CINEMA

'É um filme atemporal', diz Cláudio Assis sobre Piedade, filme disponível online

Publicado em: 19/06/2020 08:43 | Atualizado em: 19/06/2020 12:52

O filme está disponível até a meia noite da sexta-feira (19). (Foto: Divulgação)
O filme está disponível até a meia noite da sexta-feira (19). (Foto: Divulgação)
 
Em 1985, com o fim da ditadura militar, a efervescência do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) representou um capítulo importante para o cinema nacional. Um vislumbre de retomada, mesmo que lenta, da produção profissional no estado. O filme Baile perfumado (1996), dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas, é visto como um marco zero desse momento. O longa remete diretamente às atividades do Vanretrô, formado na época por, além da dupla citada, nomes como Adelina Pontual, Samuel Paiva e Cláudio Assis. O grupo que edificou a cena, agora assiste ao desmonte das conquistas. Hoje, no Dia do Cinema Brasileiro, num misto de celebração, aflição em relação ao futuro e adaptação aos novos tempos de pandemia, uma obra de um membro desta turma será disponibilizada ao público: Piedade, novo trabalho de Cláudio Assis. O longa abre hoje o Festival de Pré-Estreias Online do Espaço Itaú de Cinema, e terá exibição gratuita até meia-noite no site: itaucinemas.com.br/espacoitauplay.
 
Todos os filmes da programação, à exceção de Piedade hoje, ficarão disponíveis por 48 horas no site do Espaço Itaú de Cinema, ao preço de R$ 10. Do valor, 20% será destinado à APRO (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais).

O longa pernambucano se passa na cidade fictícia de Piedade e foi filmado na cidade do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, de frente para o Porto de Suape. Nessa paisagem que oscila entre a força do capital e a natureza exuberante, moram Dona Carminha (Fernanda Montenegro) e o filho, Omar (Irandhir Santos). Os dois comandam um bar que outrora era ponto turístico e local do cotidiano de pescadores, mas que, após os impactos ambientais causados pelo porto, não conseguem mais pescar. Por conta da poluição e dos tubarões, de forma irônica e cruel, são obrigados a comprar o próprio peixe. O ponto se tornou então o objeto de interesse de Aurélio (Matheus Nachtergaele), executivo da empresa Petrogreen, interessado em comprar o lugar e indenizar os moradores.
 
A partir do argumento e direção de Cláudio, com o roteiro de Hilton Lacerda, a história ganha contorno pessoais com a vida do diretor. “São exemplos que estão aí na sociedade. São baseados em fatos, mas é uma história fictícia. Faz parte do meu universo. No fim, eu dedico o filme à minha mãe, que fez parte disso. Mas é uma história comum que está acontecendo a toda hora”, diz Assis, em entrevista ao Viver. A história também nos apresenta Sandro (Cauã Reymond), proprietário de um cinema pornô em Piedade, que é um irmão perdido de Omar, inspirado na relação de Cláudio com o irmão que procurou durante boa parte de sua vida.
 
 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação
Piedade foi rodado em janeiro de 2017, mas passou por caminho tortuoso, principalmente por conta do AVC que acometeu Cláudio na pós-produção. Depois da estreia aclamada no Festival de Brasília no fim do ano passado, o lançamento nos circuitos comerciais estava previsto para abril deste ano, mas foi adiado por conta da pandemia do novo coronavírus. “Mesmo com esses adiamentos, é um filme atemporal. A gente não se preocupa com a data, ele vai lidando com as coisas que estão acontecendo naquele momento”, avalia o diretor. Na estreia em Brasília, a questão ambiental estava em evidência, pelas manchas de óleo no litoral nordestino. “Essa relação pontual fez muito sentido, mas esse é um filme que trata mais de uma vivência, que acontece no Cabo. De uma questão ambiental e social, que existe faz tempo e está acima dessas coisas todas.”

Mais do que qualquer outro trabalho de Cláudio, Piedade é um filme com muitas falas, o que deixa espaço para os atores respirarem e inventarem em cima do texto. “Estava procurando uma atriz espanhola para o papel de Carminha, porque minha mãe tem essa origem espanhola. Mas Matheus conseguiu me pôr em contato com Fernanda Montenegro e, para a minha surpresa, ela falou: ‘Cláudio? Na hora!’", revela o diretor, aos risos. "Quando eu estava conversando com ela em uma livraria no Rio de Janeiro, por um acaso Cauã Reymond apareceu, e eu acabei chamando ele na mesma hora.  Foi maravilhoso! Matheus e Irandhir, não preciso falar nada. Quando faço alguma coisa, eles têm que estar juntos.”  
 
Em Piedade, num deslocamento de uma paisagem urbana, como em Amarelo manga (2002) e Febre do rato (2012),  somos apresentados a um vilarejo, um cinema e uma rede de relações que são trincheiras para esses personagens. A cidade é uma espécie de berço e o fim da utopia, certamente com seus contornos saudosistas. O longa evidencia também um ponto de culminação para esse cineasta que ajudou a fundar uma cena. É uma cristalização ou consolidação do cinema pernambucano como um arranjo de temáticas e estéticas. O que, ao passo que firma sua proliferação, pode ser perigoso por repetir convenções criadas pela própria cena, que, mais do que nunca, apresenta uma produção bastante diversa.

Ao fim do filme, é difícil não lembrar também do último roteiro de Hilton Lacerda, Fim de festa (2020), que de algum modo fala dessa fratura “ressacada”, saudosista e pessimista das utopias de seus personagens. “São coisas que são vividas por muitas pessoas e não são contadas. São coisas invisíveis para os olhos das pessoas”, comenta Assis. Mas é na desestabilização dessas utopias que mora os gestos de Cláudio ao fazer o filme e da realidade do próprio cinema nacional. “É uma loucura, porque quando eu comecei, a gente não tinha um concurso de curta-metragem do governo do estado, e a gente lutou muito pra fazer Baile perfumado. Foi uma loucura a gente fazer aquele filme. As coisas melhoraram, cresceram, e a gente evoluiu. Quando eu vejo agora desmoronando, tudo é uma loucura. A gente luta, luta, luta... e as coisas simplesmente vão embora. Mas não dá pra parar de lutar. A luta é constante enquanto houver vida.”
 
Destaques Festival de Pré-Estreias Online do Espaço Itaú de Cinema
SEGUNDA (22)
A febre, de Maya Da-Rin

QUARTA (24)
Querência, de Helvecio Marins Jr

QUINTA (25)
Pacarrete, de Allan Deberton
Liberté, de Albert Serra

SÁBADO (27)
Viver para cantar, de Johnny Mo

DOMINGO (28)
Mangueira em dois tempos, de Ana Maria Magalhães 
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