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Psicose, responsável por reconfigurar cinema mundial, completa seis décadas

Publicado: 15/06/2020 às 12:39

Cena do assassinato da secretária Marion Crane (papel de Janet Leigh) é uma das mais famosas do cinema/Foto: Universal Pictures

Cena do assassinato da secretária Marion Crane (papel de Janet Leigh) é uma das mais famosas do cinema/Foto: Universal Pictures

Cena do assassinato da secretária Marion Crane (papel de Janet Leigh) é uma das mais famosas do cinema

Quando lançado, em 1960, Psicose gerou enormes filas e burburinho entre a crítica. Mas do que é feita uma obra-prima do cinema? Amanhã, o longa de Alfred Hitchcock faz aniversário de 60 anos e continua a mostrar como nenhum outro os caminhos tortuosos que o tornaram um dos maiores clássicos da sétima arte. Baseado no livro homônimo de Robert Bloch, Psicose é uma dessas obras que vieram para reconfigurar o cinema mundial, desses que quebram recordes de bilheteria e estabelecem um novo cânone de narrativas audiovisuais. Hitchcock já era um gigante e apostava suas fichas no filme, confiava no projeto, que marcou para sempre sua carreira.

Diferente de seu filme anterior, Intriga internacional (1959), cujo orçamento foi na casa dos US$ 4 milhões, Psicose conseguiu cerca de US$ 800 mil da Paramount. Isso mais os direitos do livro, que custaram a bagatela de US$  9,5 mil, muito pouco para o preço de se adaptar um livro por um grande estúdio. Essa desconfiança no projeto vinha depois de o diretor abortar outros dois filmes, Flamingo feather e No bail for the judge.

Com menos recursos, Hitchcock decidiu usar as câmeras e películas em preto e branco utilizadas em sua série de TV, filmando o longa em outro estúdio e com financiamento próprio. Acontece que a história fez com que os desconfiados executivos mordessem as línguas: o filme arrecadou cerca de US$ 50 milhões, o mais lucrativo da carreira do diretor.

Norman Bates é uma figura que evoca um macabro quase sobrenatural

O filme é centrado na secretária Marion Crane (papel de Janet Leigh), que vai parar em um motel de beira de estrada depois de roubar dinheiro do seu trabalho. Em uma noite chuvosa, após um longo dia de fuga, ela decide parar no Bates Motel, onde é recebida por Norman Bates, interpretado assombrosamente por Anthony Perkins. É difícil alguém dizer que não sabe o que acontece com a moça, já que a cena do assassinato no banheiro é uma das mais famosas da sétima arte, que habita nosso imaginário como nenhuma outra. E foi justamente ela que, na leitura do livro, fisgou o diretor.

Reza a lenda que a cena demorou uma semana inteira para ficar pronta, com sete câmeras e 50 cortes em 3 minutos. Logo de início, a Paramount teve medo da ideia. Uma protagonista que morre no meio do filme, um assassinato violento em um banheiro... Era preciso a assinatura de alguém para seu possível fracasso ou de alguém que fizesse dar certo.

Muito do sucesso do filme se deu também pelo marketing. Existiam pôsteres em que Hitchcock recomendava que quem chegasse atrasado não poderia entrar para ver o filme e uma campanha anti-spoiler. São elementos que fazem parte do suspense, e Hitchcock e o roteirista Joseph Stefano sabiam desse poder. Mas esse tipo de campanha em prol da “experiência do filme” não era algo muito da Hollywood daqueles tempos.


De sua influência para a Nova Hollywood, Psicose foi um dos principais responsáveis pela cristalização do gênero de horror slasher, aquele com serial killers. Como bem definiu Joseph, o filme é uma espécie de incorporação do “medo do vizinho”. Norman Bates é essa figura do medo mundano, de figuras tão humanas que poderiam estar ao nosso lado, mas ao mesmo tempo evocam um macabro quase sobrenatural. Talvez uma das melhores homenagens diretas ao filme seja Halloween, de John Carpenter, que presta uma saudação a essa figura e, muito influenciado pelo clássico dos anos 1960, dá o ponto de partida para esse gênero. Para além do cinema de horror, foi um dos filmes precursores da Nova Hollywood, junto com Sombras, de John Cassavetes.  

