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MÚSICA
Fiona Apple, Bob Dylan e The Strokes marcam retornos após anos sem inéditas
Publicado: 20/04/2020 às 09:22

Em Fetch the bolt cutters, Fiona investe em um trabalho autoconsciente, com doses de bom humor e melancolia, e também usa de muito experimentações na sonoridade./Foto: Paul R. Giunta/Getty Images

Depois de oito anos sem grandes lançamentos, é possível um artista voltar diretamente para o auge? No caso de Fiona Apple e seu novo disco Fetch the bolt cutters não existem sinalizações a retorno algum, e sim uma reconfiguração de seus gestos artísticos e do que se espera de um álbum. A cantora não é muito conhecida por lançar discos em um curto espaço de tempo, mas entre o antecessor The idler wheel... (2012) e o novo álbum, foi batido um novo recorde pessoal: oito anos. Dispensando lugares dados para um comeback (retorno), que normalmente envolve a evocação de adjetivos como maturidade ou refinamento, Fiona investe em um trabalho extremamente autoconsciente, repleto de bom humor, certa melancolia e instrumentais criativos.
Gravado em seu estúdio caseiro em Venice Beach, em Los Angeles, Fetch the bolt cutters consegue transmitir uma intimidade cotidiana, muito através das letras e da forma de cantar de Fiona. Mas também em toda sua sonoridade e sonoplastia: as batucadas que soam despretensiosas, mas assumem uma dimensão rítmica incrível, ao lado da percussão e piano e dos latidos caninos, sussurros e demais ruídos ao fundo. Uma espécie de colcha de retalhos sonora bem costurada, em que detalhes improváveis aparecem misturados com criatividade. Ah, quanto aos latidos, eles estão todos creditados a Mercy, Maddie, Leo, Little e Alfie, os três cachorros de Fiona e dois de uma amiga, a atriz e modelo Cara Delevigne.
Já as letras, cada uma à sua maneira, transitam pela constelação afetiva e íntima da cantora - seus bullies do ensino médio, uma canção de amor para alguém que ainda não conheceu, sua relação com homens ou até o sumiço do seu set de baterias. Quando estourou ganhando o prêmio de melhor novo artista no MTV Video Music Awards (VMA), Fiona falou a frase “this world is bullshit” (“esse mundo é uma besteira”, em tradução livre), com a sinceridade genuína e o humor de quem performa uma indiferença, que destoa da emoção clichê dos discursos. Vinte três anos depois, vemos essa energia reverberar nas canções: por trás de cada sacada cômica existe algo de melancólico, e certamente questionador.
BOB DYLAN

Quem também retorna após passar oito anos sem material inédito é Bob Dylan. Em meio ao período traumático para todo mundo, Dylan fez seu primeiro lançamento em anos, abrindo a caixa-preta de um dos maiores traumas da história norte-americana. Em Murder most foul, o cantor adentra o assassinato do presidente John F. Kennedy, em uma canção que é uma jornada de 17 minutos de autoincursão por uma poética que atravessa a melancolia do momento vivido - um sentimento de perda que se relaciona com nosso momento atual -, além de passagens sobre a contracultura com uma narrativa poderosa.
Na última sexta-feira, um segundo single foi divulgado, dessa vez uma balada chamada I contain multitudes. A nova e belíssima faixa é mais curta que o single anterior, mas também uma espécie de incursão no século 20, com referências a Anne Frank, Indiana Jones e Rolling Stones, ou as imagens do desejo clássicas dos anos 1960 como evocadas pelo trecho: “Eu dirijo carros rápidos e como em fast-foods”. Até o momento, Dylan não anunciou um novo disco.
STROKES
Outro lançamento que marca um retorno é dos Strokes. Com seu novo disco, The new abnormal, a banda nova iorquina volta após sete anos desde do Comedown machine. O novo trabalho certamente aponta para a assinatura mais clássica que popularizou o grupo, que há duas décadas, com seus trejeitos descolados e referências a toda uma geração de grupos de Nova York - de Velvet Underground passando por Television -, conquistou o rock mainstream. Inclusive a novo álbum é ilustrado por outra referência nova iorquina: o artista Jean- Michel Basquiat.
A banda rapidamente estourou e viveu a pressão do título de salvadores do rock e por anos sofreram o peso da responsabilidade, já que depois do First impressions of Earth (2006), nenhum outro álbum dos Strokes colou tanto. E depois de tudo que a banda passou, existe certa amargura e revisitação de sua jornada nas letras de The new abnormal. Não se pode pra negar que os solos, riffs e refrões popque marcaram o auge da banda estão lá. Mesmo com todas as referências que se confundem com a mimese de um pop oitentista. O som novo provavelmente vai agradar aos fãs, ainda que soe como uma tentativa de se reinventar a partir da própria caricatura.
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