literatura
HQ narra luta de brasileiros contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial
Por: FolhaPress
Publicado em: 21/01/2020 13:30
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Foto: Divulgação |
No trajeto de trem para o campo de concentração, suportou com os demais prisioneiros os vagões lotados e com fezes até as canelas. Agora, sua história é retratada na graphic novel "Elísio: uma jornada ao inferno", do quadrinista estreante Renato Dalmaso, de 38 anos. O livro foi lançado pela editora gaúcha Avec, com sede em Porto Alegre, e teve financiamento do ProAC (Programa de Incentivo Cultura do Estado) de 2018.
O termo Elísio está relacionado com os "Campos Elísios" da mitologia grega, local do mundo dos mortos, governado por Hades, para onde iam os homens corretos após a morte. "O tema de guerra sempre me inspirou, não que eu goste da guerra propriamente dita. Sou pacifista nato. Porém, é um assunto que acaba trazendo reflexões. São situações de extremos. A guerra é a pior coisa que pode acontecer com o ser humano. É o humano quase virando um animal", disse Dalmaso à reportagem.
Quando optou por roteirizar e desenhar uma história em quadrinhos sobre a Segunda Guerra Mundial, decidiu que abordaria a participação do Brasil. Afinal, são incontáveis os filmes e livros sobre o protagonismo dos Estados Unidos, por exemplo. Por isso, Dalmaso decidiu retratar a atuação da FEB, que contou com mais de 25.000 pracinhas brasileiros na luta contra o nazifascismo. O artista escolheu narrar uma história real, e não apenas inspirada no contexto histórico. "Tinha essa ideia fazer sobre a FEB, mas não tinha uma história definida. Tentei criar uma história própria, mas não ficou tão bom. Comecei a pesquisar e acabei me deparando com a história do Eliseu e vi que daria uma história em quadrinhos espetacular", conta o autor.
A trajetória de Eliseu, que chegou a comer sola de sapato para enfrentar a fome no campo de concentração, foi registrada em entrevista ao jornalista Altino Bondesan. A entrevista também serviu de base para a monografia do historiador Douglas Almeida, que assina o posfácio da graphic novel. Uma das cenas mais dramáticas desenhadas por Dalmaso é quando Eliseu, depois que seu grupo foi cercado, em uma noite chuvosa na localidade de San Quirico, vê um amigo morrer metralhado. Sob ataque, Dalmaso e um colega juram sobre a Bíblia que irão voltar após buscar reforços.
O capitão recomenda que eles não voltem ao casarão atacado pelos alemães. Mas Eliseu volta, como prometido, e acaba detido. Apesar da ameaça de fuzilamento, termina preso e depois transportado para Alemanha, que evacuava os presos contrariando a Convenção de Genebra. A sequência é real, mas Dalmaso precisou recriar os diálogos. O autor optou por escrever diálogos em alemão e italiano sem tradução para provocar a sensação de estranhamento no leitor enfrentada pelos brasileiros na guerra. Esta é a primeira HQ de Dalmaso, que fez o roteiro em 2015 durante o horário de almoço no trabalho de gerente de uma loja pertencente a uma rede nacional. Quando decidiu levar o projeto adiantes, largou o emprego e se dedicou exclusivamente ao projeto.
A maioria dos desenhos são em aquarela e o artista foi fiel aos uniformes, armas e acessórias da FEB, a partir de fotografias feitas por ele de artigos de museus. "É uma arte linda. Quando ele nos procurou e mostrou as páginas de arte, já era de cair o queixo. Está muito acima da média nacional do que é trabalhado em quadrinhos", diz Artur Vecchi, editor responsável pelo livro. As páginas foram desenhadas originalmente no tamanho de folha A3 e cada uma levou cerca de três dias, cada uma com doze horas de trabalho, para ficar pronta, explica Dalmaso.
Apesar dos esforços dos pracinhas brasileiros na Segunda Guerra Mundial, a história da FEB segue pouco lembrada pelo público não especializado. Para Dalmaso, dois fatores podem explicar a pouca atenção. O primeiro é a campanha difamatória que a FEB sofreu no retorno ao Brasil. Criada em 1943, ela foi extinta pelo presidente Getúlio Vargas em 1945. "Eles foram lutar contra o nazismo, foram lutar por democracia. Mas no Brasil havia uma ditadura, a ditadura do Estado Novo. Eles voltaram vitoriosos, mas o próprio meio militar e civil difamou a FEB, falaram que foram passear, que demoraram para tomar Monte Castelo, ignoraram todas dificuldades", opina.
O segundo motivo, para o autor, é a própria ditadura militar (1964-1985). "Mesmo que a FEB não tivesse nada a ver com o golpe, a ditadura militar afastou a classe artística e o cinema de abordar esse tema. Se as pessoas quiserem abordar, tem muita história boa", defende. "É uma história de luta contra o nazifascismo, que talvez seja a pior cosia que pode existir na face da terra", diz ele.
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