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Prestes a superar o CD, cultura do vinil ganha força no Recife

Publicado em: 17/09/2019 10:15


Depois de anos em baixa, no Recife a cultura do vinil está viva. Foto: Peu Ricardo/DP Foto
Nossas experiências com a música são muito marcadas por memórias, afetos e sensações. Seja onde for: no rádio de pilha, em um show de arena ou nos fones de ouvido. Entre as experiências de escuta, o vinil sempre soou especial e singular para muita gente. Depois de anos em baixa, no Recife a cultura do vinil está viva. O amor pelo disco como artefato permeado por lembranças e narrativas é fonte de histórias, motivo para revitalização de antigos e criação de novos empreendimentos na cidade.
 
Cláudio Alexandre se lembra muito bem da sexta-feira na qual seu pai levou para casa o primeiro LP com que teve contato. “A primeira vez que eu vi um disco foi em 1978. Eu tinha 7 anos, morava no bairro de Águas Compridas (em Olinda) e, na época, nem energia tinha, a radiola era na pilha e fazia uma zoada danada. Eu lembro até hoje, era uma sexta-feira, dia de pagamento do meu pai, que era ajudante de pedreiro e chegou com uma radiola e o compacto de Carlos Alexandre, Arma de vingança (1978)”, relembra, com os olhos marejados. Já se passaram 41 anos daquela sexta inesquecível. Cláudio é dono da Casa do Vinil, uma das maiores populares do estado, com cerca de 20 mil discos no acervo.
 
Cláudio Alexandre com seu vinil de ouro do Gonzagão. Foto: Tarciso Augusto/ ESP. DP Foto
 
Logo aos 13 anos, Cláudio começou a se engajar com o comércio de LPs, a partir de feiras de troca, muito comuns na cidade nos anos 1970 e 1980, como a que ocupava as proximidades da Igreja da Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife. Na época de baixa do vinil, iniciada no fim dos anos 1980, quando o CD despontou como a nova mídia, Cláudio manteve a paixão e a coleção de discos, mas pausou os negócios. Há sete anos, ele notou uma tendência de volta do vinil e abriu seu primeiro espaço. “Essa loja é uma aposta que eu fiz e até agora não me arrependo. O pessoal está vindo com força. Tem gente de São Paulo, Rio de Janeiro, já veio gente de Portugal e até do Marrocos comprar disco comigo”, conta.


CRESCIMENTO
A tendência observada durante anos por Cláudio foi certeira se olharmos para as vendagens de LPs nos últimos anos. O vinil reapareceu. Segundo o relatório recente da Associação Americana da Indústria de Gravação (RIAA, na sigla em inglês), se a receita do vinil seguir o ritmo dos últimos anos, já neste ano ela ultrapassará o CD, sendo a mídia física mais rentável - o que não ocorre desde 1986.
 
Não à toa, há seis meses, por conta do sucesso da Casa do Vinil, o comerciante juntou investimentos e se mudou para um espaço maior, na Rua Cleto Campelo, nas lojas do solo do Edifício Continental, no Centrão do Recife. A loja segue os modelos mais tradicionais de sebos, muitos discos empilhados, de gêneros diversos como música romântica, rock, pop, samba e reggae. Nas paredes, Cláudio ostenta diversas fotos com artistas que é fã, entre eles, o cearense Belchior. Também não passam despercebidas para quem entra na loja as capas de discos ao estilo brega romântico, que contam a história de Cláudio Alexandre como cantor. Inspirado por Carlos Alexandre, desde daquela sexta-feira, e Roberto Carlos, seu ídolo maior, o comerciante conta que a carreira de cantor não era planejada. “Foi por acaso. Não sou cantor, mas fui aprendendo a ser”, remonta. Hoje, tem cerca de treze álbuns gravados e pretende lançar seus trabalhos, é claro, em vinil.
 
Na parede da loja, também é possível ver um disco diferente, emoldurado, que brilha em cor de ouro, como uma espécie de relíquia. Trata-se de um disco de ouro de Luiz Gonzaga, que Cláudio recebeu de um produtor. “Ele me disse que, pra não dar na mão errada, é melhor dar na mão certa. Já apareceu um bocado de pretendente querendo comprar, mas eu não vendo não, porque não tem preço”, ele explica.
 
O Bolacha vai completar seu segundo ano de atividade. Foto: Peu Ricardo/ DP Foto
 
Na Zona Norte do Recife, no bairro das Graças, um novo modelo de negócio dá forças à cartografia afetiva do vinil na região. Bolacha Discos & Coisas é a loja de Victor Serak, de 33 anos, baterista da banda de rock Päntano, DJ e apaixonado por música. Diferente dos sebos, a loja possui menos discos, sendo mais organizada em prateleiras, escolhidos já a partir da curadoria do proprietário. Além disso, o espaço no estilo pub britânico conta com um bar, que disputa a atenção com o vinil nas horas de happy hour.
 
