Diario de Pernambuco
Busca

literatura

Biografia de Lia de Itamaracá é costurada pela trajetória da ciranda em Pernambuco

Publicado em: 13/05/2020 11:20

 (Foto: Bruna Costa/Esp.DP FOTO)
Foto: Bruna Costa/Esp.DP FOTO

Para coroar uma trajetória marcada por dificuldades e conquistas, do trabalho como merendeira ao sonho concretizado de se tornar uma artista reconhecida, a cirandeira Lia de Itamaracá teve a história e carreira musical narradas na biografia Lia de Itamaracá: Nas rodas da cultura popular. O livro, escrito pela jornalista pernambucana Michelle de Assumpção e editado pela Cepe, será lançado nesta quinta (14), às 17h30, em evento on-line no Instagram (@cepeeditora). O encontro terá bate-papo entre a autora e o editor da Cepe, Diogo Guedes. A publicação é o quarto título da Coleção Perfis, que já apresentou as biografias do artista plástico José Cláudio, do xilogravurista J.Borges e do ex-prefeito de Olinda Germano Coelho, falecido no último dia 15 de abril.

“Lia é uma artista que acompanho desde minha estreia como repórter de cultura no Diario de Pernambuco, há 20 anos. Já a tinha entrevistado por diversas vezes”, relembra Michelle. A jornalista diz que, desde o convite da Cepe, em agosto de 2018, sentiu o peso da responsabilidade de escrever a história sobre uma das artistas populares mais importantes da geração. “Eu me fiz a seguinte pergunta: que contribuição maior eu poderia dar, além de apenas reunir os principais fatos, discos, projetos, muitas dificuldades e outras tantas conquistas de Lia?”, questionou.

O passado de Lia, o trabalho como merendeira em uma escola pública e a vida mais íntima foram revisitados pela cirandeira e pela jornalista durante longas horas de conversas. “Lia é mais fechada, e foi interessante também esse processo de tentar penetrar em seu universo particular. Um obstáculo vencido a partir de entrevistas que fui fazendo com Obra será lançada com bate-papo on-line no Insta entre a autora, Michelle de Assumpção, e o editor da Cepe, Diogo Guedes pessoas próximas, que foram me dando não só informações sobre a vida de Lia, mas também me ajudando a criar uma conexão entre a trajetória da cirandeira e questões pertinentes sobre a cultura popular de Pernambuco”, ressalta a autora.

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação

A narrativa conta a história de Lia ao mesmo tempo em que refaz a trajetória da própria ciranda como manifestação cultural em Pernambuco. “Não me ative só a contar a história de Lia, mas contextualizá-la dentro da história da própria manifestação. Lia não surge no cenário da música independente de qualquer movimentação, pelo contrário, o Festival de Ciranda do Recife, que a lançou para o grande público, recebia dezenas de cirandeiros, vindos de todos os bairros e regiões do estado. A ciranda bombava em Pernambuco. Alguns desses, como Mestre Baracho, eram altamente conceituados pelos folcloristas e pela mídia de então”, explica.

No livro, também são elencados personagens importantes que vieram antes dela como Mestre Baracho e Dona Duda, além de cirandeiros contemporâneos de Lia e os da nova geração. “Sabemos pouco da história dos nossos mestres e mestras, e sobre as manifestações que eles representam. Então, contar a trajetória desta que é uma das mais importantes artistas populares brasileiras, dentro deste contexto maior, acredito que seja a grande contribuição do livro”, destaca.

A maior dificuldade para Michelle foi resgatar a história da ciranda, porque ainda há poucos escritos sobre o assunto. “Não existe muita bibliografia, o que me ajudou bastante foi o Inventário da Ciranda, produzido pela Associação Respeita Januário. Além das matérias antigas de jornais como o Diario, desde os anos 1960 até os anos 1980, e os escritos do Padre Jaime Diniz das décadas de 1950 e 1960”, conta. As pesquisas da jornalista permitiram que o livro fizesse importantes correções da história de Lia, como o seu encontro com a ciranda. “Ao contrário do que já foi muito divulgado, Lia, que adorava cantar quando menina, não cresceu ouvindo ciranda. A ciranda, por sinal, uma inegável marca identitária da ilha, só chegou a Itamaracá pela voz e mãos da própria Lia, no final da década de 1970”, ressalta a escritora.

O passado de Lia, como os tempos de merendeira em escola pública, é revisitado na obra (Foto: Leo Caldas/Divulgação)
O passado de Lia, como os tempos de merendeira em escola pública, é revisitado na obra (Foto: Leo Caldas/Divulgação)

O livro conta como Maria Madalena Correia do Nascimento ficou conhecida como Lia nos anos 1960, depois que a cantora Teca Calazans, incorporando versos de Antônio Baracho cantados pela cirandeira, acrescentou: “Esta ciranda quem me deu foi Lia, que mora na Ilha de Itamaracá”. “A criação do mito Lia de Itamaracá a partir de uma canção foi, para mim, um grande desafio. Tive medo de contradizer o que a própria artista sempre afirmou sobre a composição. Acredito, no entanto, que encontrei uma resposta justa para o dilema, ou a polêmica, como a própria Lia se refere ao fato.”

Em 2019, aos 75 anos, Lia de Itamaracá lançou o disco Ciranda sem fim, através do edital Natura Musical, e quebrou um hiato de sete anos sem produções musicais. No mesmo ano, a artista foi reconhecida como doutora honoris causa pela UFPE, tornou-se tema de livros, atuou no premiado filme Bacurau, apareceu em programas de TV nacionais e até inspirou grife de moda-praia. “Lia conquistou novos mercados, dialogou com outros gêneros. Tudo isso sem deixar de ser cirandeira, sem sair da ilha, sem deixar de ser representante dessa cultura.”
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL