CINEMA

Mostra Ecofalante exibe Acqua Movie, novo filme do pernambucano Lírio Ferreira

Publicado em: 12/08/2020 14:37 | Atualizado em: 12/08/2020 15:22

Quinze anos após Árido movie, Lírio Ferreira faz uma "continuação espiritual" em novo longa. (Foto: Divulgação)
Quinze anos após Árido movie, Lírio Ferreira faz uma "continuação espiritual" em novo longa. (Foto: Divulgação)
 
 
A pandemia acirrou um momento de disputas do capitalismo com as questões sociais e ambientais. Pautando a arte como meio para tensionar essas questões, uma das vanguardas da discussão socioambiental através do cinema é a Mostra Ecofalante de Cinema, que chega à 9ª edição a partir de hoje, de forma inteiramente on-line. O festival tem debates e filmes já disponíveis no site ecofalante.org.br e na plataforma Spcine Play. Entre os oito longas na competição latino-americana estão dois pernambucanos: Estou me guardando para quando o carnaval chegar, de Marcelo Gomes, e o inédito Acqua movie, de Lírio Ferreira.

Quinze anos após o lançamento de Árido movie, Acqua movie é, de certa forma, uma “continuação espiritual”. O filme, que participou de festivais no fim do ano passado, mas não chegou a ser lançado comercialmente, é uma espécie da oposição ao longa de 2005, refletindo a modificação na paisagem nordestina. Pautado na relação de Cícero (Antonio Haddad) e sua mãe (Alessandra Negrini), o road movie faz uma incursão num Nordeste pós-transposição do Rio São Francisco, mas ainda não pacífico, marcado principalmente pelas disputas colonialistas do profundo Brasil: família, terra e coronelismo.
 
O filme adentra um Nordeste pós-transposição do São Francisco. (Foto: Divulgação)
O filme adentra um Nordeste pós-transposição do São Francisco. (Foto: Divulgação)
 

Com roteiro de Marcelo Gomes e Paulo Caldas, parceiros de longas datas de Lírio, o sexto longa do diretor pernambucano leva mãe e filho para Nova Rocha, município construído após as mudanças dos cursos da água afogarem a cidade original, também no Sertão do Pernambuco. O desaparecimento reitera uma própria vertigem histórica de Canudos, que hoje se encontra inundada. A missão é levar as cinzas do pai de Cícero, parente da família que governa a região há décadas.

Na paisagem sertaneja reconfigurada pela água, o filme apresenta certos problemas na edição e fotografia, que confunde em sua pouca coesão, junto aos diálogos muito pedagógicos e das elipses. Destaque para a cena submersa na Igreja do Sagrado Coração, da belíssima locação em Petrolândia.

A jornada em busca do descanso final de seu pai é, também, uma tentativa de partilhar uma intimidade e se reconectar com sua mãe. Impera um constante desentendimento na relação dos dois, que vai sendo trabalhada através do convívio em meio às adversidades da viagem. Mas entre as questões de conciliação afetiva da família branca, existe uma afetação pela situação socioambiental local, principalmente da questão indígena, que sobrevive na narrativa como uma instância transcendental e de cura, sempre ao lado do signo da própria água. Em Acqua movie, Lírio registra um gesto de revisitação que tem interesse em dialogar tanto com o próprio cinema do realizador, quanto com as questões do Brasil atual.  
  
Mostra Ecofalante
Além dos dois longas, a Mostra Ecofalante o festival exibe outra produção pernambucana, na categoria Médias e Curtas: Caranguejo rei, de Enock Carvalho e Matheus Farias. “A gente sempre admirou o cinema pernambucano, pela sua força crítica e inovação estética. Marcelo Gomes e Lírio são realizadores que acompanho desde o começo, e é legal ver ligados à mostra. Ano após ano, Recife tem participado, com muitos filmes de visão crítica da sociedade”, comenta o criador e diretor do festival, Chico Guariba, ao Viver.
 
Push: Ordem de Despejo é um dos filmes que abre o Festival. (Foto: Divulgação)
Push: Ordem de Despejo é um dos filmes que abre o Festival. (Foto: Divulgação)
  
 
Na categoria de clássicos, a curadoria buscou longas que dessem um panorama histórico da questão socioambiental no Brasil. Entre eles, Iracema - Uma transa Amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, Fronteira das almas, de Hermano Penna, e Brasil S/A, de Marcelo Pedroso.

Levando mais de 80 mil espectadores e 20 mil participantes de debates todos os anos, o evento costuma ocupar cerca de 40 espaços por toda a cidade de São Paulo. Neste ano, o projeto realiza versão remota e reduzida, inclusive pela redução no financiamento público. Em nove anos da mostra e 18 anos de atuação da ONG Ecofalante, Chico conta como o projeto se reconfigurou em torno das mudanças no debate socioambiental do país. “O debate começa forte na Conferência do Rio de 92. Em 2002, temos o auge da discussão, e a ONG surge. Depois, a questão deixou de ser uma pauta, apesar do crescimento de um ativismo. Em seguida, nos anos 2010, volta a ser pauta na mídia, mas não nas políticas públicas. Agora a pandemia também traz um resultado disso, dessa forma de acelerar a sociedade e que agora chegou uma conta nada agradável. E ela é sempre paga pelos mais pobres”, afirma Guariba.
 
Competição de longas
A jangada de Welles (Brasil, 2019), de Firo Holanda e Petrus Cariry
Acqua movie (Brasil, 2019), de Lírio Ferreira
Amazônia sociedade anônima (Brasil, 2019), de Estêvão Ciavatta
Deus (Chile, 2019), de Christopher Murray, Josefina Buschmann e Israel Pimentel
Estou me guardando para quando o carnaval chegar (Brasil, 2019), de Marcelo Gomes
Indianara (Brasil, 2019), de Aude Chevalier-Beaumel e Marcelo Barbosa
Soldados da borracha (Brasil, 2019), de Wolney Oliveira
Suspensão (Colômbia, 2019), de Simón Uribe
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL