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Quadrinhos de Leandro Assis sobre desigualdade social têm feito sucesso nas redes

Publicado em: 11/02/2020 07:05 | Atualizado em: 10/02/2020 23:31

Os Santos - Uma Tira de Ódio. (Foto: @leandro_assis_ilustra/Divulgação)
Os Santos - Uma Tira de Ódio. (Foto: @leandro_assis_ilustra/Divulgação)

Continuação da imagem 1. (Foto: @leandro_assis_ilustra/Divulgação)
Continuação da imagem 1. (Foto: @leandro_assis_ilustra/Divulgação)

Acordar cedo, entrar em um transporte público lotado, sofrer assédio nas ruas e subir no elevador de serviço segurando o pão recém-saído do forno da padaria. A rotina de Edilsa, empregada doméstica de uma casa de família de classe média alta do Rio de Janeiro, vítima constante de racismo e assédio moral por parte dos patrões, é narrada na tira Manteiga, a terceira da série Os santos - Uma tira de ódio, idealizada e ilustrada pelo roteirista carioca Leandro Assis. Iniciado em dezembro do ano passado e anteriormente intitulado Os bolsominions - Uma tira de ódio, o projeto tinha por objetivo descrever o satirizar o eleitor do presidente Jair Bolsonaro em situações cotidianas de intolerância e falta de empatia. Depois, voltou o foco para a luta e desigualdade de classes.

A série ganhou grande repercussão nas redes sociais após a veiculação na página de jornalismo independente Mídia Ninja no Instagram. De acordo com Assis, depois do compartilhamento, a sua conta (@leandro_assis_ilustra) cresceu de forma surpreendente: saiu de 3 mil para 450 mil seguidores em pouco mais de um mês - hoje, passa de 475 mil. “Eu queria mostrar a relação dura entre a periferia que acorda mais cedo e a classe média que dorme esperando o pão e a manteiga chegar até a mesa. Nessas tiras, ficam evidentes algumas críticas sociais e discussões de gênero e sexualidade. Eu via que não era suficiente fazer as tirinhas de Bolsonaro, porque só criticava o governo. Então, pensei em satirizar o típico eleitor de Bolsonaro, mas achei novamente que não era suficiente. Daí, eu troquei o título para Os santos, de forma ampla, me direcionando aos ‘cidadãos de bem’, a classe média brasileira”, explica o ilustrador, de 46 anos.

Em junho de 2019, Assis iniciou a primeira série de tiras chamada Live com o minto Javir Boulsonarro, na qual brincava com as frases ditas pelo presidente em transmissões ao vivo, lançando mão de comentários ácidos e bem-humorados. Em seguida, passou também a retratar outras figuras públicas como a deputada federal Joice Hasselmann, o ex- presidente Lula, o ministro do STF Gilmar Mendes e o ministro da Justiça Sérgio Moro.

“Eu era roteirista e me tornei quadrinista bem no momento em que Bolsonaro entrou no poder. Durante as eleições e após a posse do presidente, eu via que estava brigando muito em rede social, sempre indignado, de mau humor. Era ruim aguentar ver amigos e parentes ainda defendendo o que ele faz. Encontrei nas tiras uma maneira de dizer o que eu pensava, sem precisar ter algum diálogo. Eu escrevia o roteiro, desenhava e o que eu queria dizer estava lá no meu Instagram”, relata.

Publicitário por formação, Assis atuava como roteirista de filmes e séries, até decidir se dedicar exclusivamente aos quadrinhos. Paralelamente, o desenhista deve lançar em breve o livro Moluscontos - Uma aventura canábica, ilustrado por ele, com edição da Lobo Comics e design de Renato Faccini. “Fazer quadrinhos era um desejo antigo e se tornou o meu investimento. Meu dia a dia é desenhar. Eu tinha algumas ideias na cabeça e queria que fossem contadas em tiras feitas por mim”, afirma.

Com uma frequência semanal, Os santos já reúne mais de 15 tiras e conta, desde a décima conta, com o auxílio da cyberativista Triscila
Oliveira (@soulanja). “Quando a tira começou a ficar mais firme em relação a racismo e feminismo, comecei a receber mais retorno dos
seguidores, inclusive relatos pessoais de empregadas e ex-empregadas domésticas, do que passaram e o que enfrentam. Também recebi mensagens de Triscila, que já tinha uma atuação frente à luta periférica e feminista, e passei a contar com o apoio direto dela. Hoje, as tiras
são construídas com textos meus e dela”, afirma Assis.

"Ela vai trazendo temas e questões, eu vou imaginando os desenhos e tendo mais ideias e tentando inserir nos nove quadros que cabem no Instagram". Há planos de transformar a série em livro e dar seguimento a outro projeto, que deve se chamar Além dos santos e contar com participação de artistas visuais e quadrinistas negros, periféricos e mulheres.

TRÊS PERGUNTAS // Leandro Assis, quadrinista e roteirista
 (Foto: Leandro Assis/Divulgação)
Foto: Leandro Assis/Divulgação

Como é falar dos problemas enfrentados pela população negra e periférica sendo você um homem branco de classe média?
A série é uma história sobre a relação de duas famílias, uma de classe média e outra periférica. E eu conheço essa relação por parte da minha
família, dos meus amigos. A rotina da família de classe média é uma realidade para mim. E, para falar da realidade da família periférica,
eu tenho a Triscila, ela conhece a realidade do outro lado. Há também uma preocupação em ocupar o espaço de um artista negro, é verdade. Eu iniciei, porque sentia necessidade de falar sobre isso, mas eu estou disposto a estender as parcerias.

Recebe comentários negativos? Teve alguma tira apagada das redes sociais? Como lida com as críticas?
Sempre tem. No início, sempre que alguém fazia uma crítica, eu respondia. Às vezes, virava bate-boca, a tira era retirada do ar. A política do Instagram era assim: tirava, depois perguntava se eu queria recorrer, então eu recorria e a tira voltava. Um dia, eu fui bloqueado depois de ter feito um quadrinho sobre a Igreja e os fiéis e tive um pouco de dor de cabeça para resolver. Essa não voltou mais para meu Instagram, mas eu tenho guardada, quem me pede eu envio. Eu  que algumas tiras do Bolsonaro são violentas. Veja, eu muitas vezes o matava nos desenhos. Mas não era totalmente ruim, ele sempre voltava nas tirinhas seguintes.

Como enxerga o mercado quadrinista?
Eu estou entrando agora na área, conhecendo. Conheço algumas pessoas de quadrinhos, que tenho feito projetos de livros. Mas ainda é difícil falar alguma coisa sobre quadrinhos, sei que tem menos dinheiro, mas tem mais espaço para contar histórias. Vou seguir dando continuidade à minha vontade de desenhar.
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