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'O Brasil comete erros históricos por não compreender o passado'. Confira a entrevista com os diretores de Bacurau

Publicado em: 29/08/2019 11:01 | Atualizado em: 02/08/2020 23:39

Juliano e Kleber em sessão especial em Barra, na Paraíba (Foto: Victor Alencar/Divulgação)
Juliano e Kleber em sessão especial em Barra, na Paraíba (Foto: Victor Alencar/Divulgação)


O longa-metragem Bacurau, dos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, entra oficialmente em cartaz no circuito comercial nesta quinta-feira (29), após pré-estreias em grandes redes de cinema do país. O filme também contou com sessões acompanhadas pela equipe em várias cidades, incluindo o município de Barra (PB), no Sertão do Seridó, onde as filmagens foram rodadas.

Apesar das expectativas, o filme não foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na corrida pelo Oscar 2020 na categoria Melhor Filme Internacional. De qualquer forma, o que Bacurau conseguiu até o momento já o torna um episódio memorável do cinema brasileiro. Além dos prêmios de Cannes, Festival de Berlim e Festival de Lima, ainda existe um certo frisson causado por uma produção nacional. Bacurau já nasceu um clássico.

O filme se passa em um vilarejo fictício no Sertão de Pernambuco que é atacado por um grupo de estrangeiros armados e se transforma em uma alegoria sobre dominação, violência e resistência do povo nordestino. Após a coletiva de imprensa oficial do filme, realizada no último sábado (24) em um hotel da Zona Sul do Recife, os diretores concederam entrevista ao Viver.



ENTREVISTA - Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, diretores

Som ao Redor e Aquarius são ambientados na Zona Sul do Recife, uma área fortemente urbana. Qual é a diferença de filmar no Sertão? Tanto pela experiência, quanto em resultados estéticos e de narrativa?
KMF: O Sertão é um lugar fascinante para o Brasil. Seja socialmente, politicamente e culturalmente. Faz parte da nossa imaginação. Nascemos no Recife, mas temos muitos amigos no Sertão. A cidade grande traz várias facilidades, como o filme não ser tão caro. Bacurau custou R$ 8 milhões. Existem desafios que são físicos como estrada, calor, intensidade do sol e incontáveis litros d’água. A experiência é muito rica do ponto de vista humano. Como brasileiro, me senti mais fortalecido por trabalhar no Sertão. Mexeu muito comigo ter voltado para o município de Barra para exibir o filme. Muito da experiência da gravação voltou. Eu tive a sensação de que queria fazer outro filme lá.

JD: Sobre estéticas e narrativas, nossa ideia nunca foi reproduzir um certo padrão sobre o Sertão imposto pelas telenovelas brasileiras e algumas obras do cinema. Nós somos de centros urbanos, mas não queremos interferir nessa representação mais real. Nos deixamos levar por essas pessoas e seus comportamentos. É um filme que tem raiz de faroeste, então o Sertão traz essa identificação imediata. E também precisávamos de um lugar com energia de isolamento. Viajamos 11 mil km para achar esse local ideal.

Bacurau é um filme que trabalha com a ideia de regionalismo, algo totalmente compreendido por quem é brasileiro. Vocês não tiveram receio de que o público do exterior não compreendesse por completo?
KMF: Eu nunca tenho essas preocupações. Cheguei a pensar nisso com Som ao redor, que foi gravado na rua em que eu morava, uma das locações era a minha casa. Não tem como prever a experiência que as pessoas vão ter, só resta esperar. Mas quando você faz algo verdadeiro e honesto, a tendência é que se comunique com qualquer tipo de público. Bacurau é regional e universal. Tem gírias como “pantim”, mas tem diálogos em inglês.

JD: Existem formas diferentes de apreciar uma obra de arte. Para quem é brasileiro, principalmente nordestino, a apreciação do filme vai até a última camada possível. Mas o filme tem relação com qualquer pessoa por ser universal.

A imprensa e as redes sociais têm citado nomes de John Carpenter, Quentin Tarantino e Glauber Rocha para se referir ao filme. Até onde eles realmente exerceram influência?
KMF: Quando se faz um filme brasileiro, ainda mais um filme de gênero, inevitavelmente você passa pelo Glauber Rocha. Ele foi um cineasta que não se deve tentar copiar ou citar, até porque o estilo dele era muito marcado. Tarantino é um referencial muito simples, e eu respeito quem o enxerga. Ele se alimentou dos mesmos tipos filme que eu, até porque ele é seis anos mais velho do que eu. Pensamos mais no Brian de Palma, John Carpenter e Sergio Leone. Essas são nossas referências.

JD: As influências estão mais na forma de fazer um cinema do passado, e menos em diretores específicos. Gostamos muito de filmes feitos nos anos 1970 e 1980. Bacurau não começa com explosões e correria. Existe toda uma chegada na cidade, apresentação de habitantes. Esse tipo de cinema está mais difícil de ser ver a cada dia. O cinema comercial é muito apressado.

No último ato do filme, o museu e a escola da cidade funcionam como fortalezas contra os invasores. Por que colocar estas metáforas?
KMF: Porque acreditamos que a educação e a cultura são base de qualquer sociedade. Bacurau, como uma pequena comunidade que ela é, tem educação, tem cultura e entende a própria história. Não queremos exagerar pela simbologia, mas ela é muito clara. Se você investe na educação, você tem uma sociedade que se entende. Muito diferente do que está ocorrendo no Brasil hoje, em que nada faz sentido. O Brasil comete erros históricos por não compreender o passado, e está voltando atrás em várias casas. Isso é um problema muito grande.

Prêmios internacionais, filas para compra de ingressos, sessões de pré-estreia concorridas e esgotadas... Seria um exagero chamar Bacurau de uma espécie de blockbuster pernambucano?
JD: Eu espero que seja. Tem toda a possibilidade de ser. É uma produção feita com orçamento grande para parâmetros daqui. O prêmio do Cannes ajudou muito a criar essa energia em torno do filme. O que lamento muito é que o brasileiro não tem tendência a valorizar o que outros brasileiros fazem. Mas, de qualquer forma, Bacurau está entre os melhores filmes do ano. Não sou só eu que digo isso, mas toda a imprensa internacional. Competimos com Tarantino e ganhamos. Isso diz muito sobre a qualidade técnica do trabalho.
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