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Together At Home retoma papel histórico da música nas crises globais
Publicado: 18/04/2020 às 15:33

Paul McCartney, Lady Gaga e Anitta/Foto: Bertrand Guay/AFP, Robyn Beck/AFP e Felipe Monteiro /Multishow

A música é uma linguagem artística com forte potencial de instigar sensações coletivas sobre determinados momentos, incluindo crises internacionais. Desde o século 20, a indústria musical passou a atuar como um catalisador que intensifica essas experiências, seja para alimentar esperanças ou aliviar tensões. Na história recente, o ineditismo da pandemia da Covid-19 é o impedimento da realização de eventos, catalisando em transmissões ao vivo. Essa ferramenta alcança uma proporção global neste sábado, com One World: Together at Home, um festival musical organizado pela ONG Global Citizen em parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A curadoria foi feita pela cantora estadunidense Lady Gaga. As doações obtidas serão destinadas ao Fundo de Resposta à Solidariedade.
A programação será exibida das 15h às 23h (no horário de Brasília) através das redes sociais e no canal do YouTube do projeto. No Brasil, será transmitida na plataforma de streaming GloboPlay e no canal de TV por assinatura Multishow, com sinal aberto para não-assinantes e tradução simultânea. Já a TV Globo transmite, após o programa Altas horas, a reprise das principais atrações, cujos shows começam às 21h. A escalação impressiona pela presença de ícones como Paul McCartney, Rolling Stones, Elton John, Stevie Wonder, Andrea Bocelli e Celine Dion, ao lado de nomes recentes como Billie Eilish, Lizzo, J Balvin, Becky G e a brasileira Anitta, entre muitos outros. O comando ficará por conta de Jimmy Fallon, Jimmy Kimmel e Stephen Colbert, principais apresentadores da mídia estadunidense. As apresentações musicais começam com um pré-show, às 16h.
Os concertos globais de cunho beneficente se concretizaram na mídia na segunda metade do século 20. O Concerto para Bangladesh, em 1971, organizado pelo ex-beatle George Harrison e o músico indiano Ravi Shankar, pode ser considerado um ponto de partida nessa seara. Foram dois shows realizados no Madison Square Garden, em Nova Iorque, com 40 mil pessoas reunidas para assistir Bob Dylan, Eric Clapton, Ringo Starr, entre outros. O evento arrecadou mais de US$ 250 mil para a Unicef - o álbum triplo lançado depois arrecadou US$ 2 milhões. O seu ineditismo também esteva na cobertura, com amplas câmeras que registraram imagens - posteriormente transformadas em filme.

O Live Aid, realizado em 1985 em diferentes cidades do mundo, concretiza esse tipo de iniciativa no universo televisivo. Organizado por Bob Geldof e Midge Ure para arrecadar fundos para acabar com a fome na Etiópia, o evento foi uma das maiores transmissões em larga escala por satélite e de televisão na época - estima-se que dois bilhões de espectadores, em mais de 100 países, tenham assistido. Elton John, Madonna, David Bowie, Queen, The Who e U2 foram alguns dos participantes.
O professor inglês Robert Silverstone (1945-2006) já apontava para aspectos “poéticos” e “comunitários” dos meios de comunicação, sobretudo a televisão. Ele afirma que passamos a depender da mídia para fins de entretenimento e informação, para conforto ou segurança, mas também para “intensidades de experiência”, como no caso das crises globais.
"O mundo é performado dentro de nossa mídia diariamente. E nós, seu público, performamos ao lado dele, como jogadores e participantes, imitando, apropriando-nos e refletindo sobre as verdades e falsidades dele. (...) O encorajamento e o reforço de uma cultura da exibição, que incorporamos em nossas vidas cotidianas, é continuamente sustentada em telas e por alto-falantes”, escreveu, no livro Por que estudar a mídia (2002). O intelectual costumava ressaltar o funeral de Diana, Princesa de Gales, como um exemplo característico de exibição televisiva que se transformou em uma performance coletiva, turvando fronteiras entre espaço público e privado.
"O mundo é performado dentro de nossa mídia diariamente. E nós, seu público, performamos ao lado dele, como jogadores e participantes, imitando, apropriando-nos e refletindo sobre as verdades e falsidades dele. (...) O encorajamento e o reforço de uma cultura da exibição, que incorporamos em nossas vidas cotidianas, é continuamente sustentada em telas e por alto-falantes”, escreveu, no livro Por que estudar a mídia (2002). O intelectual costumava ressaltar o funeral de Diana, Princesa de Gales, como um exemplo característico de exibição televisiva que se transformou em uma performance coletiva, turvando fronteiras entre espaço público e privado.

Leonam Casagrande Dalla Vecchia, doutourando em Comunicação na Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma que a sociedade passou a prezar mais pelo ao vivo com o desenvolvimento da cultura televisiva, algo impossível quando o cinema monopolizava o audiovisual. “A partir da década de 1950, o mundo passa a vivenciar cada vez mais essa conexão em rede televisiva, que pode ser por um jogo de futebol ou casamento da realeza inglesa. É importante perceber como a TV entra na nossa casa e altera a dinâmica do nosso cotidiano. No show ao vivo, é como se fôssemos transportados ao espetáculo, o que cria uma comunhão de pessoas vivenciando o mesmo momento”, comenta.
Além de iniciativas como o One world ou as transmissões musicais caseiras os artistas, um outro aspecto que tem influenciado o consumo midiático são as mudanças na cultura da celebridade, que está mais ancorada no cotidiano do que nunca. “Sem precisar das mediações dos meios de comunicação, os famosos intensificaram uma performance do cotidiano. Vemos uma celebridade sem maquiagem, em sua cama, reclamando da quarentena. Existe um senso de solidariedade que criou uma válvula de escape para driblar o distanciamento social na pandemia. A cultura de celebridades tem sido essencial para não ficarmos loucos”, pontua o pesquisador.
Assista ao One World: Together At Home Special:
Assista ao One World: Together At Home Special:
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