A cena célebre de Psicose, com nudez e violência, recebeu censura da Production Code, e muitos críticos na época a consideraram muito ousada, exagerada ou tosca. Mas Hitchcock esperava que a audiência estivesse madura para isso. E estava: o filme foi um sucesso de bilheteria e conquistou a crítica, principalmente entre uma cinefilia jovem muito interessada nos traços modernos da obra.

A revista Cahiers du Cinema ainda vendia de forma modesta na época, mas desde que foi à França para filmar Ladrão de casaca (1955), Hitchcock foi bem quisto pelo grupo de François Truffaut, Jacques Rivette e Jean-Luc Godard. Não à toa, em 1954, ele ganhou uma edição inteira da revista, repleta de elogios. E com Psicose não foi diferente, aqueles que vieram a ser os grandes cineastas e críticos de uma geração ficaram atônitos com o filme.

A trilha sonora, quase uma ancestral da sonoridade clássica de filmes como Tubarão, é também um dos pilares que constroem a sensação de desconforto, vulnerabilidade e violência. O arranhar de violinos foi composto por Bernard Herrmann com o título The murder (O assassinato). Hitchcock não tinha intenção de deixar a cena acompanhada por música, mas felizmente mudou de ideia.

PSICANÁLISE
O filme ganhou muitas leituras psicanalíticas: o filho que é a mãe, a vulnerabilidade da nudez. Mas também a perversidade por trás do comum, o macabro na face de um homem com todos os requisitos para ser lido pela sociedade como um “cidadão de bem”.  Um homem que tem preso em sua mente a figura materna, que ele mesmo matou por ciúme de uma relação amorosa com um homem. Na cena final, descobrimos o cadáver de sua mãe escondido no porão, uma espécie de profundeza da mente do assassino.

Sobre a secretária, o próprio diretor disse: “Marion tinha decidido voltar para Phoenix, voltar limpa e assumir as consequências, quando ela entra na banheira é como se ela estivesse entrando nas águas do batismo. A água desce e purifica a corrupção da mente dela, eliminando o mal em sua alma. Era como se ela fosse virgem novamente, tranquila e em paz”. A cena se perpetua em paródias e referências até hoje por ser tão controversa e imersa nessas atmosferas tensas. Mesmo 60 anos depois, o texto impecável e esse nervoso que faz o coração bater mais rápido se perpetuam até hoje.

Sequências jamais à altura do clássico
Bates Motel

Depois que Hitchcock morreu no ano de 1980, aos 80 anos, foram feitas três sequências do filme, nenhuma delas com apelo próximo ao da original. A primeira foi Psicose II (1983), quando Norman Bates é solto depois de 22 anos em uma clínica. Os outros dois foram lançados em 1986 e 1990, sempre com Anthony Perkins no papel de Norman. O ator morreu em setembro de 1992, em Los Angeles, aos 60 anos, vítima de Aids.

Outra produção derivada de Psicose é Bates Motel, da rede A&E. A série, lançada em 2013, é um prólogo, que mostra a vida de Norman, com 17 anos, e sua mãe antes dos eventos de Psicose. Desde a compra do motel até o relacionamento da mãe de Norman são retratados na série, que conta com Freddie Highmore como Norman Bates, e Vera Farmiga como Norma Louise Bates.

A versão derivada mais controversa do filme até hoje é Psicose (1998), remake dirigido por Gus Van Sant. Com elenco com atores como Vince Vaughn, Julianne Moore e Viggo Mortensen, o longa é um versão plano por plano do clássico, dessa vez colorido e sem a trilha sonora original. Uma das polêmicas foi em relação a uma cena adicional de masturbação, e um Norman Bates definido pela crítica da época como “escancaradamente homossexual”.

O clássico de Hitchcock também virou uma instalação artística chamada 24 hour psycho, criada por Douglas Gordon em 1993. O trabalho é uma versão de Psicose desacelerada para dois frames por segundo, ao invés dos 24. O vídeo tem então um total exato de 24 horas, contra 109 minutos do original.

Assista ao trailer de Psicose:

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