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Livro inédito revela cartas trocadas entre Osman Lins e Hermilo Borba Filho
Publicado: 25/09/2019 às 10:26

O livro contempla onze anos de cartas trocadas entre os grandes escritores. Foto: Acervo Pessoal/

Hermilo Borba Filho e Osman Lins foram cúmplices durante boa parte de suas vidas. Não apenas por questões do ofício ou por ambos serem pernambucanos, os dois maiores escritores da língua portuguesa foram amigos até seus últimos dias. Para celebrar essa produção e sua importância para a cultura pernambucana, os registros dessa amizade estão presentes nas cartas trocas, que hoje desembocam no livro inédito Osman e Hermilo: Correspondência. O lançamento do livro com organização, notas e prefácio de Anco Márcio Tenório, conta também com novas edições especiais de clássicos: Os casos especiais de Osman Lins e Agá de Hermilo Borba Filho. O evento de apresentação das três obras, publicadas pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), será na próxima quinta (26), às 19h, no Museu do Estado de Pernambuco, na Avenida Rui Barbosa.
A amizade começou em 1959, como Osman Lins relata em um texto de 1976 em homenagem Hermilo, que tinha acabado de falecer. Hermilo foi professor de dramaturgia em uma classe do Curso de Arte Dramática do Recife. A classe foi se esvaziando, até o ponto que só sobrou um aluno: Osman Lins. A amizade só se firmou quando Osman, já como ex-aluno, transferiu-se para uma residência em São Paulo, em 1962. Três anos depois, começaram as cartas. “A amizade de Hermilo para Osman se fortaleceu basicamente por correspondência. Eles estão sempre lamentando os desencontros. Foi uma amizade por correspondência, criada pela e através da escrita”, conta Anco Márcio Tenório.

As obras de ambos se encontram, principalmente se pensarmos como eles povoaram e moldaram um imaginário popular: os povoados, amores, a família, a vida e a imaginação do povo nordestino. Em personalidade, os amigos divergiam, quase como opostos que se articulam e complementam. “Hermilo era um homem muito emocional, dionisíaco; Osman muito racional e apolíneo. O que fazia com que Osman vez ou outra ‘puxasse a orelha’ de Hermilo, porque o amigo estava sempre seguindo o coração, tentando ajudar todo mundo, até quando isso não era muito bom para ele”, conta. Nas semelhanças, vemos dois artistista muito preocupado com a literatura, o Brasil e a vida intelectual brasileira. “Eles queriam que o Brasil fosse lido lá fora. Essas correspondências são de homens muito preocupados com a literatura e a arte brasileira. São intelectuais públicos, tomando posições, brigando, que não abriam mão de suas posições. Você não vê eles momento algum fazendo concessões à ditadura, por exemplo”, completa.
O trabalho de produção deste livro inédito, que conta de forma íntima e personalista a história de parte da literatura brasileira, foi árduo. Todo o material começou a ser digitalizado ainda em 2012. Anco Márcio foi convidado pessoalmente pelo presidente da Fundação Casa Rui Barbosa na época. Depois da digitalização vieram as análise do conteúdo das cartas e apuração do material. Foram cerca de 1.600 notas de rodapé, produzidas durante seis anos de pesquisa e apuração, em cima de onze anos de cartas.

Entre idas e vindas da vida, com seu encontros e desencontros, o destino os separou pela última vez quando Hermilo faleceu, em 1976, aos 58 anos. Segundo Anco, faleceu enquanto fazia aquilo que era apaixonado: escrevendo. Seu amigo também morreu prematuramente, aos 54 anos, um ano depois de Hermilo, no dia em que o amigo completaria de 59 anos. Na última carta trocada entre os dois, três dias antes da morte de Hermilo, ele se despede do amigo em felicidade, para marcar com eternidade o adeus, mas também com pedido singelo: “E lá vamos nós. Por hoje, nada de literatura. E viva a vida!”
Os cúmplices
Hermilo Borba é de Engenho Verde, no município de Palmares, Zona da Mata Sul de Pernambuco. Sua formação foi como bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito do Recife. Publicou sete romances, três livros de contos, duas novelas, 12 pesquisas e ensaios e mais de uma dezena de traduções de grandes escritores internacionais como Marquês de Sade, Leon Tolstói, Jorge Luís Borges, entre outros. Agá, seu livro que será lançado em uma edição especial nessa quinta (26), é um dos romances mais experimentais da literatura brasileira. Imerso no realismo mágico, Hermilo conduz com maestria uma história que investiga a condição humana diante da opressão. O livro foi lançado pela primeira vez 1974, em plena ditadura militar.
Já Osman Lins tem entre suas obras mais celebradas o romance Avalovara e a peça Lisbela e o prisioneiro, que foi adaptada para a televisão e o cinema. Lins nasceu em Vitória de Santo Antão, também na Zona da Mata, no dia 5 de julho de 1924. Os casos especiais se tratam de um texto produzido para uma minissérie da Rede Globo, exibida em episódios nos anos 1970. “Osman é conhecido como arquiteto da palavra, mas se tivesse tido mais tempo de vida, seria considerado o arquiteto da imagem. Ele queria inovar, tirar o engessado e enlatado norte-americano e abrir espaço para a nossa literatura da TV”, diz Portela, organizador do relançamento feito pela Cepe.
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