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Trajetória do ator Babu Santana reflete associação dos negros ao estigma de violência

Publicado em: 13/04/2020 11:19 | Atualizado em: 13/04/2020 11:31

No ar no reprise da novela Novo mundo, Babu Santana vive jagunço Jacinto (Foto: Globo/Divulgação)
No ar no reprise da novela Novo mundo, Babu Santana vive jagunço Jacinto (Foto: Globo/Divulgação)

Assaltante, arrombador de carros, capanga, bêbado, traficante. Ao pensar nesses personagens em novelas e filmes, é comum relacionar as imagens a uma figura: um homem alto, truculento, mal-encarado, periférico e negro. Com uma filmografia que registra mais de 40 filmes e mais de 15 novelas, foi assim a maioria dos papéis interpretados pelo ator Alexandre da Silva Santana, mais conhecido como Babu. Ele tem conquistado grande notoriedade como um dos favoritos na disputa do prêmio de R$ 1,5 milhão no Big Brother Brasil 20. Na novela Novo mundo, uma reprise da TV Globo em cartaz, Babu interpreta o jagunço Jacinto, capataz de Sebastião, responsável por realizar trabalhos sujos. A trajetória do artista serve como exemplo para refletir sobre a associação entre a violência e a imagem dos negros em grande parte das produções audiovisuais.

De acordo com a doutora e professora da Universidade Federal do ABC, em São Paulo, Luciana Xavier, que pesquisa cultura e identidade negra no Brasil, a questão racial alavanca outros problemas. E faz com que o público majoritário construa um estranhamento e não validação nos trabalhos desenvolvidos por um artista negro. “Há até uma rejeição em pensá-lo como um sujeito passível de praticar a profissão com talento e qualidade, pois a atuação é um campo absolutamente calcado em padrões e privilégios estéticos, raciais e de faixa etária, e a reprodução de determinados padrões e narrativas apresentam o negro como inferior, criminoso, selvagem, menos humano, incapaz ou coadjuvante, menos importante e servil”, pontua.

Para Luciana, há uma série de atributos, discursos e narrativas baseada no racismo estrutural e na hierarquização racial que delineia a história do Brasil desde a escravidão. “Socialmente, o negro é alijado, obrigado a ocupar locais de marginalidade e exclusão, em várias esferas do mercado de trabalho, território, classe social. Então, não seria diferente na produção artística televisiva, cinematográfica e midiática em geral. Além da ausência de negros em locais de poder dentro do aparato de produção midiática, fator determinante para a manutenção do cenário”, explica. “Então, as mesmas histórias de brancos, com pontos de vista brancos, são contadas e repetidas exaustivamente, e dificilmente isso irá mudar se pessoas negras não estiverem participando ativamente de todas as etapas da produção”, destaca.

Em conversas na casa do Big Brother Brasil, o ator já falou diversas vezes sobre como teve que enfrentar o racismo ao longo da carreira e as dificuldades de ser um homem negro periférico atuando como artista. A pesquisadora Luciana ressalta, ainda, que Babu sofre discriminação e preconceito não apenas por ser um homem negro. “Ele possui uma beleza que foge a todos os padrões hegemônicos da estética branca tradicional. Ele é um homem gordo, de meia idade. Então são várias camadas de preconceitos e interdições que fazem com que seu trabalho seja invisibilizado, e que vão além da raça, e podemos pensar que atinge a questão da classe, da faixa etária, do padrão corporal, entre outras esferas”, explica.

Em I love Paraisópolis, Babu interpretou o contraventor Jávai. (Foto: Globo/Divulgação)
Em I love Paraisópolis, Babu interpretou o contraventor Jávai. (Foto: Globo/Divulgação)

BABUÍNO

Crescido no Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, Alexandre Santana assumiu na carreira a alcunha Babu - fruto de um apelido de infância relativo a babuíno - como forma de protesto. Começou a trabalhar cedo, desempenhando funções de atendente em barraca de praia, faxineiro, pedreiro, aderecista de escola de samba e eletricista. O contato com a arte e o consumo de cultura foram iniciados, de forma sutil, quando frequentava o Teatro Fênix, local onde seu pai atuava como segurança. No espaço, a Rede Globo gravava algumas de suas produções. Iniciou no Teatro Nós do Morro aos 17 anos. Seis meses depois, Babu estreou em Abalou - Musical funk, a primeira peça como ator profissional.

