Diario de Pernambuco
Busca

DIA MUNDIAL DO ROCK

Fora das paradas, rock continua em renovação; confira quatro bandas recifenses

Publicado em: 13/07/2020 09:41 | Atualizado em: 13/07/2020 11:07

 
Rock encontra renovação em novas bandas independentes do Recife. (Foto: Divulgação/João Augusto/Sophia Lautert)
Rock encontra renovação em novas bandas independentes do Recife. (Foto: Divulgação/João Augusto/Sophia Lautert)
 
 
No final dos anos 1940, o rock surgiu como uma bandeira existencial para jovens em todo o mundo. Partindo da influência de músicos negros e gêneros como blues, R&B, gospel, além do country, surgiu como uma espécie de provocação, mas também com uma série de comportamentos, desejos e ideias. Não demorou muito para chegar ao Recife, importado ainda nos anos 1950, causando fervor entre os jovens, autoridades policiais e a mídia. "O rock’n roll tem esse poder de entrar no corpo dos jovens e provocar reações de drogas. É um opium musical que ataca os nervos, o coração, a consciência", diz matéria do Diario da Noite, publicada em 3 de outubro de 1958.

No impacto inicial, muito mais influência do cinema e de Hollywood do que necessariamente do som. Mas logo as primeiras bandas locais foram surgindo, tocando em palcos como os do Aeroclube, em Boa Viagem, e do Clube Náutico Capibaribe, nos Aflitos. Relatos dos primeiros anos do rock na capital estão no livro A chegada do rock no Recife nos anos 1950 (Editora UFPE), de Ebis Dias e Fabiana de Oliveira.

Nas décadas seguintes, o rock fez parte ativa e foi incorporado pela música brasileira e pernambucana, muito através da cultura popular: nos anos 1970, com a psicodelia nordestina; na década de 1980, numa relação mais forte com o metal; e nos anos 1990, através do manguebeat, além de festivais como Abril Pro Rock e Rec-Beat. A produção sempre foi muito diversa e não há uma corrente unificada nesses movimentos, como outras cenas que, nos anos 1990, aconteciam simultâneas ao manguebeat, seja de hardcore ou metal. Mas sua história foi interrompida? Trata-se agora de um mero gênero envelhecido?

Há cinco anos que as vendas das guitarras, que geração após geração acompanham o gênero, estão em constante queda. Segundo dados da Associação Nacional da Indústria da Música (Anafima), entre 2012 e 2017, a importação do instrumento caiu 78% no Brasil. O gênero alcançou sua glória na mídia mainstream nos anos 1990, com o surgimento da MTV e no auge do rock de arena. Nos anos 2000, já era assunto consolidado quem seriam seus potenciais salvadores, em meio ao debate de que o gênero estaria morrendo ou no ápice de seu envelhecimento.
 
 (Foto: Life's Too Short/Reprodução/Facebook)
Foto: Life's Too Short/Reprodução/Facebook
 
 
Para Adriana Amaral, pesquisadora e professora de comunicação da Unisinos, a fase atual é mais uma dos diversos momentos do rock. Mesmo com uma reconfiguração do público com o passar dos anos, o choque e o binarismo entre novo e velho vêm de própria origem inerentemente ligada à juventude. "A primeira coisa é o contexto do surgimento do gênero no pós-guerra. O rock traz essa ideia da juventude ligada ao consumo, não só ao som, mas trazendo a questão do cinema, do rádio e do vinil, na questão das roupas."

Assim como qualquer cultura, o público e o gênero não se mantiveram estáveis, passando por várias reconfigurações, entre elas a atual, muito mais dividida entre o "circuito clássico" e o "circuito independente". "Tem a questão dos envelhecimento dos próprios artistas e do modelo de mercado firmado por eles. A coisa pós-Napster e da internet também fez com que muitas pessoas se adaptassem", pontua.
  
Certamente, o cenário independente do rock foi o que melhor conseguiu se repaginar e comunicar, encontrando uma outra relação com o público jovem. Enquanto grandes gravadoras, festivais e instituições como o Rock In Rio conseguiram manter junto deles um público que outrora era jovem, na linha de frente da atuação fonográfica grupos mais desligados de setores empresariais tiveram mais chance de surgir de forma espontânea, dentro das demandas de um novo público.  O próprio momento político também consegue redimensionar a volta de um poder de crítica de grupos independentes, como foi a polêmica envolvendo o Facada Fest, de Belém, no Pará, com cartazes críticos a Jair Bolsonaro.
  