A ideia para a loja surgiu a partir de uma temporada em São Paulo, onde observou uma tendência de empreendimentos, com bares que se tornam não só lugar de comércio, mas ponto de encontro e convivência entre fãs de vinil. “Eu via que faltava esse tipo de espaço aqui. Cerveja, evento e disco. A proposta é criar um lugar legal, menos discos e oportunidade de fazer eventos de música e etc”, explica. Segundo ele, a loja se adequa às engrenagens orgânicas das Graças. Lá, Victor percebeu uma cultura de bairro forte, sempre com muita gente fazendo atividades a pé ou de bicicleta.
 
Se a receita do vinil seguir o ritmo dos últimos anos, já neste ano ela ultrapassará o CD, sendo a mídia física mais rentável - o que não ocorre desde 1986. Foto: Peu Ricardo/DP Foto
 
“Eu lembro de andar pelas escadas do meu prédio para ir brincar e cansava de ver pilhas e pilhas de vinis descartados. As pessoas vendiam superbarato ou jogavam fora. Hoje em dia, tem muita gente querendo comprar as coleções de volta”, relembra Victor, que cresceu nos 1990, quando o CD estava no auge. Para ele, o mercado fonográfico e as escutas crescem em duas frentes: o streaming e o vinil. “O meu público da loja, velho ou novo, ouve música no streaming e coleciona vinil. Ele, indo para o trabalho de carro, ouve música por streaming e, uma vez por semana, vai abrir uma garrafa de vinho para ouvir vinil na radiola”, conta.
 
A volta dos LPs está muito ligada a um tipo de experiência específica de escuta, envolvendo processos mais sensoriais e afetivos. “O vinil é a experiência. Primeiro, tem a emoção de achar o disco. Quando você compra tem o cheiro, o encarte, as letras e o som que tem personalidade própria. Temos o lado B também, que você já se prepara para uma nova fase do disco, com outra narrativa. Muitos discos conceituais da época eram baseados nisso, como o The wall, do Pink Floyd, e o Their satanic majesties request, dos Rolling Stones”, justifica.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPE, pesquisador e colecionador de vinil Jeder Janotti Jr. explica que o consumo de vinil na contemporaneidade está ligado diretamente a uma ideia de espacialidade. “Tem a ver com tipo de escuta. No streaming, temos escutas muito individuais, ligadas ao fone e ao smartphone. Dificilmente você vai ouvir de fones. Tem tudo a ver com a escuta em um espaço mais amplo, é 'espacializada' e aberta. É sobre a experiência do 'parar para ouvir música', explica. Ainda segundo Janotti Jr., esse tipo de escuta se diferencia muito da atual tendência utilizar a música como background para outras atividades, o vinil seria então, a busca por uma escuta mais atenta. 
 
Mesmo com as facilidades dos serviços de streaming, são muitos os apaixonados por música que querem materializar essa paixão em algo. Foto: Peu Ricardo/ DP Foto
 
Aos poucos o vinil vai conquistando mais corações, abrindo espaço pelas cartografias da cidade, como motivo para ocupar calçadas com feiras, festas e exposições. Isso porque a cultura do vinil, é anterior aos shopping centers. É a cultura do comércio popular, do fã e de uma certa relação anti-hegemônica de escuta, em uma era em que impera a velocidade e a correria. Ouvir vinil é, também, sobre dar valor aquilo que te afeta, nesse caso, a música.

A celebração dos LPs, se transmuta em um celebração da própria música. Cada disco têm a capacidade e o potencial de contar uma história: uma dedicatória na capa, uma raridade encontrada em um dia não tão bom ou um presente de alguém que buscou transmitir o afeto através do objeto. Mesmo com as facilidades dos serviços de streaming, são muitos os apaixonados por música que querem materializar essa paixão em algo. Como a música é etérea e se esvai no ar, talvez nos discos encontremos a possibilidade de nos apegar ao que amamos.
 
Circuito
 
Bolacha
Rua João Ramos, 50, Graças
 
Casa do Vinil
Rua Cleto Campelo, 44, Santo Antônio
 
Feira do Castigliani
Estrada do Encanamento, 323, Parnamirim
 
Feirinha na Unicap
Rua do Príncipe, 526, Boa Vista
 
Flowers Records
Praça Machado de Assis, 66, Boa Vista
 
Passa Disco
Rua da Hora, 345, Espinheiro
 
Praça dos Sebos
Av. Guararapes, Santo Antônio
 
Sebo do antigo
prédio do INSS
Av. Dantas Barreto, Santo Antônio
 
Taberna do Vinil
Rua Gervásio Pires, 517, Boa Vista
 
Terça do Vinil (festa)
Torre Malakoff, Bairro do Recife
 
Vinil Alternativo
Rua Sete de Setembro, 105, Boa Vista
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