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De empresário industrial a mecenas: Conheça a vida de Ricardo Brennand

Publicado em: 25/04/2020 10:31 | Atualizado em: 23/09/2020 17:46

 (Foto: Instituto Ricardo Brennand/Divulgação)
Foto: Instituto Ricardo Brennand/Divulgação

Em 6 de agosto de 2019, o Instituto Ricardo Brennand recebia visitantes de várias nacionalidades durante uma tarde ensolarada. Em um espaço próximo da sala das esculturas de cera, um idoso conversava com funcionários engravatados. Sentado em uma cadeira de rodas motorizada, ele tentava ouvir os homens com ajuda de um aparelho auditivo. Ricardo Brennand, tradicional empresário e colecionador que fundou o museu, foi observado com curiosidade pelos excursionistas. Confirmada a identidade, o mecenas percorreu pelos salões do conjunto para posar em fotos, receber abraços e cumprimentos honrosos dos visitantes. Sempre sorridente. Uma senhora que disse ser natural de Garanhuns, no Agreste, soltou: “Escolhemos o dia certo para visitar”.

O IRB suspendeu visitas do público em 15 de março, quando as medidas de isolamento social ocasionadas pela pandemia do novo coronavírus começavam a ser decretadas pelas autoridades. O espaço segue de portões fechados e, quando voltar a funcionar, cenas como a da tarde de agosto serão revisitadas apenas nas lembranças daqueles que esbarraram com o proprietário. E o motivo disso também é por essa pandemia, tida por muitos líderes como o maior desafio da civilização contemporânea desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Ricardo Coimbra de Almeida Brennand faleceu na madrugada deste sábado (25), aos 92 anos, por complicações causadas pela Covid-19. Ele estava internado no Real Hospital Português, região central do Recife, desde o dia 19 de abril. O pernambucano deixou a esposa, Graça Maria, e sete filhos.

De empresário a mecenas
Filho de Antônio Luiz de Almeida Brennand e Dulce Padilha Coimbra, Ricardo nasceu em 27 de maio de 1927, no Cabo de Santo Agostinho, município tido por alguns historiadores como o local de descobrimento do Brasil. Assim como outros parentes, cresceu em terras de aspecto feudal. Passou os primeiros anos de vida na região da Usina Santo Inácio, propriedade de Antônio e Ricardo, os "Irmãos Brennand". A área tinha uma capela dedicada ao santo espanhol Inácio de Loyola, e foi considerada um engenho de açúcar central até 1884.

A família se muda para o engenho São João, no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, em 1930. Ricardo Brennand estudou no Colégio Marista entre 1937 e 1942, sendo aluno também no extinto Colégio Oswaldo Cruz. Além das aulas tradicionais, ele recebeu educação de uma orientadora que o ensinou a falar fluentemente as línguas inglesa e alemã. A preocupação com as línguas anglófonas são justificadas pela descendência inglesa dos Brennand - a linhagem do Brasil começou com a vinda de Edward Brennand para o litoral nordestino, em 1820.

O pernambucano concluiu os cursos de engenharia civil e engenharia mecânica, ambos na Universidade Federal de Pernambuco, em 1949. No mesmo ano, casou com Graça Maria Monteiro. O casal teve oito filhos. Após a formação acadêmica, Ricardo envereda para a área histórica da família: administração de indústrias ligadas a cimento, aço, vidro porcelana e açúcar.

Por muitas décadas, ele comandou a gestão ao lado do primo Cornélio. Francisco, outro primo, seguiu o caminho das artes, construindo a célebre oficina de cerâmica na região do antigo engenho São João. Ricardo também era um grande apreciador de artes, desenvolvendo a paixão por colecionar peças históricas. Durante constantes viagens, principalmente na Europa e na Ásia, o empresário passa a comprar obras que abrangem um período que vai da Baixa Idade Média ao século 20, com destaque para armas brancas, pinturas medievais e da idade moderna e esculturas de influência neoclássica. Ele buscava essas raridades em coleções particulares, museus ou leilões.

Em 1999, Ricardo e Cornélio venderam as fábricas de cimento da família ao centenário grupo português Cimpor por 590 milhões de dólares. Com parte desses recursos, ele começa a projetar o Instituto Ricardo Brennand (IRB), uma sociedade sem fins lucrativos fundada em 2001. O espaço é um homenagem ao tio homônimo, grande incentivador das artes na família. Ricardo costumava dizer que ganhou o gosto por colecionar ao ganhar um canivete do pai. No Instituto, abrigou sua numerosa coleção e adquiriu outras preciosidades, como as que formam exposição permanente Frans Post e o Brasil Holandês.

Leia também: Instituto Ricardo Brennand: do canivete à maior coleção bélica do mundo

Por questões de afeto, o local escolhido para foi a Várzea, mesmas terras do antigo engenho São João. Do outro lado do Rio Capibaribe, encontra-se a oficina artística do primo Francisco, falecido em dezembro de 2019. A construção no terreno de Ricardo, no entanto, é destoa bastante do universo cerâmico; o conjunto foi edificado em estilo medieval gótico, com destaque para o Museu Castelo São João, a Pinacoteca e a capela Nossa Senhora das Graças.

Após a venda das fábricas de cimento, Ricardo e Cornélio divergiram nos rumos dos negócios e passaram a atuar em grupos econômicos distintos. Ricardo concentrou investimentos no ramo da energia, mantendo parques eólicos e centrais hidrelétricas, além de voltar a investir em cimento em 2009. Os primos voltam a realizar um investimento conjunto na construção do condomínio Reserva do Paiva, localizado num terreno da família. Na lista dos bilionários brasileiros publicada pela revista Forbes em 2019, Ricardo Brennand apareceu com uma fortuna estimada em R$ 3,1 bilhões. Aos 92 anos, era o segundo mais velho do ranking.

Com a sua partida, fica para a sociedade pernambucana e brasileira uma coleção internacionalmente relevante, que preserva e difunde heranças materiais e imateriais da humanidade. A iniciativa de Ricardo, possibilitada pela pujança econômica e pelo conhecimento, fazem valer a sua premissa favorita: "Quando Deus quer, o homem sonha, a obra nasce."
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