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Melhor passista do Recife é do bairro de Santo Amaro

Publicado em: 21/02/2020 11:00 | Atualizado em: 21/02/2020 11:14

Com frevo no pé e na alma, Eliseu inspira outros jovens de comunidade a seguir o ritmo da dança.  (Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)
Com frevo no pé e na alma, Eliseu inspira outros jovens de comunidade a seguir o ritmo da dança. (Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)

Quem vê Eliseu Nascimento brilhando nos palcos não imagina a luta que o jovem enfrentou para chegar até onde chegou. O bailarino vem colecionando vários títulos e se consagrou este ano como o melhor passista de frevo de Pernambuco tanto no concurso promovido pela Prefeitura do Recife como na internet. "Desde quando eu perdi a minha mãe, Dona Jeane Nascimento Damasceno, aos seis anos de idade, a dança se tornou o caminho para eu esquecer dos problemas e seguir em frente, mesmo diante das dores causadas pela ausência dela. Tive que amadurecer muito cedo e conhecer a realidade quando todo mundo da minha geração ainda estava pensando em brincar”, revela Eliseu. 

O bailarino é envolvido com a cultura da cabeça aos pés. Ele mora na comunidade de Santo Amaro, no Centro do Recife e enxergou na cultura um importante caminho de transformação social. “Frevo, maracatu, afoxé, ciranda, cavalo marinho, xaxado, forró, passinho do brega funk, caboclinho, brega e outros tantos. Pode tocar tudo que eu danço. Isso é a minha vida e eu me sinto realizado por isso”, revela. Além do popular, o jovem também arrasa na dança de salão, no ballet clássico e nos movimentos contemporâneos. 

Esta não foi a primeira vez que o passista venceu um concurso.  ( Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)
Esta não foi a primeira vez que o passista venceu um concurso. ( Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)


Esta não foi a primeira vez que ele subiu ao pódio. No ano de 2010 com apenas dez anos de idade, ele conquistou o primeiro lugar na categoria Juvenil I do concurso de passista realizado pela Prefeitura do Recife. Depois disso, não parou mais. Venceu também em 2011, 2017, 2018 e 2020, lá estava Eliseu subindo ao pódio nos concursos da Região Metropolitana do Recife. 

Todas essas conquistas estão colocando o bailarino em evidência, principalmente na internet. Gente até de fora do país curte, comenta e compartilha. “Muita gente me vê no jornal, na televisão e nos concursos e me marca no instagram. Eu acho isso maravilhoso. Eu não acho que eu estou famoso e nem quero ganhar com fama. Eu quero mesmo é continuar trabalhando e mostrando o que o nosso estado tem de melhor. A dança é tudo para mim. Ela mexe comigo de um jeito que fica até difícil descrever. Graças a ela eu sou quem sou, um bailarino apaixonado pela cultura", ressalta.

 (Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)
Foto: Leandro de Santana/Esp.DP


O apoio vem dos amigos, vizinhos e principalmente da família. “O meu neto cuida de mim, organiza a casa e faz até comida. Ele faz questão de me levar para os concursos. Neste da prefeitura mesmo, ele chamou um carro para eu ir assistir a apresentação dele. Quando o homem disse que ele tinha ganho eu não sei como não desmaiei de tanta emoção. Ele sempre foi assim apaixonado pela dança. Tudo o que eu queria era que ele fosse alguém na vida e hoje ele é. Eu tenho muito orgulho dele”, disse Maria José Damascena do Nascimento, 85.

O Irmão dele, José Jean Nascimento de Araújo, 18, falou que quando vê as pessoas elogiando Eliseu, fica bastante emocionado. "O meu irmão dá exemplo para toda a família e para todos os oito irmãos. Ele faz a gente querer se algo melhor. Sem falar que ele representa muito bem a nossa comunidade que é discriminada pelas pessoas. Todo mundo acha que o pessoal aqui não presta, mas isso é mentira. Aqui é terra de gente batalhadora que levanta cedo para trabalhar”. 

"Eliseu sempre foi um menino bom, tranquilo e sempre gostou do frevo. Todo mundo aqui gosta dele. Eu acho maravilhoso. Tanto ele quanto a família dele representa muito bem a comunidade. Ele está dando o exemplo para muitos jovens da comunidade", disse a comerciante e vizinha de Eliseu, Tânia Alencar Pinto, 61. 

 (De família humilde, Elizeu precisou amadurecer muito cedo. Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)
De família humilde, Elizeu precisou amadurecer muito cedo. Foto: Leandro de Santana/Esp.DP


Através da dança, o jovem tem mostrado que a comunidade de Santo Amaro não é sinônimo de violência como muitos pensam, mas sim a terra de grandes artistas. “Hoje em dia, a comunidade de Santo Amaro é uma das que mais tem artistas. Muitos vão para fora representar Pernambuco. Eu acredito que as pessoas precisam conhecer mais aqui. Aqui é a terra de Clara do Passinho, Werison Fidelis, Menininho, Sabrina, Moisés, Kaio Barbosa, Geovane Alves, Fernanda Ferreira, Jhon Bernardo e tantos outros. Eu já sofri preconceito por ser daqui, mas isso só dá garra para mostrar que eu não tenho vergonha, eu tenho é orgulho”. 

Eliseu alerta sobre a desvalorização do profissional de dança em Pernambuco. “Os passistas aqui em Pernambuco são muito desvalorizados. Aqui muita gente não leva a sério. Às vezes, o artista precisa se virar com o que tem para ir representar o país lá fora. Antigamente até tinha um incentivo financeiro para aqueles que quisessem disputar em concursos internacionais e representar o estado, mas hoje está difícil. Queria muito que as pessoas nos enxergassem como profissionais e não como gente que está brincando de dançar. A gente se prepara o ano inteiro e não é fácil. Nós investimos muito em treino, passagem, lanche, figurino, sapato e sombrinha. Isso fica em torno de mil reais”. 

 (O sonho dele é presentear cada irmão com uma casa própria. Foto: Leandro de Santana/Esp.DP)
O sonho dele é presentear cada irmão com uma casa própria. Foto: Leandro de Santana/Esp.DP


O sonho de Eliseu é se tornar um grande mestre da cultura popular e ajudar a família. “A minha família é minha base e eu quero poder presentear a cada irmão meu com uma casa. Eu só estou bem quando eles estão bem. E a minha vontade é de poder dar um maior conforto a todos eles. A gente não cresce só, a gente cresce junto”. Sobre ser inspiração para outros jovens da comunidade, o jovem dá o seguinte conselho: “Nunca desista daquilo que você acredita. A gente já nasce com o não da vida e batalha para receber o sim. No começo pode até parecer que tudo vai dar errado. Mas a gente precisa persistir para mudar essa realidade”.  



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