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Há 50 anos, The Beatles lançava Abbey Road, uma travessia de despedida

Publicado em: 26/09/2019 10:24 | Atualizado em: 16/10/2020 23:49

Várias teorias sobre a imagem da capa ressoam até hoje (Foto: Iain MacMillan/Divulgação)
Várias teorias sobre a imagem da capa ressoam até hoje (Foto: Iain MacMillan/Divulgação)


Os Beatles entraram pela primeira vez no estúdio da EMI localizado na Abbey Road (Rua da Abadia ou Estrada do Mosteiro, em tradução literal) em junho de 1962. Eram jovens rapazes excitados pelas possibilidades na indústria do entretenimento, dispostos a realizar sessões que causariam uma revolução na cultura de massa. Sete anos depois, deixavam o local após as últimas gravações. Já eram homens respeitados, porém egocêntricos e cansados do assédio midiático, das brigas na Justiça por royalties e disputas internas de poder. Todas essas questões acabam aparecendo no resultado final, um disco de 17 faixas que recebeu o nome da rua onde até hoje fica o "laboratório" musical: Abbey Road completa 50 anos de lançamento nesta quinta-feira (26).

Como relatado em inúmeros livros sobre a trajetória da banda, o nome do álbum inicialmente seria Everest, uma referência à marca de cigarros que o engenheiro de som Geoff Emerick consumia durante as gravações. Até existia uma ideia de viajar para o Monte Everest para fotografar a capa. Mas a pressa para entregar o conteúdo fez o quarteto improvisar a foto clicada por Iain MacMillan, que adquiriu um imensurável poder iconográfico. Apenas John, Paul, Ringo e George atravessando uma faixa de pedestre foi o suficiente para que a rua entrasse na rota turística de Londres. O aniversário da foto, em 8 de agosto deste ano, foi comemorado por uma multidão.

Várias teorias sobre a imagem ressoam até hoje. A mais famosa diz que representa uma caminhada para o velório de Paul McCartney - dando força a uma famosa teoria conspiratória de que o beatle teria morrido e sido substituído durante a década de 1960. John seria o padre (vestido de branco), Ringo é o homem da funerária, George é o coveiro (jeans e camisa de denim). Paul está descalço, como um corpo em um caixão. No horizonte, um carro vem em sua direção. Nunca foi revelado se isso foi intencional, mas a verdade é que existe um outro significado mais palpável: o quarteto atravessava para o caminho contrário do estúdio. Era como uma saída, uma despedida.

O aniversário da foto, em 8 de agosto deste ano, foi comemorado por uma multidão (Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP)
O aniversário da foto, em 8 de agosto deste ano, foi comemorado por uma multidão (Foto: Daniel Leal-Olivas/AFP)


Nos precedentes, os Beatles vinham com gravações muito tensas. O aclamado White album (1968) foi repleto de intrigas e sessões individuais, enquanto o Get back (que tinha como proposta retornar à sonoridade do começo da banda) foi engavetado, sendo lançado como Let it be em 1970. Para iniciar o que seria Abbey Road, o fiel produtor George Martin, conhecido como o “quinto beatle”, pediu que a banda se comportasse "como nos velhos tempos". E deu certo. Em muitos arquivos demos, é possível perceber diálogos dos quatro se divertindo no estúdio. Ainda assim, algumas canções foram finalizadas com gravações individuais.

Logo após o lançamento, Abbey Road já foi considerado um dos melhores álbuns dos Beatles - para muitos, o melhor. Ele é um dos mais cuidadosamente produzidos. Utilizou da melhor tecnologia da época, sendo o primeiro gravado em oito canais, contando com uma mesa de som com saída para 19 microfones. Outra novidade foi a introdução da sonoridade do revolucionário sintetizador Moog, sendo uma das primeiras utilizações desse instrumento na música pop. Ele está em I want you, Maxwell’s silver hammer, Here comes the sun e Because. Alan Parsons, o assistente de som, posteriormente foi engenheiro de som no clássico The dark side of the moon (1973), da banda inglesa Pink Floyd. John Kurlander, o engenheiro de som, foi produtor e diretor de som da trilogia O senhor dos anéis, na década de 2000.

