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Agora, novo filme da pernambucana Dea Ferraz, investiga a força do gesto artístico

Publicado: 13/10/2020 às 11:00

O filme traz performances livres de artistas e ativistas dentro do quadro que a câmera é capaz de captar./Foto: Chico Lurdemir/Divulgação

O filme traz performances livres de artistas e ativistas dentro do quadro que a câmera é capaz de captar./Foto: Chico Lurdemir/Divulgação

 
O filme traz performances livres de artistas e ativistas dentro do quadro que a câmera é capaz de captar.
 
O cinema tem sempre um grande potencial como arte feita coletivamente. Potencial de criar diálogos, construir relações inimagináveis e de nos tocar em experiências extremamente individuais. "É um corpo coletivo, mas que respeita as singularidades", resume Dea Ferraz, ao falar de Agora, seu novo filme. O longa, uma espécie de instalação em caixa com performance, é o único pernambucano na mostra Novos Olhares, no 9º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, e tem sessão nesta terça-feira (13), no site oficial, com ingresso a R$ 5. Explorando a ideia de um dispositivo simples, uma caixa escura onde artistas podem livremente improvisar, o filme busca, em uma experiência de gestos individuais, um trabalho baseado na troca coletiva. A obra conta com diversos artistas recifenses como Flávia Pinheiro, Kildery Iara e Dante Olivier.
 
Como modo de fazer cinema e inquietação individual da autora, Agora surgiu em um contexto pós-eleições de 2018. Em pleno momento de crise de instituições, Dea se viu confrontada pela própria crise nas imagens e no ato de captá-las. "Fomos invadidos por tantas imagens, por todos os lados, numa disputa de narrativas. Eu me senti muito refém delas, e naquele momento eu não conseguia produzi-las. A pergunta central é: o que pode a imagem? Quando acabaram as eleições, muita gente entrou num grande estado de tristeza", pontua. A imagem de uma mulher em uma caixa despertou a ideia. "Ela queria me dizer o que sente com o corpo. E eu pensei que precisava filmar isso. Foi quando perguntei a Carol Virgulino se ela topava fazer esse filme comigo." Dessa "iluminação", surgiu um mote: como esses corpos, que sempre resistiram à violência e ao fascismo estão se sentindo nesse momento do país?

A pergunta é um exercício que traz as disputas entre o coletivo e o singular, reunidas em uma crença no cinema como forma de sobrevivência. No filme, isso surgiu desde o argumento inicial no modo de pensar e fazer um set de filmagem que não carregasse hierarquia. Criou-se um set como um processo horizontal de escuta com a ajuda de Lívia Falcão e Sílvia Góes. Mas essa pergunta que deu mote ao projeto não tem respostas fechadas. E isso é um dos grandes artifícios proporcionados pelo dispositivo simples de Agora: a força que cada um pode encontrar nos gestos expressos em tela.
 
 
 
O longa é uma investigação cinematográfica sobre os corpos e as expressões, que vão desde a dança contemporânea, mas que também passa por expressões da poesia, do canto e da música. Um certo tipo de gesto cinematográfico que, de alguma forma, já estava em outros trabalhos de Dea - principalmente em Câmara de espelhos (2016). "Agora é um filme sobre o que esses corpos dizem sobre nós mesmos. Tem um propósito muito forte de tentar resgatar uma ideia de sentir e uma ideia de presença. E nisso cria-se um jogo, com alguns termos, mas que ninguém sabe qual vai ser o resultado."
 
Esse filme-dispositivo foi feito sem financiamento e reuniu 13 artistas: Adelaide Santos, Cris Nascimento, Dante Olivier, Flávia Pinheiro, Joy Thamires, Kildery Iara, Lívia Falcão, Lucas dos Prazeres, Orun Santana, Raimundo Branco, Rosa Amorim, Sílvia Góes  e Sophia William. "A seleção dos nomes passou pelo critério de serem artistas ativistas. Fiz um levantamento dessas pessoas, também poetas, músicos e artistas do teatro. No fundo, queríamos falar de gente que vive da arte", pontua Dea. As linguagens acabaram sendo múltiplas em gravações intensas - desde a ideia inicial até o fim das filmagens, correram apenas 45 dias.

Em um momento de adoecimento coletivo por conta da pandemia do novo coronavírus, além da crise política e ascensão da extrema direita no mundo, o filme ganha toda uma nova possibilidade metafórica. Agora é uma espécie de encontro com a história de cada personagem. Também é um processo coletivo, que para muitos foi de cura através do cinema. "Eu comecei as filmagens super doente e limitada. Mas terminei as filmagens curada e, em algum lugar, eu voltei a acreditar nas imagens", finaliza Dea.
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