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Crítica: Em Tenet, Nolan aposta em quebra-cabeça narrativo e no espetáculo visual

Publicado: 29/10/2020 às 09:27

Um filme para se decifrar, com título em palíndromo e enredo de ficção científica e espionagem./Foto: Warner Bros./Divulgação

Um filme para se decifrar, com título em palíndromo e enredo de ficção científica e espionagem./Foto: Warner Bros./Divulgação

 
Um filme para se decifrar, com título em palíndromo e enredo de ficção científica e espionagem.
 
Em 2005, quando dirigiu Batman begins, o diretor britânico Christopher Nolan salvava a gigantesca e antiga parceria entre Warner Bros. e DC Comics. Os tempos não eram bons, mas seu impacto foi enorme não só para o gênero dos super-heróis, como para a forma de se fazer blockbusters. Em meio à pandemia de 2020, com seu nome já consolidado no cinema autoral, Nolan assumiu a responsabilidade de ser o "porta-estandarte" da reabertura dos cinemas - ou, como a mídia internacional categorizou, ser a "salvação das salas de cinema". Tenet, a nova trama de ficção científica e espionagem de Nolan e candidato a grande blockbuster desses tempos pandêmicos, estreia hoje, com algumas sessões no Recife, após meses de salas fechadas.

Tenet é um palíndromo - aquelas palavras que, lidas de trás para frente, formam o mesmo sentido. E isso sintetiza o conceito estético do filme. Estrelado por John David Washington, cujo personagem é membro de uma organização internacional envolvida numa "nova guerra fria", o longa mistura ação e espionagem em uma trama a princípio confusa, como de costume para o diretor. Sem dar "spoilers", o filme trabalha o mistério acerca de objetos que vêm do futuro, capazes de se mover em "entropia reversa", ou seja, ao inverso do usual, como uma fita tocada ao contrário.
 
O recurso científico e visual é apresentado em uma cena expositiva na primeira hora do filme, por uma cientista interpretada por Clémence Poésy. "Não tente entender, simplesmente sinta", diz. Exposição que já virou marca do diretor, e acompanha o filme durante boa parte, a cada plano ou apresentação de novo personagem. A trama se apoia nessa tecnologia do futuro, que dá movimento a uma rede de espionagem envolvendo a máfia ucraniana em um enredo bem 007. John D. Washington cumpre muito bem esse "estilo James Bond".

A ideia de Tenet é como um "puzzle", um jogo a ser descoberto. Foi com esse tipo de filme que o diretor ficou famoso, como em A origem (2010) e seus "finais explicados" e no "hype" de teorias de fãs. Certamente isso firmou um público engajado nos seus "filmes quebra-cabeça". Porém Tenet é o que faz isso mais despido de outra proposição. Às vezes parece até uma sátira aos vícios do seu criador, se levando a sério o tempo todo. 
 
É um filme que abre mão de muita coisa para cair de cabeça nessa ideia de jogo a ser desvendado. Os personagens são postos como peças para fazer isso funcionar: O Protagonista (John D. Washington) tem seu nome autoexplicativo, Neil (Robert Pattinson), de semelhanças físicas desconcertantes com o diretor, é quem tem o papel de explicar e saber demais as regras do jogo, e Kat (Elizabeth Debicki) é uma tentativa de vínculo emocional com uma história que acaba subdesenvolvida e genérica sobre uma mulher tentando proteger seu filho. A pegada sentimental e melodramática, que funciona em algum nível em Interstellar (2014), não existe em boa parte do filme e quando existe parece de forma muito opaca. 
 
Nolan filmando a cena de abertura em IMAX.
 
Nolan parece acreditar que a única maneira possível de ver Tenet é em uma sala de cinema, por buscar cada recurso do IMAX. É um filme de som bem alto, com uma trilha do sueco Ludwig Goransson, que às vezes parece te colocar dentro de um motor de carro de Fórmula 1. Outra questão são os recursos visuais na tela grande, um tipo de grande propósito dos recursos narrativos do filme. Os objetos em movimento reverso são legais, e as coreografias também. A virtude dos efeitos práticos de Nolan são bem reafirmadas no filme, como na explosão de um avião. Cada cena parece extremamente cara, e isso já faz parte dos gestos do próprio diretor, que hoje em dia é um dos poucos com moral para ter orçamento tão grandes e uma relação de forte confiança com o estúdio. 
 
Tenet é como um exposição crua da estrutura clássica dos filmes do diretor. Isso vai desde o nome metalinguístico do protagonista até a forma descarada como articula as cenas de pseudociência em prol dos efeitos visuais da ação. Acontece que o tamanho que ele toma tem um preço: tem proporções monumentais na sua bagunça e exposição. Mas a moral de Nolan parece muito direta nesse caso. Ele está pensando nas ameaças futuras, em um filme sobre objetos do futuro que vem atacar o presente. Um futuro que quer interromper o presente. Para todos os efeitos, Tenet é o blockbuster dos tempos epidêmicos, que tenta te impressionar através dos sentidos, esquecendo um tanto de alma.
 


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