Diario de Pernambuco
Busca

Música

Crítica: Em Aos Prantos, Letrux segue em harmonia com os nossos tempos

Publicado em: 16/03/2020 10:41

 (Foto: Ana Alexandrino/Divulgação)
Foto: Ana Alexandrino/Divulgação

Letrux em noite de climão (2017), aclamado álbum de estreia do projeto da carioca Letícia Novaes, era como a narração de uma grande festa. Tinha expectativa, deleite, espanto e ressaca. Em Letrux aos prantos, lançado nas plataformas digitais na última sexta-feira (13), é como se a artista tivesse decidido ficar em casa. Ela não esconde que as coisas andam negativas e canta, objetiva: “Não dá pra ter bebê / Não dá pra ter um carro / Não dá pra ser no débito / Não dá pra ser / Não dá pra resistir / Não dá pra depender / Não dá pra acreditar / Não dá pra ser”.

A letra é da faixa Estou aos prantos, um rock retrô, tragicômico e charmoso que atinge como flecha o imaginário de uma geração que escutou muitas promessas e hoje performatiza tristeza e negatividade em redes sociais. O novo disco, que saiu pelo selo Natura Musical, entrega mais do que os ouvintes de Letrux estavam acostumados: uma sofrência que passeia entre a música popular brasileira contemporânea e synthpop, mas desta vez com produção musical mais arrojada, que permite flertes com R&B, blues e até samba. A produção foi dividida entre Arthur Braganti e Natália Carrera, parceiros desde o último disco.

Letícia Novaes iniciou a carreira musical no duo Letuce, ao lado do multi-instrumentista e compositor Lucas Vasconcellos. Fazia sucesso em uma cena bastante específica do Rio de Janeiro. No final de 2017, com ajuda de um financiamento coletivo, conseguiu lançar o disco solo Letrux em noite de climão. A "palavra do climão", como a própria artista gosta de falar, foi se espalhando pelo país a cada show realizado. A turnê durou três anos. Foram cinco shows só em Pernambuco, sendo o último no Festival de Inverno de Garanhuns de 2019. A iluminação predominantemente vermelha, a intensidade dos sintetizadores ao vivo e a performance intensa de Letícia são capazes de criar uma atmosfera única, que conquistou um público amplo, jovem, conectado e identificado com esses existencialismos sobre cotidiano e fossa amorosa.

 (Foto: Ana Alexandrino/Divulgação)
Foto: Ana Alexandrino/Divulgação
O título do segundo álbum expressa angústia. As declarações da cantora sobre o processo de idealização, como quando citou que chorava ao ouvir o compositor clássico Johann Sebastian Bach na infância (e foi "cancelada" por isso), deram a ideia de um disco mais depressivo e erudito. Aos prantos, na verdade, é um álbum feito para dar continuidade à estética e à narrativa do Climão. E são poucos artistas com curta carreira que conseguem imprimir um estilo tão singular.

Dèjá-vu frenesi inaugura o álbum com um sintetizador retrô crescendo de tom - assim como em Climão - até que uma voz suntuosa de Letícia proclame frases existenciais, transformando-se em um rock sedutor. Foi pensada para abrir os shows. "Se organizar direito, todo mundo chora”, canta. Uma das boas surpresas é Cuidado paixão, um samba hipster e low profile que narra uma ida ao mercado e encerra com uma despedida melancólica. Sente o drama, com Liniker, tem uma pegada mais soul, dialogando com a estética da parceria, mas não é lá o ápice do disco. Dorme com essa é um rock romântico, perfeito para um dia chuvoso. Fora da foda, em parceria com Lovefoxx (Cansei de Ser Sexy), é um alívio libidinoso.

Às vezes, dá a impressão de que Letrux poderia ter ousado mais. Mas Aos prantos é apto a continuar o legado de uma artista que vem trazendo um frescor interessante para a música nacional. Contudo, ainda é preciso ver como esse projeto vai se materializar nos palcos. É diante dos holofotes que a arte de Letícia ganha mais cores e provoca arrepios.

Ouça Letrux Aos Prantos na íntegra:

Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL