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Crítica: Entre regional e global, Pabllo Vittar sustenta pop arrojado em novo álbum

Publicado em: 26/03/2020 08:31 | Atualizado em: 29/12/2020 22:44

 (Foro: Ernna Costa/Divulgação)
Foro: Ernna Costa/Divulgação


Na capa da primeira parte do álbum 111, lançado em outubro de 2019, Pabllo Vittar aparece enjaulada em uma atmosfera sombria, sob estado de alerta. Na continuação do projeto, divulgada às pressas na última terça-feira (24) após um vazamento ilegal na internet, a maranhense se libertou. Cinco sósias da drag posam, pulam, mascam chiclete e batem cabelo em um ambiente imaculado. Em meio a tanta intolerância, Pabllo Vittar quer ser livre e múltipla, seja artisticamente ou socialmente. É isso que o ouvinte vai constatar durante as nove faixas do projeto.

Com as duas partes finalmente juntas, desponta um álbum que dá continuidade à tradição da cantora em unir elementos regionais com uma pegada pop arrojada, idealizada em maior parte por Rodrigo Gorky, do selo Brabo Music. Após realizar turnês internacionais, Vittar também passa a demonstrar mais ambição em consolidar uma projeção global. O principal exemplo disso é Tímida, parceria com a mexicana Thalía, ícone da cultura pop latino-americana. A canção é um reggaeton empoderado com instrumentais mais "abrasileirados", próximos do funk, e com refrão chiclete.

Capa do EP com as primeiras faixas (esquerda) e capa do álbum (direita). (Foro: Ernna Costa/Divulgação)
Capa do EP com as primeiras faixas (esquerda) e capa do álbum (direita). (Foro: Ernna Costa/Divulgação)


Ainda nesse panteão gringo está Flash pose, parceria com a britânica Charli XCX. A faixa é um house music que homenageia a cultura ballroom - bailes undergrounds da comunidade LGBT, importantes para a cultura drag desde meados do século 20. Em espanhol, Salvaje tem um começo cativante, se apresentando como um pop gracioso, mas logo caminha para um refrão repetitivo e raso. Ponte perra passeia pelo pop industrial, com atmosfera dark, dançante e latina.

Gêneros pop periféricos
Para além desse intento de internacionalização, é interessante perceber como os álbuns de Pabllo Vittar se tornaram espécies de caixas-pretas de um novo pop nacional. Eles evidenciam o trajeto de gêneros criados em circuitos periféricos do Brasil, de gravações e circulações amadoras, para uma esfera altamente mainstream. Esses ritmos são equalizados para atender a um conceito de diva pop mutável, agradando um fiel público LGBT e acenando para as classes médias heterossexuais dos grandes camarotes.

Parabéns, parceria com Márcio Victor, do Psirico, é um desses exemplos de equalização. A faixa usa das batidas metálicas do atual brega-funk (popularizadas pelo pernambucano JS, O Mão de Ouro) para construir um pop divertido, efêmero e ambíguo, que convoca a coreografia disseminada em clipe. Lovezinho, parceria com Ivete Sangalo, é um dos destaques dessa segunda parte do projeto. Fugindo do óbvio, a faixa não é um axé, mas um batidão nos conformes do que foi construído por paraibanos como Gil Bala e Aldair Playboy. A letra aborda sobre apetite sexual em forma suave e jovial. Houve química entre as nordestinas.

 (Foro: Ernna Costa/Divulgação)
Foro: Ernna Costa/Divulgação


Amor de que, um das canções mais tocadas do carnaval de 2020, explora o arrocha. É um gênero nasceu associado à figura masculina e à sofrência, mas com Vittar se torna uma brecha para desabafar sobre infidelidade enquanto dança. Já é uma das músicas mais marcantes de sua trajetória. Clima quente, uma parceria com funkeiro Jerry Smith, tem boas intenções por flertar com a aparelhagem brega do Pará, mas carece de afinidade entre os intérpretes.

A grande surpresa da segunda parte do álbum, sem dúvidas, é Rajadão. A canção se configura como um hino gospel que lembra composições de Cassiane (dona do clássico 500 graus) e vocais de Ana Paula Valadão (do grupo Diante do Trono), se transforma em psytrance e termina flertando com o brega-funk. Diante da ascensão política e social do setor neopentecostal, Vittar usa dos bordões evangélicos de superação para criar um hino de empoderamento LGBT. Rajadão ganha pelo choque. Consegue explicitar como existe uma linha tênue entre o “exagero” das cantoras do gospel e a cultura do lipsync das drags.

Em visão integral, 111 não chega a ser tão cativante e homogêneo quanto o Não para não (2018). Também peca pela pouca quantidade de faixas, com extensão que não chega a 30 minutos. A estratégia de lançar o projeto em duas partes também fez com que ele já chegasse um pouco saturado aos ouvintes. Ainda assim, demonstra uma nítida evolução da intérprete e de maturidade na produção musical. É mais um episódio positivo na trajetória dessa drag queen, vinda orgulhosamente do Maranhão para ganhar o mundo.

Assista aos clipes de 111:









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