Música
Há dez anos, Black Eyed Peas antecipava o 'fim do mundo' para cantar o futuro
O álbum The E.N.D marcou o fim da década passada ao apostar em um R&B futurístico que dominou as paradas de sucesso
Por: Emannuel Bento
Publicado em: 03/06/2019 19:49 | Atualizado em: 01/07/2020 22:14
![]() |
“Seja bem-vindo ao fim / Não se assuste / Não há motivo para se assustar / Tudo ao seu redor está mudando / Nada permanece do mesmo jeito”. Na introdução do The E.N.D, quinto álbum do grupo norte-americano The Black Eyed Peas, uma voz robótica prepara o ouvinte para algo inovador. As 15 faixas do projeto trouxeram um forte teor eletrônico ao conhecido hip hop dançante do grupo, popularizando uma espécie de R&B futurístico que dominou as paradas de sucesso. Ao ouvir a introdução hoje é possível refletir que, nas entrelinhas, aquela voz intimidadora também preconizava o fim de um mundo como conhecíamos.
Uma nova década se aproximava e existia essa vontade de incorporar certa ideia de “evolução” - o título do disco quase foi Evolution, inclusive. Mesmo com a crise financeira de 2008, o Ocidente parecia estar em constante desenvolvimento social e o Black Eyed Peas queria ver as pessoas dançando.
Em 3 de junho de 2009, quando o The E.N.D chegou às lojas, o primeiro presidente negro dos EUA já havia começado seu mandato há cinco meses. A Apple lançava o Iphone 3GS, uma revolução no mercado dos smartphones. O consumo da música através de plataformas digitais já era uma realidade na América do Norte, principalmente com o iTunes, e as redes sociais se consolidavam como meio de divulgação dos artistas.
Aquela mesma voz robótica da introdução ainda explica que o "E.N.D” também seria uma sigla para Energy Never Dies (energia nunca morre), uma referência ao retorno do grupo. Eles haviam feito uma pausa em 2007 para investir em carreiras solos - Fergie lançou o sucesso comercial The dutchess, enquanto Will.i.am despontou com Songs about girls.
ANTECEDENTES
O The Black Eyed Peas foi fundado nos anos 1990, mas só começou a ter destaque nas paradas de sucesso em 2003 com o Elephunk, justamente na entrada de Fergie. Foi nesse álbum que a banda firmou suas principais características: os integrantes masculinos (Will.i.am, Apl.de.ap e Taboo) ficavam responsáveis por rimas rápidas, de apelo popular e muitas vezes satíricas, enquanto a voz feminina era dona dos refrões viciantes. Um swing "vendável" do gueto norte-americano era a cereja do bolo.
Essa fórmula foi repetida no também exitoso Monkey business (2006), que firmou o BEP como um dos grupos pop de maior sucesso dos anos 2000. Quando chegou o momento de pensar em um sucessor, Will.i.am, o produtor executivo, convidou nomes já conhecidos do quarteto, como Printz Board e Keith Harris.
No entanto, não dava para ficar estacionado naquele R&B de uma década que já estava acabando. Por isso, ele adicionou um nome que demonstrava o caminho que o The E.N.D iria tomar. Era David Guetta, o DJ mais cobiçado do mundo na época e dono de sucessos como When love takes over, Sexy bitch e inúmeras produções que tiveram o triunfo de fundir o eletrônico com a música pop radiofônica.
![]() |
No entanto, não dava para ficar estacionado naquele R&B de uma década que já estava acabando. Por isso, ele adicionou um nome que demonstrava o caminho que o The E.N.D iria tomar. Era David Guetta, o DJ mais cobiçado do mundo na época e dono de sucessos como When love takes over, Sexy bitch e inúmeras produções que tiveram o triunfo de fundir o eletrônico com a música pop radiofônica.
SINGLES
O primeiro single foi lançado em março de 2009. Boom boom pow chegou como uma astronave nas pistas de dança globais, ficando 12 semanas em primeiro lugar da Billboard Hot 100. A música começa com Will.i.am afirmando ter criado um novo som futurista: "Eu consegui esse rock and roll, esse fluxo futuro", canta, no meio de rimas rápidas e pontuadas com efeitos digitais. A música termina com Fergie repetindo um verso inicial, levando o ouvinte a um círculo completo. "Eu sou tão 3008, você é tão 2000 e atrasado", pontua a vocalista, colocando o “ser futurístico” como um valor.
O segundo single foi um dos maiores sucessos daquele ano. I got a feeling trouxe as típicas batidas de Guetta com uma letra sobre curtir a juventude - com destaque para o trecho "o nosso lema é festa todos os dias”. A faixa se transformou em um hino festivo geracional, se mantendo atual ao agradar novos adolescentes que, na época do lançamento, nem sonhavam em pisar em uma boate. A música ficou 14 semanas do topo da Billboard Hot 100. Em 2011, tornou-se a primeira música da história a vender mais de 7 milhões de cópias digitais nos Estados Unidos, ressaltando que a inovação do BEP também era comercial.
Com vocais sensuais de Fergie, a romântica Meet me halfway levou o quarteto ao espaço em um clipe cheio de simbolismos. As eletrônicas Rock that body e Imma be foram aglutinadas em um mesmo vídeo, com cantores batalhando com robôs gigantes que lembram “sentinelas” dos X-Men ou personagens de Transformers. A ficção científica parecia sempre acompanhar essa “estética do póstero”.
IMPACTO
The E.N.D foi o terceiro álbum mais vendido de 2009, de acordo com o Mediatraffic, apenas atrás de Susan Boyle e o fenômeno Lady Gaga. No total, foram 11 milhões de cópias vendidas, algo inimaginável nos tempos em que o streaming impera. A turnê do disco chegou a passar pelo Recife em 10 de outubro de 2010, reunindo 30 mil pessoas no Jockey Club, no Prado, em uma noite inesquecível, com figurinos metálicos e efeitos especiais explosivos.
![]() |
Esse sucesso fez o Black Eyed Peas mudar para sempre. Aquele R&B libertino e cheio de swing do gueto yanke ficou no passado. O grupo quis dar continuidade ao êxito eletrônico com o The beginning (2010), mas sem tanto sucesso comercial ou críticas positivas. Nos anos seguintes, a música pop foi ficando cada vez mais eletrônica e futurista, abrindo espaço para nomes como Kesha ou LMFAO.
Um fator que influenciou nos bastidores foi a mudança de will.i.am. Ele deixou de ser uma referência do R&B para se tornar um “especialista” em hip hop eletrônico, usando essa fórmula até o desgaste. Lançou o genérico #willpower (2013), com destaque para o hit Scream and shout, parceria com Britney Spears. Também foi o principal produtor do oitavo álbum de Spears, o Britney Jean (2013), considerado um dos piores de sua carreira pelo eletrônico seco e repetitivo.
Todavia, a comoção causada pelo The E.N.D é formidável. Em uma época de instabilidade econômica na América do Norte, o Black Eyed Peas persistiu em acreditar no poder da música dançante. Com aquelas 15 faixas, deram vida a um “rave-rap” de alta potência que deve continuar atravessando gerações, colocando em prática a máxima de que a “energia nunca morre”.
Mais notícias
Mais lidas
ÚLTIMAS