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Obra de Augusto Rodrigues ganha coleção de quatro volumes da Cepe

Publicado: 27/04/2020 às 15:07

/Foto: Cepe/Arquivo

/Foto: Cepe/Arquivo

Augusto Rodrigues foi um pernambucano célebre. Ele viveu entre 1913 e 1993 e deixou um legado múltiplo que abrange o campo das artes, da educação e do jornalismo. Menos conhecido pelas novas gerações, o recifense atuou como caricaturista, desenhista, ilustrador, pintor, educador, fotógrafo, jornalista e poeta. Foi o principal caricaturista brasileiro na Segunda Guerra Mundial, tendo como principal personagem o ditador nazista Adolf Hitler. Mais tarde, militou pela presença das artes no ensino público e idealizou o projeto Escolinha de Arte do Brasil, com cerca de 150 de unidades no Brasil e na América Latina.

São alguns dos tópicos da trajetória, agora registrada em coleção lançada hoje pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe). A organização ficou por conta de Antonio Carlos Rodrigues, filho de Augusto. São quatro volumes, separados pelas diferentes facetas: Caricaturista (248 páginas), Educador (112), Fotógrafo (152) e Artista (184). Os livros podem ser adquiridos separadamente ou em box, no site cepe.com.br/lojacepe.

Editadas com papel machê, as publicações contam com inúmeras imagens sobre a vida e a obra de Rodrigues. Além de pontuações e reflexões do próprio filho, textos de apresentação trazem intelectuais como o jornalista e escritor José Hamilton Ribeiro, o escultor e diretor do Museu Afro Brasil, Emanoel Araújo, o professor Luiz Áquila da Rocha Miranda, entre outros. “Há muitos anos eu venho pesquisando as coisas do meu pai. Eu achava que ele merecia um trabalho desse porte, que mostrasse tudo o que ele fez de uma vez só. É uma pessoa extensa, né?”, diz Antonio Carlos Rodrigues.

“Justamente por isso, não ia caber em um livro só. A ideia para a coleção surgiu durante conversas com a editora. Inclusive, tive grande apoio da Cepe, sobretudo do diretor Ricardo Melo”, ressalta. “Meu pai tocou em vários aspectos da vida cultural. Foi um grande jornalista, ajudou a moldar a imprensa brasileira, a modernizar a educação e, no ramo das artes visuais, mostrou a obra de Vitalino ao Brasil.”

Augusto Rodrigues nasceu no Recife, em uma família composta por jornalistas, escritores e artistas. Deu os primeiros passos no jornalismo com o tabloide Alma Infantil, ao lado do primo Nelson Rodrigues - que se tornaria um dos maiores dramaturgos brasileiros. Aos 16 anos, participou da criação do I Salão de Arte Moderna de Pernambuco. Seu primeiro trabalho profissional com caricatura foi no Diario de Pernambuco, onde fez desenhos que criticavam poderosos. Através do jornal, conseguiu projeção no Sudeste, partindo para o Rio, a então capital federal, aos 21 anos.

Para Antonio, o principal objetivo é apresentar o legado do pai para novas gerações. “Faz anos que o Brasil não leva a cultura muito a sério, então vai ser muito importante para que as pessoas entendam melhor a arte do Brasil, a cultura do Brasil, a cultura popular. A arte precisa ser valorizada hoje”, diz o filho de Augusto, remetendo a uma das citações famosas do pai: “Quando a arte desaparece, a civilização desaparece. Ela é a forma pela qual a cultura se manifesta mais significativamente. Num lugar onde há carência de arte, há carência em todos os sentidos”.

Artista
Como pintor, Rodrigues ficou conhecido pelos desenhos de figuras humanas, sobretudo corpos femininos. Obras desse tipo são a maioria no volume Artista - inclusive na capa -, que também traz bilhetes e cartas que revelam a relação com artistas como Fernanda Montenegro, Cora Coralina e Carlos Drummond de Andrade. Esse último chegou a dedicar um poema a Augusto, intitulado Pintor de mulheres: “Este pintor / Sabe o corpo feminino e seus possíveis / De linha e de volume reinventados”, diz um trecho. Na seara das artes, ele também impactou a elite cultural ao levar a arte do caruaruense Mestre Vitalino para a Exposição de Cerâmica Popular Pernambucana, na Biblioteca Castro Alves, do Instituto Nacional do Livro, no Rio de Janeiro.

Caricaturista
As caricaturas e charges de Augusto Rodrigues figuraram nas páginas de veículos importantes na história do jornalismo brasileiro, como a revista O Cruzeiro, os jornais do grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand, além de O Estado de S. Paulo, Última Hora e outros. Nesse ofício, seu maior legado foi o conjunto de desenhos feitos sobre a Segunda Guerra. “O primeiro lance genial de Augusto foi ver que a humanidade dependia, naquele momento, do que iria acontecer com um homem que, por ventura, era quase uma caricatura viva: Adolf Hitler”, registra José Hamilton Ribeiro, em seu texto de prefácio.

Educador
Integrante de uma geração impactada pela Segunda Guerra, o cessar-fogo fez o jornalista lutar por uma educação libertária, com diálogo e estímulo criativo. Em 1948, ao lado da artista norte-americana Margaret Spencer e da professora Lúcia Alencastro Valentim, funda a primeira Escolinha de Arte do Brasil, que funcionou em um pequeno espaço na Biblioteca Castro Alves, no Rio. Cinco anos depois, é fundada a Escolinha de Arte do Recife, com apoio de Paulo Freire, Francisco Brennand, Hermilo Borba Filho, Lula Cardoso Ayres, entre outros. O livro Educador tem ainda entrevistas concedidas por Augusto a nomes como Rubem Braga, Anísio Teixeira e Aníbal Machado.

Fotógrafo
No volume sobre fotografias, estão registros da relação de Augusto com o Largo do Boticário, um recanto histórico e natural no bairro do Cosme Velho, no Rio, onde viveu até os anos 1950. Foi grande defensor do reduto, que escapou da destruição nos anos 1960 por conta da resistência dos moradores. Maior parte de sua produção fotográfica mostra o cotidiano acolhedor do espaço, composto por casarões no meio da Mata Atlântica. Ele também registrou personagens anônimos e, assim como nas telas, mulheres. “Augusto Rodrigues vivenciou tudo com um pincel numa mão e uma máquina fotográfica na outra”, diz Antônio Carlos Rodrigues. “Suas fotografias têm importância por vários motivos.”
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