso muito pautado em justificativas racistas, sobre a forma como Welles preferiu filmar o povo brasileiro ao invés de abraçar as narrativas forçadas pelos governos.
A montagem brilha em diversos momentos, principalmente quando entrecorta cenas dos regimes nazifascistas com o filme Nosferatu (1922), dando o nó da coerência de entrecortar movimentos históricos à própria história do cinema. A qualidade e quantidade de materiais de arquivo do longa são exuberantes, parte de uma pesquisa intensa. Com vislumbres até experimentais, inclusive com uma inserção de texto em tela super "godardiana", o filme é um exemplo de como a montagem ajuda a criar conexões e novas relações entre histórias "não inéditas".
Entretanto, o que parece mais precioso no longa é sua possibilidade de se debruçar sobre a figura de Jacaré, que desapareceu na Baía de Guanabara durante as filmagens com Orson Welles. Ninguém entende ao certo como o desaparecimento se deu, o que rende até teorias da conspiração de que Welles levou Jacaré aos EUA. Contudo, o episódio foi seminal para o fracasso da produção. Um jangadeiro humilde, mas um poeta e homem comunicativo, Jacaré apelidou Welles a partir de um dos maiores peixes da região, a arabaiana. Esse cuidado se vê tanto na seleção das fontes locais, quanto na vontade de trazer, para o foco da vida e narrativa de Jacaré, a paisagem do Mucuripe e suas modificações através do tempo.
Ironicamente, o filme ganha exibição dias depois de Mank, novo filme de David Fincher sobre a autoria de Cidadão Kane (1941), clássico de Welles. Com trabalho de imagem anacrônico e utilizando dispositivos midiáticos diversos - do telejornal a um clássico do expressionismo alemão -, o documentário de Firmino e Petrus cumpre o papel de aumentar um ponto nessa história controversa. Da miséria no Governo Vargas à violência policial para ocupação da região e a especulação imobiliária, A jangada de Welles é o triunfo de um olhar pessoal, uma memória local, independente e insurgente, para uma história tão cristalizada.
Serviço
5ª Mostra Ambiental de Cinema do Recife
Quando: de 8 a 13 de dezembro de 2020
Onde: www.mare.rec.br
Quanto: Gratuita
Longas
Terça: A jangada de Welles (CE)
Quarta: Beco (PE)
Quinta: Castelos de terra (MG/França)
Sexta: Yãmiyhex: As mulheres-espírito (MG)
Sábado: Virou Brasil (MA/PE)
Curtas
Fazenda rosa (PE)
O malabarista (GO)
Enraizada (PE)
Exília (PE)
Viagem na chuva (GO)
Yá, me conte histórias (PB)
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