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HQ revela perseguição sofrida por artistas recifenses durante a Era Vargas

Publicado em: 21/11/2019 10:50 | Atualizado em: 21/11/2019 11:17

 (Ilustração: Greg)
Ilustração: Greg

Da sacada da antiga sede do Diario de Pernambuco, situada na Praça da Independência, no bairro de Santo Antônio, o estudante Demócrito de Souza Filho discursava ao lado do antropólogo Gilberto Freyre em protesto contra o autoritarismo da Era Vargas, quando foi morto por tiros de policiais. Sete pessoas ficaram feridas, e o trabalhador Manoel Elias dos Santos também foi morto. O jornal foi invadido e ficou sem circular durante 40 dias. No mesmo período, homens e mulheres que trabalhavam com entretenimento eram fichados como artistas pela Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) e precisavam recorrer a artimanhas para escapar da vigilância e repressão exercidas pelo estado. 

As histórias estão entre as narrativas destrinchadas na HQ O obscuro fichário dos artistas mundanos, roteirizada por Clarice Hoffmann e Abel Alencar, com ilustrações de Clara Moreira, Greg, Paulo do Amparo e Maurício Castro. A publicação será lançada nesta quinta (21), às 19h, no Armazém do Campo. Ao lado de Polinização, de Cavani Rosas e Júlio Cavani, os livros marcam a estreia do novo selo da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), o Cepe HQ, e torna a editora a primeira de Pernambuco especializada em quadrinhos. Este é um campo editorial grande, que tem se intensificado, e decidimos investir nesse segmento para atender a uma demanda ampla. Temos dado apoio a muitos projetos em HQ, agora resolvemos bancar e fazer com que essa produção ganhe espaço nacional”, salienta o diretor de produção e edição da Cepe, Ricardo Melo.

O desafio de trabalhar com HQ encantou a roteirista Clarice Hoffmann, que aposta no formato pela primeira vez. “Como a narrativa tinha muita ação, achei que cabia transformar o material em HQ. Também tinha vontade de mesclar os documentos com os quadrinhos, acreditava que seria uma experiência interessante. Abel Alencar foi me munindo de referências e conseguimos concretizar a ideia. Quando fui procurar a Cepe para editar a publicação, coincidentemente eles estavam pensando no selo. Foi uma alegria”, explica Clarice.

 (Ilustrações: Paulo do Amparo)
Ilustrações: Paulo do Amparo

De acordo com a roteirista, o formato permitiu que o projeto fosse feito de forma coletiva, onde os ilustradores e roteiristas são igualmente autores. A narrativa do livro é costurada pela história de quatro personagens fictícios, guiada pela Perseguição aos vermelhos, Josephine Strike - A mulher sem ossos, Grande hotel e Os cossacos e o tabu, inspirados em personalidades que existiram durante as décadas de 1930 e 1950.

A ideia da HQ partiu do projeto de pesquisa homônimo realizado por Clarice entre os anos de 2014 e 2017, com incentivo do Rumos Itaú e Funcultura, no qual ela identificou mulheres e homens, brasileiros e estrangeiros, protagonistas de uma movimentação ocorrida no campo da arte e do entretenimento da cidade do Recife nas décadas de 1930 e 1950. As informações foram encontradas por ela na antiga Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS).


“Apesar da forte ligação com o contexto histórico, a documentação é cheia de lacunas, então ela abriu margem para a imaginação, que foi preenchida pelas ilustrações”, pontuou. As páginas da publicação, que passeia entre os gêneros artes plásticas e universo de quadrinhos, são repletas de ilustrações, documentos históricos, balões e colagens. A estética surgiu do interesse mútuo entre Clarice com os demais autores, que se conheceram na Galeria Mau Mau, no Espinheiro.

 (Ilustração: Clara Moreira)
Ilustração: Clara Moreira

Para a ilustradora Clara Moreira, o convite para experimentar as possibilidades artísticas veio alinhado ao que ela já vinha desenvolvendo em suas pesquisas de trabalho. E se apresentou como desafio no ponto de vista técnico: desenhar por observação a antiga sede do Diario. “É um trabalho que exige muita dedicação, mas une duas coisas que eu tenho buscado dentro do meu trabalho, que é desenhar as paisagens históricas do Recife e narrar episódios de resistência”, pontua a artista, que também é estreante nos quadrinhos.

“A gente está vendo a necessidade de fazer o registro correto das histórias políticas do país. Eu acho que não ter olhado devidamente para esses traumas por tantos anos fez com que eles ficassem abertos e isso não ajudou a gente a construir uma política e uma história mais saudável. Esse projeto coincide em 2019, em que é muito necessário colocar no mundo trabalhos que pensam memórias”, reflete.

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