A produtora recifense Life’s Too Short vê no discurso clássico do rock um desentendimento com as demandas atuais. "O rock já foi um gênero bem machista, representado por pessoas brancas e, às vezes, com um discurso bem irrelevante. Aí acaba sendo meio que natural a galera não se identificar mais, saca?", crítica Mateus Cabral, produtor do selo.  Mas é justamente na possibilidade de chegar de formas mais intimista e agregando diversos setores que a música independente se fortalece e se relaciona com as questões sociais e existenciais de um público jovem. "Acredito que é possível porque hoje em dia não é só sobre música, é uma troca também. Tem a questão da experiência. Se comunicar melhor é trazer outras paradas para agregar junto da música."

Quatro novas bandas para acompanhar:
 
 
DIABLO ANGEL (indie rock e desert rock)
A banda surgiu em 2014, formada pela vocalista e guitarrista Kira Aderne com o guitarrista Tárcio Luna e o baterista Walman Filho. No último álbum, Futuro, há uma forte influência do noise-rock e do desert rock agrestino - o grupo se divide entre Recife e Caruaru. "Foi uma mistura de referências. Sempre quis fazer um disco com várias nuances e trazer uma variedade musical. Pensando nessa coisa de que vivemos em um mercado de singles, mas mesmo diverso em sonoridades, elas têm uma coerência entre si", explica Kira. Para ela, o rock continua sendo plataforma de protesto político e ganha uma nova dimensão em um momento de ameaça da democracia. "O rock está voltando para um underground, que é de onde ele veio."
 
 

RUÍNA (sludge metal e crust hardcore)
A Ruína foi criada em 2017 na intenção de mesclar sons pesados, entre o hardcore e o metal, com referência de noise e do industrial. O grupo é formado por Zé Carlos no vocal, Lucas Guedes na guitarra, Mateus Ramgund no baixo e Rodrigo Santos na bateria. "Mesmo baseado no metal e hardcore, a gente considera que fazemos as versões extremas do rock. Tanto que as bandas no começo se misturavam, mas a música extrema no geral herdou tudo do rock, inclusive o arquétipo", explica Lucas. Esse som está presente no disco Autofagia, de 2018. "O rock sempre teve histórico de um gênero questionador, e o público se relacionava com o que diziam os artistas. Digamos que o rock tem perdido força também por ter sido incorporado por ambientes elitizados e conservadores", opina Rodrigo Santos.
 
 
KALOUV (pós-rock e rock alternativo)
Prestes a completar dez anos, a Kalouv surgiu de uma junção de outras bandas: uma de metal e outra de MPB. Nasceu do interesse em comum por grupos como Mogwai e Explosions in the Skies, jazz e trilhas sonoras e é influenciada pelo post-rock, com um som instrumental. É formado pelos guitarristas Saulo Mesquita, Matheus Araújo e Túlio Albuquerque, pelo baixista Basílio Queiroz, pelo tecladista Bruno Saraiva e pelo baterista Rennar Pires. "No primeiro release que fizemos da Kalouv, eu descrevi a banda como uma trilha sonora para a vida cotidiana", relembra Túlio.

O último disco, Elã (2017), foi gravado em um sítio em Carpina, de forma bem rústica, misturando pós-rock, psicodelia e sonoridades de videogames. "No projeto desse disco, a gente se perguntou ‘qual a nossa primeira referência de música instrumental?’ E a gente começou a relembrar muitas músicas de videogame, como Zelda", explica. "O rock não envelheceu mal, talvez parte do público", pontua.
 
 
TORRE (indie rock e rock alternativo)
A banda Torre surgiu em 2017 com proposta de transformar o que pode ser criado a partir dos instrumentos clássicos: baixo, guitarra e bateria. "A partir do momento que novas bandas estão surgindo e dando uma cara nova para o som, ele não envelhece, mas se apresenta de outras formas",  explica o baixista Danilo Sousa, que toca com Felipe Castro (voz e guitarra), Antônio Novaes (guitarra e synth) e Vito Sormany (bateria).
 
Em 2019, a banda lançou o segundo disco, Pág. 72, desdobramento do álbum inaugural, Rua ii, com integração mais clara de outros instrumentos como trompete, violino e clarinete. "A nossa relação com o rock é bem íntima, porque está bem presente nas nossas influências. As guitarras distorcidas e os compassos estão muito presentes. Mas também muito além do som, nesse estilo de vida, no de se posicionar e ir contra muita coisa", pontua.  
 

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL