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Rádio Pajeú: a voz do Sertão há 60 anos

Publicado em: 22/10/2019 13:34 | Atualizado em: 22/10/2019 13:53

Prédio onde nasceu a Pajeú é hoje o Museu do Rádio. Foto: Rádio Pajeú/Divulgação.
A Rádio Pajeú, primeira emissora do Sertão de Pernambuco, comemora neste mês de outubro 60 anos. Ela foi idealizada por um bispo católico, Dom João José da Mota e Albuquerque. A rádio iniciou suas atividades em Afogados da Ingazeira, Sertão do Pajeú graças ao seu empenho e de uma equipe de abnegados. Para comemorar a data uma vasta programação foi elaborada desde o início do mês.

No próximo sábado, a atração é o cantor Odair José. Um dos nomes mais tocados na história da emissora, remontando à Era de Ouro do Rádio, Odair desfila seus sucessos a partir das 21h, em show na Praça Padre Carlos Cottart, no centro da cidade. Responsável por hits como Vou tirar você desse lugar, Que saudade de você e Pare de tomar a pílula, o cantor viveu o auge de sua carreira no anos 1970 e hoje é considerado cult. A vinda de Odair José para a festa faz parte do resgate promovido pela emissora de artistas que estão ligados à história da Rádio Pajeú. Já participaram do projeto Agnaldo Timóteo, Gilliard e Moacyr Franco.

Por pelo menos uma década, a Pajeú era o único prefixo radiofônico que se podia sintonizar no Sertão pernambucano. Para se ter uma ideia, no fim dos anos 50, a região sequer contava com energia elétrica. O funcionamento se deu graças a motores a óleo. Ao longo do tempo, a rádio, décima do estado, foi se moldando como importante instrumento de formação e entretenimento no Sertão de Pernambuco. Atualmente, mesmo com a existência de vários outros prefixos, o apelo em termos de comunicação da emissora é ainda é muito forte. Frequentemente com o pé na estrada, ao longo dos meus 43 anos de profissão, quando saio da BR-232 e mergulho nas estradas desertas e pitorescas em meio à caatinga no Pajeú, deixo me envolver pela programação típica da emissora. Para mim, há algo de mágico em escutar a Rádio Pajeú, deixando de lado uma vivência urbana e me transportando para a sonoridade e realidade sertanejas.

Equipe que faz a Rádio Pajeú atualmente. Foto: Rádio Pajeú/Divulgação.
Atualmente, após a migração para FM, a Pajeú é líder na região com uma programação que tem como carro-chefe a participação popular, a informação e a música regional. Lançou sua programação na nova frequência, 99,3 FM, com maior potência graças à autorização do Ministério das Comunicações.

ESPAÇO MARIA DAPAZ

Ainda, no sábado, após a apresentação de Odair José, sobe ao palco o forrozeiro Valdinho Paes. A programação se encerra no dia 31 com a entrega do Espaço Maria Dapaz, no Museu do Rádio, onde nasceu a emissora. O espaço contará com o acervo da artista que reúne prêmios, discos e objetos pessoais reunidos durante sua carreira. “A música se manifestou muito cedo. Soltava a voz no muro do jardim de casa. A programação da Rádio Pajeú eu conhecia de cor: Waldick Soriano, Roberto Carlos, Clara Nunes, Ângela Maria, Luiz Gonzaga, Vicente Celestino. Essa foi minha formação musical, de pé de rádio”, disse a cantora em uma de suas entrevistas. Antes da inauguração do espaço, haverá a exibição do documentário “Princesinha da Ingazeira” com a trajetória da artista.

O evento tem apoio do governo de Pernambuco, através da Fundarpe, Prefeitura de Afogados da Ingazeira e WN Empreendimentos.

A valorização do homem do campo

A Rádio Pajeú tem uma programação muito voltada para o homem do Sertão. Destaca-se o Encontro com a Poesia, com mais de 30 anos de duração, está voltado para os poetas populares sertanejos, que são parte da identidade da região. No atual formato, o programa tem cinco apresentadores de segunda a sexta: o produtor cultural Alexandre Morais, o padre Luisinho, importante nome no fomento cultural da região, mais os poetas Diomedes Mariano, Edesel Pereira e Heleno da Silveira. O programa abre espaço para inúmeros cantadores da região.

Outro exemplo é o Sábado Livre, que recebe por três horas artistas populares da região como sanfoneiros, poetas, declamadores, pifeiros e outros representantes da cultura que se apresentam no pátio da emissora. O Som da Terra vai ao ar de segunda a sexta, das 16h às 18h, valorizando artistas da região. Curioso é o Forró do Rei, um contraponto de muitos prefixos que colocam espaços dedicados a Roberto Carlos. Na Pajeú, o rei é outro: Gonzagão. A emissora ainda tem um dos poucos espaços no interior dedicados às músicas de vaquejada, o Vida de Gado, com Antonio Martins, a mais de 30 anos no ar.

Entrevista // Nill Júnior, presidente da Associação de Empresas de Rádio e Televisão de Pernambuco (Asserpe)

Como podemos mensurar na atualidade, em meio a novas formas de comunicação, o papel ocupado pela Pajeú?
Ela ainda tem presença muito forte na formação política da região. As redes sociais, por exemplo, só ajudaram a potencializar seu papel chegando a outros públicos. É possível, por exemplo, assistir a parte da sua programação, que tem por base muito conteúdo, graças à sua TV Web. Ela está presente no Facebook, Twitter, Instagram, tem aplicativos próprios para que seja ouvida em outros rincões e tem audiência destacada em aplicativos como o Radios Net. Pesquisa recente do Kantar Ibope mostra que o meio rádio nunca esteve tão forte justamente por isso. Ganhou com as redes sociais. E uma rádio que tem como carro-chefe informação, serviço e regionalismo ganha muito com essas ferramentas.

Você tem a preocupação de manter na rádio uma linguagem e programação voltadas para o homem do campo?
Em linhas gerais o rádio também tem essa vantagem, de ser compreendido pelo homem do campo, escolarizado, sem escolaridade, de nível superior. Talvez o desafio seja sempre falar genericamente a linguagem do sertanejo. Há um fenômeno importante de êxodo, migração do campo para as cidades. Assim, esse modo de comunicar tem que se preocupar em ser linear e compreendido por todos. Tanto os que estão no campo ou os que estão na cidade, tenham origem rural ou não, devem nos compreender e o mais importante, ser parte desse mosaico social que a rádio constrói. Há abertura para todas as vozes, uma democratização plena da comunicação. Isso ainda me impressiona, 60 anos depois de sua fundação.

Qual o perfil do ouvinte da Pajeú?
Em linhas gerais é o ouvinte ávido por uma emissora com um bom nível de independência editorial, sem filtros, que gosta de ter acesso à informação com qualidade, ter uma abordagem de tudo que acontece a partir da cidade e região. Rádio é um veículo muito local. Mesmo os temas nacionais só interessam quando atingem o local. O ouvinte da Pajeú sabe que pode ser ouvido, levantar suas demandas, opinar, reclamar, interagir. É também uma rádio com apelo afetivo muito forte da opinião pública por ser a primeira do Sertão do estado. Há um envolvimento diferente da sociedade com ela. Claro, isso dá uma predominância de ouvintes no público adulto, mas acredito que essa tradição de ouvi-la continua sendo moldada também nos mais jovens.

Qual o papel da rádio na sua vida?
Ocupo atualmente a Gerência Administrativa. Sei do desafio sem tamanho de fazê-la uma rádio atual sem perder o vínculo com a tradição e a história.


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