Na televisão, Babu Santana fez participações em Malhação (como feirante e assaltante), Sabor da paixão (como arrombador), A grande família (como bêbado), I love Paraisópolis (como contraventor) e Da cor do pecado (como homem mal-encarado). O artista também integrou o elenco de apoio da novela Duas caras e pequenas participações na novela Caminho das Índias, interpretando um dos esquizofrênicos da clínica psiquiátrica do Dr. Castanho, interpretado por Stênio Garcia. Além dos programas Linha direta (Caso Betim e Caso Bangu) e Carga pesada (como assaltante) e da série Cidade dos homens (como Birão).

O seu primeiro filme lançado foi Cidade de Deus, com uma participação ainda tímida. Em Estômago, interpretou o bandido líder de uma cela na cadeia, o chamado "xerife". O papel rendeu ao artista o prêmio Oscarito de melhor ator coadjuvante e o Prêmio Especial do Júri do Festival de Cinema do Rio de 2007. Já em Maré, Santana atua como o traficante Dudu, ligado à facção da Favela da Maré, no Rio. Destaque também para as atuações nos filmes Tim Maia e Meu nome não é Johnny.

 

ENTRE A SOLIDÃO E AS ACUSAÇÕES

Os inúmeros papéis no teatro, TV e cinema não trouxeram muitos ganhos financeiros, segundo Alexandre Santana. Assim, ele aceitou o convite da Rede Globo para integrar o elenco da 20ª edição do BBB do lado “Camarote”, em uma edição dividida por famosos e anônimos. Dentro do reality show, sobrou para Babu Santana alcunhas e adjetivos como “ignorante”, “monstro”, “agressivo” e “grosseiro”, sendo muitas vezes deixado de lado da convivência com os demais participantes. Não à toa, o brother figurou em metade dos paredões do programa - sendo, em grande parte, indicado pela maioria dos votos da casa. Agora entre os poucos remanescentes da competição, Babu amarga a solidão.


Babu disputa agora seu oitavo paredão no Big Brother Brasil (Foto: Reprodução/Globo)
Babu disputa agora seu oitavo paredão no Big Brother Brasil (Foto: Reprodução/Globo)

“Acho que o Big Brother é um bom observatório social. Não é realidade, não é uma narrativa do real concreta, mas é uma história construída na edição, na escolha do elenco, nos conflitos estimulados ou não e, especialmente, na composição dos finalistas”, analisa Luciana Xavier. As demais participantes na corrida ao prêmio final do reality, em sua maioria brancas, carregam um discurso de gênero que provocou um amplo debate no início da competição, eliminando participantes considerados machistas. Mas, no último mês, o discurso passou a ser enfraquecido e acusado, nas redes sociais, de ignorar a questão racial.

“Acho que o BBB diz bastante sobre alguns aspectos da nossa sociedade, mas diz mais sobre os interesses e discursos construídos pela emissora, que refletem alguns posicionamentos da empresa, no caso, da Globo. Nesse sentido, o BBB serve para se compreender algumas dinâmicas da sociedade brasileira, especialmente na compreensão das dinâmicas do racismo brasileiro. Ora ele é velado, ora ele é descarado, mas nunca verbalizado. Nós somos um país racista, mas sem racistas, pois ninguém se julga como tal”, destaca a pesquisadora.

Nesta edição, a praça virtual que se transformou o Twitter atuou, em grande parte, como corroteiristas da edição. “O que é interessante e inédito, nesse momento, é como estrategicamente a Globo e a produção do BBB, fizeram uso dessa ‘conversação pública’ do Twitter para alavancar a audiência e para redesenhar roteiros do programa. Acho que, nesse ponto, se antes a audiência fosse um termômetro claro (especialmente no caso das novelas, que são obras abertas), hoje, ela quase funciona como um corroteirista, com muito mais poder de intervenção”, pontua Luciana.

Onde assitir filmes com Babu Santana:

 (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação

Tim Maia, disponível no GloboPlay

Café com canela, disponível na NET Now
Cidade de Deus, disponível na Amazon Prime Video
Cidade dos homens (série), disponível no GloboPlay
Estômago, disponível na Telecine Play

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