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No Dia Mundial do Livro, escritores apontam desafios para a literatura na crise do mercado editorial

Publicado: 23/04/2020 às 19:47

Samarone, Sidney Rocha e  Lima Trindade/Foto: Anny Ston/Divulgação

Samarone, Sidney Rocha e Lima Trindade/Foto: Anny Ston/Divulgação

Como forma de promover uma reflexão sobre a leitura, a indústria de livros e a propriedade intelectual, a Unesco instituiu 23 de abril como Dia Mundial do Livro e do Direito de Autor. Para contribuir com a reflexão sobre esse universo, Fátima Quintas, Samarone Lima, Sidney Rocha e Lima Trindade falam sobre as experiências e os desafios de se viver de literatura.

O escritor e editor Sidney Rocha, presidente do Conselho Editorial da Cepe, abomina o romantismo e a glamourização exagerada em torno do trabalhador da cultura. “Sou escritor profissional e vivo disso há décadas. Trabalho todos os dias. Escrevo. Reescrevo. Retroescrevo”, afirma. Para ele, a profissão não se restringe à venda de livros, há caminhos paralelos a serem percorridos. Como os explorados por Samarone Lima, autor de Cemitérios clandestinos (Cepe, 2019). Além de escritor, jornalista e professor da Fafire e Unicap, Samarone virou livreiro há três anos, quando abriu o Sebo Casa Azul, em Olinda.

No espaço, dedica-se à curadoria do acervo e à promoção de eventos literários. Afora os direitos autorais, conta que há os direitos por eventuais adaptações de obras para o cinema ou outros meios, como ocorreu com duas de suas obras: Clamor: A vitória de uma conspiração e Zé, José Carlos Novais da Mata Machado, uma reportagem.

Para Samarone, neste tempo de isolamento social, a data ganha um significado ainda mais relevante. “Saúdo o Dia Mundial do Livro num momento em que o livro deve estar sendo um lugar de recolhimento e muita possibilidade de reflexão, de pausa”, destaca.

À sua maneira, a antropóloga e escritora Fátima Quintas, autora de obras como Amaro Quintas, meu pai (Cepe, 2014), conseguiu viver da escrita. Entretanto, acredita que é bem mais fácil para os que abordam temas mais populares, de apelo comercial maior ou voltados para o gênero da autoajuda. “Poucos viveram de escrever, quase todos vivem de alguma outra coisa”, enfatiza. A própria Fátima foi diretora do Departamento de Ensino de Antropologia pela UFPE e professora na Faculdade Marista. Como pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) durante 37 anos, conseguiu realização fora da literatura.

Quando jovem, antes mesmo de se formar, Fátima foi convidada pelo escritor e sociólogo Gilberto Freyre, amigo do seu pai, o historiador Amaro Quintas, para integrar a equipe de pesquisa da Fundaj. Foi escrevendo relatórios de pesquisa que descobriu um caminho paralelo à literatura. “A Fundaj acabou se tornando um grande laboratório para mim”, conta.

Já o escritor brasiliense Lima Trindade, servidor público federal e radicado em Salvador, diz: “Eu vivo para a literatura, não vivo de literatura, não tenho como me sustentar materialmente dela”. O autor de As margens do paraíso (Cepe, 2019) lamenta que os direitos autorais tenham se tornado cada vez mais escassos ao longo dos últimos 50 anos.

Vários fatores contribuem com essa desvalorização. Para Lima Trindade, mudanças tecnológicas provocaram a concorrência entre o livro e as redes sociais. Ele observa que o leitor se deixa seduzir facilmente por uma produção de resposta imediata, de consumo rápido.

Embora reconheça na tecnologia a possibilidade de maior acesso à produção literária, Lima Trindade diz que as mudanças nem sempre foram benéficas para o escritor. “Não há uma organização para pensar a escrita como uma profissão reconhecida, para dar condições do escritor se dedicar totalmente. Não importa a produção do profissional, do quanto se dedique a estudar, a adquirir um vasto conhecimento”, pondera.

O escritor aponta um certo desmantelo em toda essa cadeia, até mesmo no jornalismo cultural. Questiona quantos são hoje os críticos profissionais fora das academias, especializado e que trabalhava em jornal. “Com a hegemonia do pensamento mercadológico, capitalista, se pensa muito em sucesso, fama, em retorno financeiro, em produto. Tudo isso ocasiona ondas que vão atingir a produção literária”, relativiza. (Com informações da Cepe)
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