HISTÓRIA

Rosa e Silva X Dantas Barreto: A eleição que instaurou o caos em Pernambuco

Publicado em: 12/11/2020 12:00 | Atualizado em: 13/11/2020 23:02

Rosa e Silva (esquerda) e Dantas Barreto (direita), protagonistas do conflito (Foto: Arquivo DP)
Rosa e Silva (esquerda) e Dantas Barreto (direita), protagonistas do conflito (Foto: Arquivo DP)

Do pedido de recontagem de votos de Aécio Neves no Brasil em 2014 à recusa de Donald Trump a aceitar a derrota no pleito de 2020, o continente americano tem vivido episódios de tensão em disputas políticas. Há mais de 100 anos, quando o sistema eleitoral brasileiro estava longe de ser democrático, foi justamente uma eleição ocasionou um dos momentos políticos mais conturbados da história de Pernambuco: a disputa entre Rosa e Silva e Dantas Barreto para o governo estadual, em 1911. Acusações de fraude, depredações, conflitos armados e perseguições ocasionaram dias sombrios no Recife. Os tiroteitos chegaram ao Palácio do Campo das Princesas, quase assassinando o então governador Estácio Coimbra.

Quem ajuda a entender o contexto é o jornalista e escritor Leonardo Dantas Silva, que resgatou o episódio na obra 1900 - O Recife em três décadas, um original inédito ainda sem previsão de lançamento. "O estado era dominado pela habilidade do conselheiro Francisco de Assis Rosa e Silva, que foi vice-presidente de Campos Sales entre 1898 e 1902. Ele manobrava a política de longe. Nas suas constantes viagens à Europa, limitava-se a receber os seus correligionários em audiências reservadas no camarote do navio, mas tinha suas ordens religiosamente cumpridas. Indicava os seus candidatos ao Governo do Estado, Assembleia, Câmara, Senado, chefes de repartições e até comissário de polícia."

Em 1910, com a eleição do gaúcho Hermes da Fonseca para a Presidência da República, o prestígio de várias oligarquias acabou sendo prejudicado com a ascensão de militares. O general pernambucano Emídio Dantas Barreto era um deles. Nascido em uma família humilde de Bom Conselho, ele conseguiu ascensão no Exército ao participar da Guerra do Paraguai e foi empossado como Ministro da Guerra de Fonseca. É nesse cenário que chega a eleição para o Governo de Pernambuco, em 1911, nos moldes dos primeiros anos da República Velha.

Dantas Barreto foi escolhido pelos militares para o pleito contra Rosa e Silva, o grande representante da oligarquia política do estado. "As eleições acontecem no dia 5 de novembro de 1911. Dias depois, os dois grupos proclamavam-se vitoriosos. O Diario de Pernambuco, pertencente ao conselheiro, afirmara que Rosa e Silva obtivera 21.613 votos, contra 19.585 de Dantas Barreto, vencendo assim as eleições."

Capa do Diario de Pernambuco em 7 de novembro, anunciando a vitória de Rosa e Silva (Foto: Arquivo DP)
Capa do Diario de Pernambuco em 7 de novembro, anunciando a vitória de Rosa e Silva (Foto: Arquivo DP)

O grupo do militar não aceitou o resultado, acusando fraude. De acordo com texto de Semira Adler Vainsencher para a Fundaj, confrontos armados tomaram conta das ruas da Aurora, das Flores, Barão da Vitória e do Imperador e da Praça da Independência. "Muita gente morreu", diz Dantas Silva. A sede do Diario foi um dos alvos, o que fez o jornal deixar de circular por 14 dias. Seguiram saques, depredações e mortes. A companhia ferroviária da cidade paralisou trens e bondes, o comércio fechou, escolas suspenderam aulas após um tiroteio próximo do Ginásio Pernambucano, a polícia passou a revistar os transeuntes.

"No dia 12 de novembro, foi a vez do próprio Palácio do Governo sofrer um tiroteio que, por pouco, não tira a vida do governador Estácio Coimbra. Intranquilo, ele passou a despachar na Chefatura de Polícia, na Rua da Aurora”, conta Leonardo. "Os incidentes continuaram até que, em 28 de novembro, grupos populares apoiados pelo Exército atacaram quartéis da polícia, que só tiveram o caminho da rendição", continua. 

A política pernambucana (quase toda pró-Rosa e Silva) perdeu o controle da situação e a saída para grande parte foi fugir. "Estácio Coimbra fugiu pelos fundos do Palácio, na madrugada de 11 de dezembro, indo refugiar-se na sua propriedade, no município de Barreiros, o que motivou a intervenção federal no estado e a convocação do congresso para indicar o vencedor." O congresso estadual recontou os votos e reconheceu a vitória de Dantas Barreto por uma diferença de 1.164 votos.

A revolução armada encerrou o período do "rosismo", que dominava o governo do estado desde 1896, com a eleição de Joaquim Correia de Araújo. Segundo Leonardo, o "dantismo" marcou um período “cheio de esperança e otimismo para o povo pernambucano”. No entanto, a morte do jornalista Trajano Chacon, em 11 de agosto de 1913, assassinado a golpes de cano de ferro por membros da Polícia Militar, tornou-se um grande problema para o governo do general.

A circulação do Diario retornou para para anunciar a vitória de Dantas Barreto, mas foi interrompida até o começo de 1913, quando o jornal foi vendido ao coronel Carlos Lira. Rosa e Silva ficou no ostracismo até o fim do governo Hermes da Fonseca, mas foi reeleito senador em 1924 e morreu em 1929, sendo enterrado no Cemitério de Santo Amaro com honras de chefe de estado. Dantas Barreto faleceu em 1931. Ambos estão eternizados em duas importantes avenidas do Recife.

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