Makinf off da foto (Foto: Iain MacMillan/Divulgação)
Makinf off da foto (Foto: Iain MacMillan/Divulgação)
A discordância entre os membros (sobretudo Paul e John, que já não gozavam do ápice da amizade) foi mais benéfica dessa vez. Chegaram a um acordo para a estruturação das canções. O lado A, que vai de Come together a I want you (She’s so heavy), foi feito para agradar a Lennon. Trata-se de uma coleção de ótimas faixas individuais. Come together é um dos maiores clássicos da banda. Com Something (e Here comes the sun, no lado B), o guitarrista George Harrison finalmente conseguiu provar ser um grande compositor, saindo da sombra da dupla Lennon-McCartney. Ironicamente, seu primeiro álbum solo fez mais sucesso do que o dos colegas. Ringo Starr também teve mais espaço com a lúdica Octopus’s garden.

O lado B, por sua vez, foi feito para agradar Paul McCartney. É uma junção de faixas de curta duração que vão se transformando em um medley. Ele agrega as produções mais “experimentais” se tratando de rock, como as misteriosas Because e Sun king, marcadas por longos vocais em coro, quase angelicais. A partir de Mean Mr. Mustard até The end, o álbum vira um enorme pout-pourri que vai crescendo de tom a cada faixa. O encerramento é épico: Golden slumbers / Carry the weight / The end são quase orquestrais.

Os ouvintes da época do lançamento podem ter entendido que The end se referia ao álbum, mas também se estendeu à banda. A música ainda emociona fãs, sobretudo pela frase "e no fim, o amor que você recebe é igual ao amor que você dá". Nada muito diferente de "é dando que se recebe”, mas com uma complexidade poética que mostra a notável evolução da banda que tanto fez pela música popular. "Eu amo quando as pessoas me revisitam nos meus sonhos. Eu tenho muitos sonhos com a banda e são loucos. Eu tenho muitos sonhos com John. Sempre sonhos bons", revelou Paul McCartney na quarta-feira (25), véspera do aniversário do álbum, em entrevista na TV. É a prova de que os membros vivos seguem sentindo a recíproca do universo pelo legado do grupo.

Edição de luxo
Edição de luxo (Foto: Apple Records/Divulgação)
Edição de luxo (Foto: Apple Records/Divulgação)


Uma edição de luxo do Abbey Road será lançada amanhã pela Apple Records. As 40 faixas - em três CDs e um vinil triplo - ganharam novas mixagens, feitas a partir das gravações originais por Sam Okell e Giles Martin, filho de George Martin. O box conta com um livro de 100 páginas, com fotos nunca divulgadas. Entre as faixas excluídas do repertório final do álbum estão Goodbye, gravada por Paul para a cantora galesa Mary Hopkins, e duas versões de The ballad of John and Yoko, sobre o casamento dos dois em março de 1969. Tem ainda Old brown shoes, de Harrison, e Come and get it, de Paul. 

Histórias de algumas canções do álbum
Fonte: The Beatles - The stories behind the songs, de Steve Turner (Cosacnaify, 2011)

Come together
Foi idealizada por John Lennon como uma música de campanha para Timothy Leary, grande guru hippie, para o governo da Califórnia em 1969. O adversário era Ronald Reagan, futuro presidente dos Estados Unidos. No fim da campanha, Leary foi preso por porte de maconha e ouviu o Abbey Road pela primeira vez dentro da prisão.

You never give your money
A faixa de autoria de Paul McCartney é uma mistura de canções inacabadas. A primeira parte é desabafo sobre os problemas financeiros dos Beatles por má administração do catálogo. A segunda é mais animada, sobre estar sem dinheiro depois da faculdade. Inspirou o título do livro de Peter Dogget sobre os imbróglios jurídicos dos Beatles pós-término.

Carry the weight
A composição de Paul McCartney expressa os medos dele em torno dos últimos dias dos Beatles. Em entrevistas após o fim da banda, o músico chegou a afirmar que as discussões sobre as finanças do grupo o fizeram entrar nos “momentos mais sombrios” de sua vida até então.

Here comes the sun
Escrita por George Harrison, essa canção de sucesso era como uma vontade de fugir dos intermináveis compromissos de negócios que estavam ocupando o tempo dos integrantes. No começo da primavera de 1969, o guitarrista decidiu sair de uma reunião e aproveitar o dia. Com um violão acústico emprestado por Eric Clapton, compôs ali mesmo sua vontade de ver o sol.

Ouça álbum completo:

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